Agenda global de sustentabilidade leva consumidor a exigir que lojas forneçam dados sobre a origem do que vendem e firmem compromissos com saúde do planeta
Por Beatriz Pacheco
Uma década atrás, o destino do que se consumia era tema para rodas de ativistas ambientais. À época, descartar excedentes da produção era uma solução economicamente viável e mais interessante para as empresas do que as liquidações. De lá para cá, uma nova geração de consumidores entrou no mercado e, com ela, a pressão por uma nova agenda. Em 2019, a gestora de ativos americana BlackRock identificou a maior transferência geracional de riqueza da história, com US$ 24 trilhões migrando para os bolsos dos millennials, nascidos entre 1981 e 1995, cujos investimentos pesam indicadores ambientais, sociais e de governança (da sigla em inglês ESG). Agora, a geração Z (1996-2010) soma sua voz ao movimento, com nomes de peso como a jovem sueca Greta Thunberg, fortalecendo a revolução de uma economia verde nos negócios.
O estudo anual da consultoria Accenture para o Pacto Global da ONU, conduzido com mais de 1,2 mil CEOs de grandes organizações, reflete essa mudança de ares no mercado. Nos últimos cinco anos, investidores saíram da oitava para a terceira posição entre os agentes que mais cobram o desenvolvimento da cadeia sustentável — atrás apenas de consumidores e colaboradores, que há anos se mantêm nos primeiro e segundo lugar, respectivamente. Tendo ainda em vista o salto de 12 pontos porcentuais do engajamento da população (85%) nesses temas nos últimos dois anos, é quase impossível integrar a cadeia de comércio hoje sem uma agenda ESG bem definida.
As varejistas brasileiras estão em uma posição delicada. Além da queda geral no mercado financeiro, que derrubou em mais de 60% os papéis das gigantes Magazine Luiza, Via e Americanas no acumulado do ano, as companhias do setor estão mais expostas à pressão para avanço da agenda ESG. “Somos cada vez mais questionados sobre a origem dos nossos produtos”, disse Mauro Mariz, diretor de sustentabilidade da Riachuelo. Segunda indústria mais poluidora do mundo, responsável por 8% das emissões de gás carbônico e por gerar 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano no País, segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil, a moda acabou no centro dessas discussões e agora corre para provar sua capacidade de compensar esse impacto.
Neste fim de ano, Riachuelo e Renner inauguraram lojas sustentáveis, com matriz energética renovável e estrutura ecológica, linhas de produtos verdes certificados e plataformas para circularidade. Os projetos servem de modelo às redes e devem ganhar escala no próximo ano. No grupo gaúcho, a remuneração dos executivos ainda está atrelada às metas ESG do plano de negócio. Para a diretora de operações da Renner, Fabiana Taccola, embora 2020 tenha sido desafiador, a rede não pode recuar nesse trabalho. “Temos compromissos públicos com a sustentabilidade”, disse. A companhia é a líder do varejo no Índice Dow Jones de Sustentabilidade, que mede as práticas em empresas de capital aberto.
PRÓXIMA FRONTEIRA Silvio Barboza, diretor de consumo e varejo da Accenture no Brasil, afirma que todas as grandes varejistas já estabeleceram metas para neutralizar as emissões de carbono, mas a próxima fronteira é fechar o ciclo, promovendo a circularidade. Trata-se de um desafio complexo e de alto custo, mas recompensador. A estimativa do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável é de que esses negócios possam gerar US$ 17 bilhões no País até 2030. As iniciativas para extensão da vida dos produtos abre uma frente no mercado de usados, que atrai um novo nicho e fideliza os clientes à rede. Fabiana, da Renner, diz que hoje a empresa dá aos consumidores “a opção de descarte, doação e até venda das peças”.
Essa nova economia verde ganha também espaço nos carrinhos de compras. No Mercado Livre, o aumento de buscas no segmento neste ano foi de 81% em relação a 2019. Entre os sucessos da categoria, garrafas, cápsulas e filtros de café reutilizáveis lideram a preferência de consumidores e refutam a ideia de que o produto sustentável é sempre mais caro. Mariz, da Riachuelo, menciona o desenvolvimento industrial de um jeans — um dos tecidos mais poluentes da indústria fashion — com 40% menos água (3 litros/peça) e economia de 65% de energia. A sustentabilidade se tornou estratégia indissociável do modelo de negócios do setor.
Fonte: IstoÉ Dinheiro