Por Rebeca Ribeiro | Se antes os brechós eram ambientes bagunçados, com roupas espalhadas em cima de bancadas e cheiro de mofo, hoje a realidade é bem diferente. Com ambientes bem mais organizados e uma variedade de peças que agrada clientes de diferentes faixas etárias e de renda, esse tipo de comércio cresce de forma sólida nos últimos anos.
De acordo com pesquisa divulgada pela Thredup em 2023, o mercado global de peças de segunda mão cresce, em média, três vezes mais que o setor de vestuário em geral. Até 2027, o segmento onde estão inseridos os brechós deve dobrar de volume, movimentando US$ 350 bilhões.
No Brasil, dados do Sebrae mostram que o número de brechós cresceu 30,97% nos últimos cinco anos e hoje há cerca de 118 mil negócios ativos do tipo. Entre os empreendedores que resolveram apostar no segmento está Bruna Vasconi, fundadora e CEO da rede de franquias Peça Rara Brechó, que diz que em 2007, quando entrou no mercado, não tinha noção do tamanho desse segmento.
Foi por necessidade que ela reuniu algumas roupas antigas do filho e de amigos próximos e, junto com uma amiga, abriu o seu primeiro brechó em Brasília, vendendo roupas de crianças.
Não demorou muito para que o empreendimento chamasse a atenção de consumidores e fornecedores. Apesar de a sociedade não ter dado certo, Bruna entendeu que aquele mercado era promissor. Foi então, com o apoio da família, que abriu a primeira unidade do Peça Rara Brechó, dessa vez vendendo roupas para diversas idades, tanto femininas como masculinas.
“Entendi que aquelas mães que compravam e vendiam roupas de crianças poderiam ter interesse em comprar e vender coisas próprias”, diz Bruna, que compartilha que o segmento cresceu muito depois disso, impulsionado por mudanças no comportamento dos clientes, cada vez mais engajados com as práticas de consumo consciente e sustentabilidade.
Com 154 lojas, a rede de Bruna comercializou mais de 2 milhões de peças no primeiro semestre deste ano, representando um crescimento de 60,26% comparado ao mesmo período de 2023, e espera fechar o ano com mais de 5 milhões de peças vendidas.
Investindo em um modelo de loja mais moderno e agradável, Bruna acredita que o Peça Rara passou a atrair mais clientes e se tornou uma referência no mercado para outros brechós. “Quem não está habituado a comprar peças de segunda mão se sente mais à vontade aqui e passa a dar mais valor aos usados pela forma como a loja é organizada.”
No geral, os brechós ainda são ambientes menores e mais simples, com um conceito comunitário. Porém, segundo Marco Pielluch, professor e consultor de avaliação de empresas do Ibevar, com a popularização da moda circular, muitos brechós estão evoluindo para modelos mais sofisticados e amplamente acessíveis, se assemelhando a lojas de departamentos.
Ao entrar em uma unidade da Peça Rara, por exemplo, é possível verificar que as roupas estão bem cuidadas e muitas parecem novas. Essa impressão, segundo Bruna, se dá graças a uma boa curadoria, com a seleção cuidadosa das roupas que irão para a vitrine, evitando peças rasgadas ou com fiapos. Nas suas unidades é possível encontrar peças de grifes como Louis Vuitton, com preços mais acessíveis, assim como marcas mais populares.
A empresária diz que as roupas que chegam ao brechó, mas não têm a qualidade que ela procura, são doadas para entidades, desde que ainda estejam boas para o uso.
Segundo Bruna, hoje as roupas de segunda mão são democráticas, atraindo um público bem variado. Mas o maior potencial, diz, está na Geração Z, justamente por ser um público muito atento às práticas sustentáveis.
Apesar da forte mudança de comportamento dos consumidores, Bruna fala que ainda encontra um certo preconceito em algumas cidades, que não encaram muito bem a proposta do brechó de início. “Mas quando as pessoas entendem a proposta da empresa, acabam aderindo ao formato.”
MERCADO DE LUXO
Três sócias e uma dor em comum: a dificuldade de encontrar peças de luxo de segunda mão. Foi analisando essa questão que Marina Piquini, Maria Eduarda Moura e Mirella Gaz criaram a HUNT Unique Treasures, empresa digital de curadoria de peças usadas para o mercado de luxo.
O cliente entra em contato com a HUNT por meio do whatsapp, aponta a peça que deseja e a média de preço. Então, as sócias fazem a intermediação entre a loja e o cliente. A empresa também faz a intermediação entre o cliente que deseja vender uma peça e o brechó, facilitando a negociação.
“As pessoas que estão iniciando no mercado de segunda mão muitas vezes não têm o conhecimento para saber se aquela peça é verdadeira, se o valor é justo e a qualidade é boa”, diz Maria Eduarda, que explica que, com essa curadoria, o cliente sente mais segurança ao comprar.
Para Mariana Cerone, professora de estratégias do varejo omnichannel da ESPM, os brechós do mercado de luxo ajudam a reduzir a venda de peças falsificadas.
“Às vezes, as pessoas pagam em uma peça do brechó até mais caro do que o primeiro comprador pagou na loja [pela raridade e exclusividade]. Já vendemos peças por 10% do preço original, e outras custando 150%”, diz Mariana Piquini, que enxerga esse mercado em amplo crescimento, com maior interesse das novas gerações.
Hoje, com mais de 1,6 mil clientes e mais de 80 brechós parceiros, a sócia da HUNT enxerga que os clientes do mercado de luxo não estão preocupados com preço, mas sim com a qualidade da peça, pois muitas vezes são peças raras e de edições específicas.
VARIEDADE
Além de roupas, o mercado de segunda mão também abre oportunidades no segmento de brinquedos. Foi o que descobriu a empresária Viviane dos Santos com a Brinquechó, brechó especializado em brinquedos usados que já vendeu mais de 6 mil produtos por ano e fatura R$ 15 mil por mês.
Na visão de Pielluch, do Ibevar, esse crescimento do setor pode ser explicado por uma mudança no comportamento do consumidor, atrelada à consciência ambiental, que faz com que esses consumidores prefiram comprar em brechós para evitar desperdícios. A diversificação e expansão do setor, atendendo diferentes nichos do mercado, acaba atraindo novos consumidores.
Fonte: Diário do Comércio