SetaDigital desenvolveu um sistema RFID para que cliente entre na loja e compre seus sapatos sem falar com atendentes
SetaDigital é uma empresa de informática, especializada no desenvolvimento de sistemas de gestão. Há pouco mais de uma semana, ela chamou a atenção de seus clientes e da população da cidade de Cascavel ao anunciar uma loja de sapatos. Mas não uma loja qualquer. No lugar de vendedores, tecnologia por todos os cantos, como tablets, totens e sensores de identificação por radiofrequência (do inglês, RFID). O conjunto de equipamentos tem uma razão: o consumidor entra, escolhe o produto, paga e vai embora sem precisar interagir com ninguém.
Chamada de Sapati, a loja é um laboratório onde a SetaDigital testa seu modelo de varejo de sapatos totalmente automatizado. O conceito demorou dois anos para ficar pronto e exigiu investimentos na casa dos R$ 2 milhões. Parte do dinheiro foi para a pesquisa com o RFID – uma tecnologia que utiliza etiquetas com chips de silício, coladas individualmente em cada produto, capazes de interagir com outros aparelhos à distância, via ondas de rádio. Esse sistema possui um potencial muito grande para qualquer setor produtivo, pois permite que varejo e indústria estejam em comunicação constante sobre a situação dos seus estoques. O conceito, vale dizer, não é novo no varejo. No Brasil, lojas da Memove usam um sistema similar.
Uma das vantagens do uso do RFID é acompanhar em tempo real a necessidade de estoque, sem contagem manual. Quando um determinado modelo vende muito, o sistema já identifica a necessidade de mais unidades e comunica a cadeia. Assim, distribuidora, fábrica de sapatos e indústria de insumos são avisadas instantaneamente, agilizando a reposição. Muitos setores da economia já tentaram aplicar essa técnica na cadeia de produção, mas apenas alguns, como o de alimentos e automóveis, conseguiram sucesso. Um dos entraves principais é que toda a cadeia do setor precisa adotar a tecnologia, do produtor de insumos ao varejista.
Segundo Vanderlei Kichel, diretor-executivo e dono da SetaDigital, este problema também empaca a adoção da tecnologia no setor de calçados. Por um lado, indústrias e distribuidoras esperam que a lojas tenham os equipamentos para investir. De outro, as sapatarias querem que as etiqueta venham coladas nos sapatos de fábrica. “Nós tentamos montar um modelo que já permitisse ao dono da loja investir no RFID e ter lucro, mesmo que a fábrica não mande os sapatos com a etiqueta”, diz Kichel.
Para convencer os lojistas, Kichel diz que, adotando a tecnologia e arcando com o custo das etiquetas, as lojas conseguiriam uma redução significativa nos custos operacionais. “Com o nosso modelo, temos um atendimento completo com quase nenhuma interação humana”, explica. A ideia é que o cliente faça todo o processo sozinho. Por isso, os sapatos são divididos por numeração. Ele pode escolher um modelo, prová-lo e depois, se quiser comprar o produto, terá apenas que encostá-lo em um totem de atendimento. O totem reconhece a etiqueta com RFID, entrega para o cliente um cartão com as informações da compra e, em seguida, avisa o estoque qual é o sapato escolhido. “Nesse cartão, o cliente pode adicionar outros calçados e, depois que escolher todos, precisa apenas ir até o caixa, entregar o cartão, pagar a compra e retirar os produtos no pacote”, explica.
Kichel conta que, com um investimento de R$ 50 mil reais, uma loja com faturamento médio de R$ 200 mil e ticket médio de R$ 150, consegue ter toda a tecnologia que existe na Sapati, e ainda é capaz de reaver esse dinheiro em seis meses. “Com esse faturamento e ticket médio, a loja vende 1.333 pares por mês. Para cada par, é preciso uma etiqueta, e elas custam R$ 0,22 cada uma — conseguimos esse preço com uma empresa brasileira que fabrica na China. Isso resulta em um gasto de R$ 293. Uma loja desse porte possui, em média, 12% de custo com funcionários, ou seja, R$ 24 mil. O nosso modelo permite reduzir a equipe pela metade, o que resulta em uma economia de R$ 12 mil. Por isso, o retorno é rápido e lucrativo”, explica.
A SetaDigital vende os equipamentos demonstrados na Sapati e, no preço de R$ 50 mil, inclui o redesenho da loja e o suporte técnico. Outro gasto que o cliente teria são os R$ 600 mensais, referentes à mensalidade do software de gestão que vem instalado nos aparelhos. O programa foi desenvolvido segundo padrões abertos e internacionais de RFID, o que permite a interação com outros softwares que não sejam da SetaDigital.
Apesar do avanço e da redução de custos que a tecnologia promete, ainda há um problema. A indústria calçadista não abraçou a ideia, o que significa que o dono da loja deve colar manualmente uma etiqueta RFID em cada produto e apostar que a tecnologia vingue em algum momento. O empreendedor acredita que, com o aumento no número de lojas usando as etiquetas, o setor industrial terá mais incentivos para produzir os sapatos com RFID. “Nós discutimos a automação logística com o RFID há dez anos. Essa tecnologia é o futuro e não a realidade. Muito por ainda ser uma tecnologia cara. Temos um cálculo que indica ser preciso um adicional de R$ 0,50 por par de sapatos para usar a etiqueta. Em uma empresa que faz cinco milhões de pares, isso dá R$ 2,5 milhões, o que é uma fatia grande do orçamento”, explica Igor Hoelscher, assessor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
Hoelscher ressalta a operação adicional que existe quando o proprietário da loja decide colar as etiquetas uma a uma. “Alguns lojistas fazem isso com o código de barras, mas não é recomendado. A indústria é quem deve enviar as informações codificadas sobre as características do modelo, até porque isso torna o processo mais rápido. Temos na Abicalçados o exemplo de uma empresa que, por fazer essa operação, leva dez dias para distribuir seus produtos. Já imaginou o prejuízo de ficar dez dias sem expor os sapatos?”, diz. Segundo Kichel, a empresa está trabalhando para resolver o problema. “Tenho conversado também com as indústrias para saber se elas podem trabalhar com RFID. Duas já nos disseram que estão prontas para isso: a Via Marte e a Bibi Calçados”, afirma.