Redação – Dentro de uma galeria de lojas em um prédio no nordeste de Jacarta, na Indonésia, dezenas de vendedores se revezam para apresentar cosméticos, lentes de contato e acessórios para cabelo. Uma mulher ajuda uma cliente em potencial a escolher o tom certo de batom para seu tom de pele, enquanto um homem grita sobre a última promoção de comprimidos de vitaminas.
Não se trata de uma feira barulhenta.
É um marketplace transmitido ao vivo dentro do TikTok e uma corrida do ouro para empreendedores que buscam fortuna no aplicativo de vídeos curtos mais popular do mundo. Para a empresa, mais conhecida por desafios de dança virais e de propriedade da chinesa ByteDance, o TikTok Shop é seu recurso de crescimento mais rápido, com uma base de fãs crescente no Sudeste Asiático.
Seu sucesso na região é crucial para o TikTok, pois a empresa enfrenta uma possível proibição nos Estados Unidos por questões alegadas de segurança nacional. O recurso do live shopping também fornece à empresa um modelo para enfrentar a Amazon (AMZN) de uma forma que nenhuma empresa de mídia social tentou antes, desde que tenha permissão para continuar a operar nos EUA.
A Indonésia foi o primeiro mercado do TikTok Shop e ainda é o maior, graças a uma população jovem e familiarizada com dispositivos móveis que adotou a combinação de vídeos curtos e compras no aplicativo desde seu lançamento em 2021. Espera-se que o TikTok Shop atinja US$ 20 bilhões em valor bruto de mercadorias transacionadas (GMV) até o fim deste ano, quadruplicando o valor do ano anterior.
Se conseguir manter esse ritmo, dizem os analistas, o recurso poderá renovar uma empresa cuja principal plataforma de vídeo já atrai consumidores e anunciantes para longe da Meta (META) e do Google, da Alphabet (GOOGL).
Hank Wang, que gerencia um elenco de cerca de 50 apresentadores de lives na movimentada galeria, acredita que a plataforma tem o poder de transformar o setor de varejo e transformar empreendedores como ele nos próximos barões do comércio eletrônico.
“Quero me tornar o próximo Forrest Li”, disse o ex-investidor de risco de 33 anos, referindo-se ao fundador chinês da Sea, maior empresa de internet do Sudeste Asiático.
Wang orienta sua equipe a vender de cosméticos a bens de consumo, como da L’Oreal, ganhando uma comissão e dividindo os lucros com os anfitriões da live. Ele se mudou de Xangai para Jacarta há sete meses e abriu sua empresa, a Flame Media, apesar de não falar o idioma local. “O TikTok e o comércio social darão origem à próxima geração de unicórnios de tecnologia na região”, disse.
Em junho, o CEO da TikTok, Shou Zi Chew, visitou Jacarta e prometeu investir bilhões de dólares no Sudeste Asiático nos próximos três a cinco anos. Vestindo roupas tradicionais indonésias, cumprimentou um importante ministro do país e visitou lojas familiares locais que tinham contas do TikTok.
Contraste com Washington
Esse foi um contraste marcante com sua experiência no início deste ano em Washington, onde ele passou por uma audiência hostil de cinco horas no Congresso americano. Os políticos o interrogaram sobre a influência da China no negócio, bem como sobre o impacto dos vídeos na saúde mental das crianças, e a empresa enfrenta uma possível proibição antes das eleições presidenciais de 2024.
O início do TikTok Shop na Indonésia, a maior economia do Sudeste Asiático, ocorreu no momento em que a ByteDance buscava expandir-se para fora da China, onde enfrenta desafios regulatórios e econômicos. Em seus primórdios, o projeto de comércio eletrônico global recebeu o codinome “Magellan XYZ”, em homenagem a Fernão de Magalhães, explorador do século XVI que deu a volta no globo enquanto buscava uma rota para as Ilhas das Especiarias, parte do que hoje é a Indonésia.
Inicialmente, a empresa o apresentou como um recurso underground para consumidores mais jovens e antenados da Indonésia. Por meio de agentes, ela reuniu centenas de streamers, alguns recém-formados no ensino médio. Os apresentadores gravavam a si mesmos com seus próprios telefones celulares para vender itens como produtos da Tupperware e protetor solar. Lançado durante a pandemia, o recurso foi um sucesso imediato.
Desde então, as operações ficaram mais sofisticadas, pois agências como a Flame Media, de Wang, conectam marcas com apresentadores de lives e montam estúdios.
Algumas empresas recebem um gerente de contas do TikTok que oferece orientações sobre conteúdo e promoções, enquanto outras recebem artistas treinados, ou influenciadores, para ajudar as marcas a atingir a parte do público composta por millennials e Geração Z.
Autenticidade conta
No entanto os vídeos mantiveram um toque amador e improvisado em comparação com lives cuidadosamente encenadas no Instagram, e isso é considerado um grande motivo de sua popularidade: os compradores sentem uma conexão mais próxima e autêntica com o vendedor.
