Embora ainda caminhe de forma lenta, o omnichannel — conceito que possibilita ao consumidor uma experiência fluida e única com a marca independentemente do canal de venda — começa a dar passos mais largos no Brasil. As ações de varejistas deixam de ser pontuais com o ingresso do tema nas estratégias de negócios. Esse movimento é explicado pelo atual cenário do mercado. Empoderado pela tecnologia, o consumidor nunca teve tanto acesso a informações de produtos e das companhias. Do outro lado, as empresas jamais colheram tantos dados de seus clientes como agora. Paralelamente, as fronteiras entre o físico e o digital começam a se juntar rapidamente; a comunicação se torna cada vez mais personalizada, e a exigência do público por um atendimento de alta qualidade cresce em qualquer ponto de contato com a marca. Especialistas apontam que, neste e no próximo ano, o brasileiro se beneficiará, na prática, com soluções omnichannel.
“Nos últimos dois anos, ainda era tudo muito conceitual, mas agora os projetos já estão virando assuntos estratégicos nos boards e nas áreas de TI, por exemplo”, avalia a especialista em varejo e cofundadora da startup Neomode, Fabíola Paes, ao afirmar que existe um atraso em relação a outros países na vanguarda, mas que as varejistas locais já estão se movimentando. A diretora de omnicommerce da Linx, Renata Malagoli Rocha, diz que as empresas vêm testando ações para verificar a aderência da marca com a omnicanalidade. “Como alguns países já têm esse conceito bem difundido, conhecemos o caminho das pedras. Apesar de estarmos atrás, ao longo deste e do próximo ano, teremos uma transformação consistente no varejo brasileiro”, afirma Renata. Na Linx, que é uma companhia de software de gestão e soluções cross-sell para esse segmento, sete projetos omnichannel estão em andamento.
Fabíola conta que o conceito de integração da experiência do consumidor passou a ser divulgado nos mercados norte-americano e europeu em meados de 2011, mas ganhou força a partir de 2014. Segundo a especialista, houve três evoluções de pontos de relacionamento com o cliente antes da chegada ao omnichannel. A primeira onda foi a de canal único, em que os varejistas tinham apenas um local de contato e venda; em seguida veio a de multicanais, com a presença de um segundo ponto, mas com as vendas fragmentadas. A terceira fase foi a cross-channel, cujas marcas estimulavam a migração de um canal para o outro, porém, sem integração. O omni, por sua vez, envolve a junção de todas as interfaces de contato com relacionamento e promoção. “Por trás dele existe a unificação de sistema e um banco de dados único”, diz.
A tecnologia é, de fato, um dos pilares para a viabilização de iniciativas omnichannel. Aspectos como processos, cultura e governança empresarial também são essenciais para que as varejistas ingressem nesse novo momento. Porém, quem está no centro de toda essa transformação é o consumidor. Empoderados pelo acesso à internet e pela popularização dos smarthphones — atualmente são mais de 220 milhões de celulares ativos, de acordo com dados da FGV —, os clientes querem que as marcas os conheçam e os atendam com qualidade independentemente do canal em que se relacionam. Esse público, que usa diferentes plataformas, meios e dispositivos ao longo da jornada de compra, cresce no Brasil.
O estudo “The Shopper Story 2017”, realizado pela empresa de marketing para e-commerce Criteo, traçou um perfil dos hábitos dos consumidores brasileiros e indicou que 79% deles já se enquadram na categoria de omnishopper. Esse número só perde para Estados Unidos e Inglaterra. A pesquisa ouviu dez mil pessoas de seis países, sendo mil delas no Brasil. O levantamento aponta ainda que 64% costumam olhar na loja para depois efetuar a compra no ambiente online. O caminho contrário — buscar na internet e finalizar no ponto físico — já foi realizado por 62% dos ouvidos. “Trata-se da junção das competências: o mundo digital traz a inteligência do analytics e o físico permite o encantamento do consumidor”, comenta Fabiola Paes.
