O cenário deve ter gradual melhora ao longo dos meses, mas suficiente só para garantir pequeno crescimento no acumulado de 2021
Por Hugo Passarelli
O varejo brasileiro deve ter um primeiro semestre de retração, confirmando a perda de fôlego observada desde o fim do ano passado. O desempenho é fruto de acúmulo de pressões, como a piora da pandemia, alta da inflação e dos juros e recuperação lenta da renda do trabalho. O cenário deve ter gradual melhora ao longo dos meses, mas suficiente só para garantir pequeno crescimento no acumulado de 2021.
Estudo da XP Investimentos, obtido pelo Valor, mostra que as vendas do varejo restrito, calculadas pelo IBGE, devem mostrar queda de 5,5% no primeiro trimestre em relação aos três últimos meses de 2020. Pelo conceito ampliado, que inclui automóveis e materiais de construção, a baixa deverá ser mais intensa, de 6,5%, em igual comparação.
A dinâmica vai se refletir no consumo das famílias dentro do Produto Interno Bruto (PIB), que poderá ter quedas de 0,4% e 0,9% no primeiro e segundo trimestres, sempre em relação aos três meses anteriores, segundo a XP. Parte da influência negativa virá dos números de março, que podem mostrar queda de 10% do varejo ampliado ante fevereiro em função da crise sanitária e mais restrições à mobilidade.
“Diria que, no momento, o risco é de haver queda ainda maior em março”, diz Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos e autor das projeções. Também pesa a herança negativa do varejo deixada por 2020, seguida de outra baixa das vendas varejistas também em janeiro.
“Fevereiro deve ter um ‘rebote’, mas insuficiente para compensar a perda esperada para o trimestre”, completa. Segundo Margato, o risco é também de “queda adicional” do varejo no segundo trimestre.
Na saída do tombo gerado pela pandemia de covid-19, o varejo mostrou forte reação e atingiu, em média, níveis acima do pré-crise já em agosto do ano passado. Desagregado, o dado mostra que os segmentos do varejo ligados à disponibilidade de renda das famílias, impulsionados pelo auxílio emergencial, puxaram o resultado e, no acumulado de 12 meses até janeiro, têm alta de 3%. Já as vendas ligadas à disponibilidade de crédito têm perdas de 7,8% em 12 meses até janeiro.
“Com a deflagração da pandemia e das principais medidas de suporte do governo, como o auxílio emergencial, o varejo mais sensível à renda reagiu de forma surpreendente. E, até outubro do ano passado, mesmo alguns setores do varejo ligado ao crédito ainda tinham uma dinâmica favorável, o que não ocorre agora”, afirma Margato.
Dois deles são emblemáticos e relacionados às necessidades mais básicas da população: o de artigos farmacêuticos, com avanço de 8,8% nas vendas nos últimos 12 meses até janeiro, e o de supermercados, com alta de 5,2%. Na via inversa, o setor de veículos tem retração de 15,6%.
Mesmo com a reedição do auxílio emergencial, o volume de recursos distribuídos em 2021 será menor, o que explica a redução projetada pela XP de 8% na massa de renda ampliada no primeiro semestre em comparação com os seis meses anteriores. Além disso, a confiança dos consumidores, como atestam as sondagens da Fundação Getulio Vargas (FGV), também indicam menos propensão ao consumo.
“No curto prazo, em março e começo do segundo trimestre, praticamente todos os segmentos do varejo vão cair. Isso vale também para os setores sensíveis à renda, embora boa parte desses itens tenham resiliência”, diz o economista. A nota extra de cautela é que, ao contrário de 2020, o governo não tem mais fôlego fiscal para financiar a recuperação.
Mesmo que a retomada se confirme, o ano será de relativa estagnação. O PIB deve crescer 3,2% em 2021 nas contas da XP, abaixo da herança estatística (carry-over) deixado por 2020, que é de 3,6% – isto é, boa parte da retomada é fruto da aceleração já ocorrida no ano passado.
Já o consumo das famílias tem cenário mais favorável, mas ainda tímido: o crescimento deverá ser de 2,7% neste ano, pouco acima da herança de 2,1% de 2020.
Fonte: Valor Econômico