Suanto, que atende pelo nome de Kohcun on-line, é um dos mais proeminentes influenciadores indonésios no TikTok Shop, com seu estilo improvisado e casual atraindo mais de um milhão de seguidores. O homem de 36 anos era conhecido anteriormente por suas análises de gadgets no YouTube, mas agora ele faz lives no TikTok Shop durante seis horas por dia, vendendo de telefones Samsung a bolsas Louis Vuitton.
O dinheiro que ele ganha com comissões e acordos com marcas é cerca de três vezes mais do que o que ele ganhava no YouTube, disse ele.
“O TikTok tem a grande vantagem de usar seus criadores porque é mais divertido, mais natural”, disse David Nugroho, CEO da DCT Agency, de Jacarta, que gerencia 600 personalidades do TikTok e é um dos maiores parceiros do TikTok Shop no país.
Atualmente, o TikTok afirma ter mais de 100 milhões de usuários mensais na Indonésia, que, em média, passam mais de 100 minutos no aplicativo todos os dias.
Contraparte na China
Essa viralidade é um dos motivos principais pelos quais a ByteDance se tornou a startup mais valiosa do mundo – valendo mais de US$ 200 bilhões – em uma única década, desestabilizando redes sociais e empresas de internet mais estabelecidas, como a Meta e a Tencent, esta também chinesa.
Os sites de redes sociais dos Estados Unidos tentaram lançar serviços semelhantes, mas os usuários nunca aderiram ao live shopping da mesma forma que as pessoas na China e no Sudeste Asiático.
O Instagram, de propriedade da Meta, deixou de permitir que os usuários colocassem tags de produtos durante as lives desde março. O YouTube e a Amazon também flertaram com a oferta de live shopping, mas sem muito sucesso.
Na Indonésia, o TikTok Shop entrou em um mercado em que os consumidores já estavam acostumados a navegar em catálogos on-line, passando horas em seus smartphones para fazer compras e se distrair. Os pioneiros do comércio eletrônico local, a Tokopedia, do GoTo Group, e a Lazada, do Alibaba (BABA), competindo por usuários, gastaram bilhões de dólares para ajudar a estabelecer redes de entrega em todo o país. O TikTok entrou em cena e tirou proveito do ambiente.
O TikTok também se beneficiou da experiência adquirida com seu aplicativo irmão Douyin, a plataforma de vídeo da ByteDance exclusiva para a China, que se tornou um marketplace de US$ 200 bilhões após expandir sua gama de serviços para incluir delivery de comida e reserva de hotéis.
A China está anos à frente do resto do mundo em termos de live shopping devido aos lockdowns durante a pandemia, que forçaram as pessoas a passar o tempo em seus telefones e plataformas como Douyin e Taobao, do Alibaba.
Uma parte importante dessa expertise são os algoritmos. Tanto no Douyin quanto no TikTok, eles ajudam a exibir o vídeo certo para os usuários para mantê-los na tela e descobrir que tipo de produtos eles estão mais propensos a comprar.
Os principais executivos do TikTok Shop são da China. Bob Kang, executivo sênior da ByteDance que viaja frequentemente entre Xangai, Cingapura e os EUA, supervisiona milhares de funcionários das operações de comércio eletrônico do Douyin e do TikTok. Yu Weiqi, ex-assistente do bilionário cofundador da empresa, Zhang Yiming, dirige as operações da TikTok Shop no Sudeste Asiático.
Embora muitos dos empreendedores que trabalham com o TikTok Shop sejam indonésios, como Nugroho, da DCT, e Daniel Tjandra, fundador da Pasar Kreatif Digital, com fortes redes de influenciadores locais e empresas, alguns são da China, trazendo consigo capital local e experiência prévia com live shopping.
Richard Ma, um especialista em marketing de 31 anos de Pequim, é um vendedor do TikTok Shop que treina uma pequena equipe streamers da Indonésia para comercializar produtos como air fryers e fones de ouvido. Recentemente, sua empresa passou a comprar produtos do site de atacado 1688.com, do Alibaba, e enviá-los para um depósito perto de Jacarta. Muitos desses produtos são best-sellers no crescente mercado de comércio eletrônico do Douyin.
“Podemos replicar o modelo da China e adaptá-lo a diferentes mercados”, disse ele, embora reconheça que sua operação ainda está no vermelho devido ao alto investimento inicial e os preços baixos. Com a escala crescente do site, disse Ma, ele está convencido de que logo terá lucro.
O crucial mercado americano
Embora o sucesso do TikTok na Indonésia ajude a proteger a empresa do impacto de uma possível proibição nos EUA, ainda há incertezas.
Mesmo com o poder de compra cada vez mais alto da classe média da Indonésia, muitos de seus usuários ganham muito menos do que os consumidores dos EUA. Os clientes do TikTok na Indonésia gastam cerca de US$ 6 a US$ 7 em média, de acordo com a empresa de pesquisa Cube Asia. É por isso que, apesar de enfrentar vários projetos de lei no Congresso que poderiam proibir o aplicativo, os EUA ainda continuam sendo tão importantes para os negócios de comércio eletrônico do TikTok.