“O cliente está conectado e presente nas redes sociais, mas sente a necessidade do contato que a loja física possibilita. Para ele, é importante ter as duas opções à mão, para que faça a escolha dependendo de sua própria demanda e do seu tempo”, afirma o presidente da C&A no Brasil, Paulo Correa. Segundo o executivo, as pesquisas mostram que a busca por roupas e acessórios é a que mais cresce no comércio online. “Não é raro encontrarmos consumidores que viram as peças em site, app ou redes sociais e vão até loja procurar o mesmo produto para comprar”, comenta.
“É importante desmistificar o consumidor omnichannel. Quando a solução é útil e coloca o cliente no centro da decisão, ela é aceita e utilizada pela população independentemente da idade ou renda”, informa o diretor de marketing da Via Varejo, Othon Vela. O marketing, aliás, é uma das áreas que será transformada pelas mudanças trazidas por esse novo movimento. As estratégias que vinham sendo feitas de forma descentralizada terão de ter uma voz uníssona. “Da mesma forma que o consumidor quer a integração para comprar, ele também espera uma unificação da comunicação. O marketing também passa por um reaprendizado para criar um planejamento estratégico considerando uma jornada única para impactar o consumidor”, diz Fabíola Paes, da Neomode, startup que atua com canais de vendas mobile e assistentes virtuais.
O diretor da Via Varejo, companhia que detém a Casas Bahia e o Pontofrio, conta que há cerca de um ano e meio, quando eles fizeram a fusão entre as operações de e-commerce com as de lojas físicas, a comunicação foi uma das primeiras a ter uma estratégia de integração. “Quando as empresas eram separadas (de e-commerce e lojas físicas) era difícil ter uma unicidade no que era comunicado. Unificamos a área embaixo da mesma gestão, que tem um olhar 360° e garante a mesma comunicação em todos os pontos de contato com o cliente”, informa o diretor.
A companhia vem investindo em soluções atreladas ao conceito de omnichannel. O novo modelo da unidade do Pontofrio, no shopping Vila Olímpia, em São Paulo, é um exemplo de como a empresa pretende unir a experiência do ponto físico à praticidade e outras características do digital. Além disso, o serviço “Reserva Site” permite que o cliente reserve o produto no e-commerce, mas efetue o pagamento e leve o item na loja. Outra iniciativa, o “Retira Rápido” envolve a retirada em unidades das bandeiras e também em armários de autoatendimento localizados em postos de gasolina e agências dos correios. Essa, aliás, é uma modalidade em expansão: um a cada quatro pedidos por minuto comercializado nos e-commerces da Via Varejo é retirado nas lojas físicas, o que totaliza cerca de 200 mil vendas por mês. “Omnichannel é o nosso oxigênio. Entendemos que os clientes não nos enxergam como canal, mas sim como marca”, comenta Othon Vela.
A C&A, por sua vez, trabalha em inciativas que integram o on e o off-line. No e-commerce, que foi lançado há três anos e já é a maior loja da marca no País, o “Clique e Retire”, por exemplo, possibilita que os clientes comprem no site e escolham a unidade de sua preferência para retirar os produtos no mesmo dia ou no seguinte. Cerca de 30% das vendas do comércio eletrônico da C&A são feitas pelo serviço e 25% dos consumidores do site afirmam que não comprariam se não fosse por essa iniciativa, que é oferecida em 23 estados. “A estratégia de marketing da C&A passou a ser digital, mas entendemos que a loja física ainda é o ponto de maior contato dos clientes com a marca. Dessa forma, desenvolvemos várias ações que integram o relacionamento online com o offline. Um dos exemplos mais claros que temos é o ‘Clique e Retire’”, diz Paulo Correa. Dentre os projetos previstos está o que inclui a conversão do canal de compras eletrônico com a experiência em loja por meio de provadores digitais.
