Desde a segunda metade de 2015, quando a crise econômica se aprofundou no Brasil e o real desvalorizou fortemente, as empresas de moda planejaram as coleções de 2016 com menos itens importados e mais tecidos fabricados nacionalmente. Mas o que seria uma solução para as varejistas e para a indústria local tornou-se um problema. As confecções, que já enfrentavam dificuldades financeiras devido à queda na produção nos últimos anos, se veem sem capital de giro suficiente para produzir e se manter operando até o pagamento das encomendas do varejo.
Agora, as confecções pressionam as varejistas para reduzir os prazos de pagamento pelas coleções ou financiar a compra de matérias-primas, mas as empresas de varejo resistem. A queda de braço pode ficar mais dura para as confecções, dependendo da evolução do câmbio daqui para frente.
“Dependendo do patamar em que o real se equilibrar após o processo de impeachment, se ficar mais apreciado, o varejo pode voltar a importar, tirando a chance das confecções de uma recuperação”, avalia Fernando Pimentel, diretor superintendente da Associação Brasileira da In- dústria Têxtil e de Confecção (Abit). Na semana passada, representantes da Abit se reuniram com a equipe do BNDES para discutir opções de crédito para a indústria de confecções.
“Há uma restrição de crédito fortíssima, que afeta principalmente as pequenas empresas. Essas empresas costumam usar financiamento bancário para comprar as matérias-primas. Sem crédito, elas enfrentam dificuldades para custear o varejo no prazo habitual”, diz Pimentel. As confecções pagam impostos de 20 a 25 dias após entregar as encomendas das redes varejistas, mas só recebem o pagamento 90 dias após o faturamento do pedido.
A entidade também discute com representantes do setor a possibilidade de o varejo adquirir uma parte dos tecidos e aviamentos, como forma de financiar as pequenas confecções. Pimentel observa, no entanto, que um acordo desse tipo só seria possível entre varejistas e confecções com parcerias de longo prazo. “Por outro lado, uma parte das indústrias de confecções com condições financeiras melhores também não querem investir, porque não há certeza se o varejo voltará a optar por importados caso o real se aprecie”, acrescentou Pimentel.
O lado positivo do quadro atual, segundo a Abit, é que as indústrias trabalham hoje com estoques mais ajustados e tendem a apresentar um desempenho de vendas para o varejo no segundo semestre similar ao dos seis últimos meses de 2015. No acumulado de janeiro a maio, de acordo com o IBGE, o setor de vestuário e acessórios apresentou queda de 11,6% na produção. A fabricação de têxteis, por sua vez, teve retração de 13% nos cinco primeiros meses do ano. “A estabilização é uma melhora, mas não haverá recuperação das perdas sofridas na primeira metade do ano”, disse Pimentel.
Marcelo Prado, diretor do Iemi Inteligência de Mercado acrescenta: “Os resultados do segundo semestre do ano passado foram tão ruins que os números deste ano vão parecer melhores no segundo semestre. Mas é ilusório porque a base de comparação é péssima. Então os números vão parecer melhores sem nada ter mudado.”
No primeiro semestre, não houve estabilização nas vendas do mercado interno. Dados da Serasa Experian indicam que o comércio de tecidos, vestuário, calçados e acessórios registrou quedas de 14,5%, 13,3% e 12,3% nos meses de abril, maio e junho, respectivamente. No semestre, a queda no segmento é de 13,9%. O Índice de Visitas a Shopping Cen- ters (IVSC), realizado pela associação do setor (Abrasce) em parceria com a FX Flow Intelligence, indicou uma queda de 4,63% no número de visitantes em shopping centers — uma notícia ruim para as companhias de moda com operação em bolsa, que têm maior concentração de lojas nesses centros comerciais.
O setor apresenta crescimento apenas em exportações. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no primeiro semestre, as exportações aumentaram 9,75%, chegando a US$ 1,01 bilhão. As importações tiveram queda de 36,7% no mesmo intervalo, para US$ 2,03 bilhões. O saldo da balança comercial do setor têxtil e de vestuário apresenta um déficit de US$ 1,02 bilhão no primeiro semestre do ano, montante 57,3% inferior ao déficit apresentado na primeira metade de 2015.
Em relação ao segundo trimestre do ano, a expectativa do setor é que as companhias abertas — Renner, Riachuelo, Marisa e Cia. Hering — apresentem alguma melhora nos resultados, em função do clima mais frio no mês de junho, que estimulou uma melhora na demanda por vestuário no período. Empresas como Marisa e C&A informaram que tiveram melhora em vendas em junho.