Em novembro, o TikTok lançou um recurso de compras no aplicativo nos EUA, lançando mini lojas vinculadas aos perfis de influenciadores e criadores. Esse recurso foi aberto de forma mais ampla para as marcas americanas no início deste ano.
[O próximo plano da empresa é lançar um marketplace mais parecido com um site de compras tradicional nos próximos meses. Em vez de se deparar com lojas individuais por meio de seus feeds, os consumidores poderão pesquisar, comparar e comprar produtos, tudo em um só lugar.
Em reuniões recentes com os gerentes de vendas da ByteDance, fabricantes e exportadores chineses receberam ofertas de listagens gratuitas, frete e comissões zeradas para vender no mercado americano. A empresa está montando seus próprios armazéns e operações de atendimento nos EUA e está ativamente propondo a ideia às marcas, disseram duas pessoas familiarizadas com o assunto.
É uma estratégia que diferencia a empresa das plataformas sociais sediadas nos EUA, como Instagram e YouTube, que evitaram manejar produtos físicos mesmo quando tentaram expandir para o comércio eletrônico. Isso também coloca o TikTok em concorrência direta com a Amazon em seu quintal.
Em um movimento que também está mais relacionado com comércio eletrônico do que mídia social, a TikTok está contratando ex-funcionários de marcas de moda e estilo de vida para supervisionar categorias de varejo como moda, casa e beleza. Os cargos devem ser fundamentais para contratar vendedores e instruí-los sobre o tipo certo de vídeo e como trabalhar bem com criadores.
Se o TikTok conseguir tornar todo o processo de live shopping fluído para usuários, marcas e criadores nos EUA, “esse será o ponto de inflexão”, disse Ryan Detert, CEO da empresa de marketing Influential. “E, de repente, grandes quantias de dinheiro que estavam sendo destinadas à mídia paga e ao conteúdo em vídeo também irão para as lives”.
Jianggan Li, fundador e CEO da empresa de consultoria Momentum Works, de Cingapura, disse que a expansão do comércio eletrônico do TikTok no mercado americano não se trata apenas de capturar consumidores com maior poder aquisitivo, mas também de obter “enormes vantagens no poder de negociação para sua cadeia de suprimentos e sistemas de processamento”.
Não será fácil, embora o TikTok já seja usado por 150 milhões de pessoas nos Estados Unidos e tenha se tornado um impulsionador de vendas extremamente influente para tudo, desde livros a filmes, no país. Competir no mercado de varejo dos EUA significaria enfrentar outras empresas chinesas, como a Shein e a Temu, além da Amazon.
Dependência do marketing é sustentável?
Mesmo no Sudeste Asiático, há preocupações sobre a possibilidade de a empresa continuar crescendo depois de reduzir seu marketing agressivo e os subsídios para influenciadores.
No Vietnã, por exemplo, a TikTok gasta milhares de dólares por mês em vales-presente para influenciadores, de acordo com executivos locais. Os vales-presente geralmente são distribuídos aos fãs durante eventos de live shopping para aumentar as vendas. Essa estratégia fez com que algumas marcas questionassem a capacidade do TikTok de sustentar seu crescimento quando parar de gastar dinheiro.
A Samsung, por sua vez, reduziu seus gastos com o TikTok Shop no Sudeste Asiático depois de perceber que os usuários que colocavam produtos em seus carrinhos nem sempre seguiam para o checkout, de acordo com outra pessoa com conhecimento do assunto. A Samsung não quis comentar.
E, embora o governo da Indonésia tenha dado apoio até o momento, há temores de que ele possa eventualmente intensificar sua supervisão regulatória do TikTok Shop.
Recentemente, o governo emitiu uma censura sobre a “mendicância on-line” no TikTok, ou seja, vídeos que mostram mulheres pedindo presentes virtuais. Algumas pessoas também estão começando a questionar o impacto social das compras por impulso que, segundo elas, é incentivado pelo aplicativo, sintetizadas pela popular hashtag #Tiktokmademebuyit (“o TikTok me fez comprar isso”, em tradução livre).
As relações entre a maioria muçulmana da Indonésia e a minoria mais rica de chineses étnicos também continuam sendo uma questão delicada.
O governo do Vietnã disse que analisará se o TikTok representa uma ameaça à sua juventude e cultura, enquanto a Índia o proibiu em 2020 por questões de segurança nacional.
Contudo, por enquanto, empresários como Wang veem apenas crescimento para o TikTok Shop. Como sua empresa se aproxima de US$ 1 milhão em vendas mensais de mercadorias, ele planeja se mudar em breve para um prédio de escritórios recém-reformado em Menteng, um bairro de luxo na capital indonésia. Ele também planeja contratar 500 streamers até o final deste ano. Depois disso, disse ele, poderá passar para outros mercados em crescimento.
“A primeira coisa é nos tornarmos o número 1 na Indonésia”, disse ele. “Depois, podemos tentar outra região, outro continente. Um passo de cada vez”.
Fonte: Bloomberg Linea