Lojas 4.0
As lojas com soluções automatizadas e integradas entre o físico e o online despontam testando tecnologias e buscando feedback dos clientes para ampliar a atuação. Desenvolvida para ter um atendimento mais personalizado, a unidade do Pontofrio do shopping Vila Olímpia comercializa no ponto físico todos os produtos do e-commerce da marca. Uma vitrine digital em tamanho real, com touchscreen, apresenta produtos e permite acesso aos dados técnicos e visualização da parte interna dos itens. O mesmo ocorre numa prateleira digital com os eletroportáteis. Na seção de móveis, o atrativo é a realidade virtual. Com uso de óculos de VR, é possível simular ambientes e objetos, escolhendo cores, tamanhos e formatos.
A equipe de vendedores foi treinada especialmente para este formato de atendimento e auxilia o cliente em toda a sua jornada, reduzindo o processo entre o pagamento e recebimento da compra em cerca de 35%, em média. Vela conta que um dos testes em andamento na unidade refere-se à remuneração do vendedor. “Ela deixa de ser algo simplesmente baseada na venda que está sendo feita para ser embasada pela satisfação do cliente e também na conversão em compra que pode ocorrer, não naquele momento, mas depois no site ou em outra loja do Pontofrio”, afirma.
Nos Estados Unidos, a companhia de Jeff Bezos tornou a loja do futuro uma realidade. No início deste ano foi inaugurada a Amazon Go, um mercado com produtos de conveniência sem atendentes ou caixas. Câmeras e sensores acompanham o que os consumidores retiram ou devolvem às prateleiras. Para comprar, é preciso baixar um aplicativo no celular e cadastrar uma conta vinculada a um cartão de crédito ou débito. Já na China, a rede varejista BingBox também trabalha com unidades totalmente automatizadas por meio de sensores. Instaladas nas ruas, as lojas se parecem com quiosques e podem ser acessadas 24 horas por dia. Um funcionário verifica com o celular todo o estoque da unidade e mapeia os itens. O cliente, por meio da leitura de QR code, abre o local e entra sozinho, escolhe, faz um scanner dos produtos e a cobrança é realizada pelo celular. “Estamos vivendo a era em que o cliente terá cada vez mais conveniência e zero atrito na experiência de compra”, finaliza Fabíola Paes.
OasisLab abre loja para apresentar soluções de startups
O OasisLab, hub de inovação e coworking voltado para o varejo, irá abrir uma loja-conceito de 60 metros quadrados dentro de seu espaço, em São Paulo, para apresentar soluções que trazem tecnologias de startups brasileiras. Com o objetivo de desenvolver varejistas e empreendedores, o local apresentará dez empresas a cada três meses. A iniciativa, que será lançada no início deste semestre, demonstrará as tecnologias criadas por todas as 193 startups que foram identificadas no estudo “Loja 4.0 – Panorama das startups brasileiras que estão transformando o varejo”, realizado no começo do ano pelo OasisLab, em parceria com a StartSe e Liga Ventures.
Essa é a segunda edição do levantamento, que apontou cerca de 40% de crescimento no número de startups mais maduras (scale up) em relação a 2017. Localizadas em todo o País, as empresas trabalham com software e hardware ligados ao conceito de loja 4.0, que integra pontos de venda físicos e digitais. As startups foram divididas em nove eixos, incluindo inteligência artificial, e-commerce, realidades aumentada e virtual, internet das coisas, sustentabilidade, pagamentos, engajamento do consumidor, logística e operação. “Essas macrotendências estarão representadas fisicamente na loja”, afirma a co-fundadora da startup Neomode e do OasisLab, Fabíola Paes.
Inaugurado em agosto de 2017, o OasisLab é um ecossistema de inovação especializado no varejo, que reúne em um espaço de 1.600 metros quadrados coworking, laboratório de soluções e prototipagem, além de realizar cursos e treinamentos. Atualmente, o local trabalha com uma ocupação de 60%, somando 120 empreendedores e 32 startups. “Há uma grande troca de conhecimento e de negócios”, diz Fabiola Paes, cuja empresa é uma das residentes do local.
Fonte: Next Now