Segundo estudo realizado pela Fronte Pesquisa na primeira quinzena de maio, já são 93% dos brasileiros que percebem os produtos mais caros nas prateleiras dos supermercados
Por Talita Nascimento
No ambiente de inflação elevada, a alta dos preços deixou de ser um tema relevante apenas para as famílias com menor rendimento. Os reajustes estão hoje na pauta de todas as camadas da população brasileira e vem provocando mudança de hábitos na hora das compras, desde o dia das compras até o formato de loja. A transformação na maneira de abastecer o lar tem impactado as estratégias comerciais de redes de supermercados, que correm para se adaptar.
Segundo estudo realizado pela Fronte Pesquisa na primeira quinzena de maio, já são 93% dos brasileiros que percebem os produtos mais caros nas prateleiras dos supermercados. Os dados, obtidos com exclusividade pelo Broadcast, mostram que as adaptações ao novo contexto foram feitas por 89% das pessoas e em todas as camadas sociais: 73% das pessoas de classe mais alta mudaram algum costume na hora de encher o carrinho de compras. No recorte de renda média alta, foram 76%; enquanto entre os de classe média baixa, 85% fizeram alguma mudança. Nas classes de renda baixa, foram 90%.
Um dos hábitos que sofreu mudança foi o dia de compra. A pesquisa mostra que 41% das pessoas passaram a concentrar as compras no início do mês para aproveitar o salário. Outras 39% já tinham esse hábito e apenas 20% dizem não fazer isso hoje em dia. As duas primeiras semanas do mês são as preferidas por 62% para fazer as compras de maior volume. Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), esse é um exemplo de mudança que interfere no planejamento dos varejistas do segmento.
“Essa concentração de compras no início de mês afeta, primeiro, operacionalmente o varejo. Isso gera um desafio grande de operar a loja, pois é preciso ter quadros maiores de funcionários em períodos específicos e menores em outros momentos. Comercialmente, há mais desafios de estoque. Há produtos que têm validade menor e é preciso tomar mais cuidado, por exemplo. O planejamento de compra e abastecimento se tornam mais críticos”, afirma. Outro exemplo de adaptação comercial, segundo o especialista, é que algumas redes passam a fazer ações promocionais quando as lojas estão mais vazias e o dinheiro do consumidor está mais escasso.
Ainda assim, a pesquisa indica que, mesmo tentando fazer as compras mais pesadas no começo do mês, os consumidores não têm ido menos ao supermercado. Na comparação com a vida antes da pandemia, passou de 27% para 39% o número de pessoas que têm feito várias compras pequenas durante o mês.
“Nosso entendimento é de que as pessoas concentram a compra no início do mês para aproveitar o salário, mas elas acabam tendo que voltar outras vezes ao mercado para compras pequenas, provavelmente porque alguns itens importantes não couberam naquela compra grande do mês”, avalia Fabio Caldas, sócio da Fronte Pesquisa. Ele comentou ainda que é possível que o aumento do trabalho informal pode ter contribuído para que a renda ficasse mais espalhada ao longo do mês, impedindo parte das pessoas de fazer uma compra abastecedora o bastante para durar o mês todo, ainda que essa fosse a intenção.
Sobre o fato de até mesmo as classes de mais alta renda terem dito ter novos hábitos para lidar com a alta de preços, Caldas diz que, nesse caso, as mudanças costumam ser mais relacionadas ao fato do consumidor não achar justo pagar determinado preço por um produto, do que pela falta de recursos para adquiri-lo.
“O setor está em transformação para entender esses novos hábitos, já que estamos há cerca de 2 anos em inflação de quase dois dígitos e todo mundo tem sentido. Há a inflação de fato e a percepção de inflação. Está se falando muito de inflação na mídia, o que gera a sensação de que o dinheiro escapa pela mão. Assim, as pessoas começam a ter a sensação de que o dinheiro precisa ser usado ou aplicado rapidamente”, diz Terra, da SBVC.
Menos bebidas, carnes e frios
A pesquisa avaliou também as mudanças na cesta de compras do consumidor. Entre os 67% que disseram buscar marcas mais baratas para economizar, por exemplo, 78% trocaram as marcas dos alimentos básicos, como feijão, arroz e açúcar. Outros 74% mudaram marcas de materiais de limpeza e 66%, de itens de higiene pessoal e beleza. A categoria onde o impacto da mudança de marca foi menor é a de produtos infantis, como fraldas, xampu e leite. Apenas 20% passaram a comprar esses produtos de marcas mais baratas.
Já os produtos de supermercado que saíram temporariamente da lista de compras do consumidor, por conta da alta dos preços, foram artigos para o lar (que não fazem mais parte do carrinho de 40% dos pesquisados), bebidas (para 39% dos consumidores), carnes e peixes (para 36%) e frios e laticínios (para 33%).
Além disso, 52% afirmaram que passaram a pesquisar mais os preços em diferentes supermercados. Outros 31% já faziam isso antes e apenas 16% afirmam não ter esse hábito. Já 47% afirmaram ter passado a comprar mais em atacado ou atacarejo para conseguir preços menores, 33% já faziam isso e apenas 21% não faziam e não fazem isso hoje em dia.
“Sem dúvida, o atacarejo vem ganhando força pelo apelo de preço. Todo ano ele vem ganhando participação de mercado”, afirma Terra. Para ele, o formato que mais perde é o de hipermercados, que já vinha caindo em desuso.
Online
Segundo a pesquisa, é possível que o hábito de comparar mais os preços tenha beneficiado as compras online. Hoje, 37% das famílias pesquisadas já disseram ter o costume de fazer compras de supermercado online. Esse porcentual é ainda maior entre as famílias de renda média e alta (51% e 59%, respectivamente).
Entre os que são adeptos da compra online, iFood é o aplicativo utilizado por 69%, seguido dos aplicativos ou sites dos próprios mercados (48%). Caldas acredita que o fato do aplicativo de entrega de refeições já estar presente nos celulares de muitos consumidores e ter alta recorrência de acessos faz com que ele seja uma das primeiras opções quando alguém decide comprar digitalmente. Além disso, o aplicativo oferece cupons de desconto para a compra de itens de supermercado.
Para Terra, isso não significa que os aplicativos próprios das redes de supermercados falharam. Ele diz que o empenho das redes varejistas com suas próprias plataformas de entrega é novo e que o uso está em crescimento.
Metodologia
O levantamento foi realizado pela Fronte Pesquisa, especialista em estudos de potencial de mercado, que diminuem o risco do investidor ao escolher um novo ponto comercial, e em pesquisas de estratégia de mercado. Foram ouvidos 1.005 internautas brasileiros de todas as regiões do País entre os dias 09 e 10 de maio de 2022. A margem de erro é de 3 pontos porcentuais, para mais ou para menos.
Fonte: Broadcast