Oferecer produtos de terceiros virou a solução para que gigantes do e-commerce, como B2W (Submarinos e Americanas), abandonem os prejuízos acumulados por anos nas vendas online
O casal Tie Lima e Ana Luiza McLaren fundou, em 2012, o site Enjoei. Ele permite a criação de lojinhas virtuais para que qualquer pessoa, enjoada de suas roupas, calçados e gadgets, os venda pela internet. O site não faz outra coisa além de aproximar compradores de vendedores. Por essa mediação, embolsa 20% de cada negócio. O Enjoei atingiu mais de 2 milhões de consumidores, sendo 90% deles mulheres. Sua estratégia de divulgação é baseada em uma curadoria, com uma equipe que dá destaque a peças selecionadas. Distribui também convites para que celebridades vendam suas tranqueiras ali. No ano passado, a cantora Anitta despachou 240 itens em menos de três horas. As expectativas ao redor do Enjoei são altíssimas. Os fundos Monashees e Bessemer Venture Partners investiram mais de R$ 45 milhões no negócio. Por enquanto, ele opera no vermelho, já que todos os ganhos são reinvestidos. “A gente vai começar a dar lucro em 2017”, diz Lima. A predição parece boa. Cinco anos entre o nascedouro e o lucro é um tempo bastante curto para os padrões do comércio eletrônico.
Essa perspectiva soa plausível apenas porque o Enjoei está estruturado a partir de um modelo de negócios peculiar. Ele é chamado de marketplace. Trata-se de sites onde pequenos e médios comerciantes vendem seus produtos. Qual produto? Qualquer um. Esse tipo de espaço é exatamente isso: um mercadão, um empório virtual. Seus donos cobram uma comissão para intermediar as vendas. E é só. No Brasil, os marketplaces deverão movimentar R$ 115 bilhões em 2018, registrando um aumento de 130% no período de cinco anos, segundo relatório da consultoria Mintel. Eles, aliás, vivem uma situação rara no e-commerce nacional. Em geral, são lucrativos.
O maior exemplo de marketplace na América Latina é o Mercado Livre. Ao revender produtos de terceiros, a plataforma virtual, fundada pelo argentino Marcos Galperin em 1999, dá lucro há 37 trimestres seguidos. E nada indica que isso mudará. “O ano passado foi o melhor da nossa história”, diz Helisson Lemos, presidente da empresa. Nos primeiros nove meses de 2015, o último dado disponível, o site lucrou US$ 87,2 milhões. O Brasil é responsável por pouco mais da metade desse valor.
Distante do lucro
Não é essa a situação da maioria das lojas online no Brasil. A maior empresa de e-commerce nacional, a B2W, dona do Submarino e da Americanas.com, apresentou um rombo de R$ 205,5 milhões nos nove primeiros meses de 2015, o pior de sua história. Algo similar deu-se com a Cnova, sua maior rival. Nascida da fusão entre a francesa CDiscount, do Casino, e a brasileira Nova Pontocom, do Grupo Pão de Açúcar, ela registrou perda de US$ 107 milhões no mesmo período.
O problema não está restrito aos grandalhões do setor online. Lojas médias, focadas em mercados específicos, sofrem do mesmo mal. São perseguidas pelos números negativos. A Netshoes, especializada em acessórios esportivos, teve R$ 97 milhões de prejuízo em 2014, o dado mais recente. Sua concorrente, a Dafiti faturou R$ 592 milhões, mas, ainda assim, nada de lucro. O entrave é que, ao contrário dos marketplaces, todos esses sites vendem produtos próprios e têm custos enormes. Por exemplo: sustentam grandes centros de distribuição, metem-se em disputas canibais por preço, investem um dinheirão em novas soluções tecnológicas e bancam o frete de toda sorte de produtos enviados para a clientela.
Mas elas têm um plano
A boa notícia para o setor é que as lojas online têm planos para sair do buraco. Aliás, elas têm o mesmo plano. E não é difícil adivinhar qual o modelo que querem adotar – o marketplace, claro. A tarefa, contudo, não é tão simples. A B2W que o diga. Sua primeira investida na área ocorreu em novembro de 2013, quando inaugurou o marketplace do Submarino. Seis meses depois, foi a vez da Americanas.com. Mas a empresa concluiu que os serviços só avançariam se fossem turbinados.
Em fevereiro de 2014, a B2W criou uma nova divisão, a B Seller, a partir de duas startups compradas meses antes, a Uniconsult e a Kanlo. Tudo para oferecer uma plataforma de venda a lojistas de todos os tamanhos. Para aumentar a atratividade do produto, inaugurou três centros de desenvolvimento de softwares, dois no Rio de Janeiro e um em São Paulo, chamados LAB, onde mais de 600 técnicos passam o dia codificando algoritmos. Ao mesmo tempo, comprou outras startups que pudessem acrescentar novas ferramentas ao B Seller. Foi o caso do Sieve, um sistema de monitoramento de preços em tempo real, o Tarkena, um otimizador de busca, e o Shopgram, aplicativo que facilita vendas pelo Instagram e pelo WhatsApp.
Em 2014, para arrumar dinheiro em meio à crise que despontava, a B2W, primeiro, atraiu o fundo Tiger Global, tradicional investidor do comércio eletrônico no Brasil. Em janeiro daquele ano, ele comprou 7,2% da empresa e injetou R$ 1,2 bilhão na operação. A participação não durou um ano e meio. A Tiger abandonou a B2W no primeiro semestre de 2015. Não restou alternativa a não ser vender duas unidades de negócios secundárias para levantar o caixa. Em maio, a CVC adquiriu o Submarino Viagens por R$ 80 milhões. Quatro meses depois, a Fandango Media arrematou o Ingresso.com por R$ 280 milhões.
Ainda assim, a B2W conseguiu alguns resultados com a investida. No fim de 2014, 1,5% das vendas da companhia foram feitas pelo marketplace. Um ano depois, o número subiu para 10%. Entre 2014 e 2015, o total de itens disponíveis de terceiros cresceu mais de dez vezes, atingindo mais de 500 mil produtos de 2 mil fornecedores. Analistas consultados por NEGÓCIOS estimam que a lucratividade da B2W está a caminho. Ela chegará quando as vendas pelo marketplace empatarem com o site convencional.
O negócio da B2W, no entanto, nem sempre patinou. Por quatro anos, ela reinou no mercado online. E com lucro. Em 2010, os ganhos com o Submarino e a Americanas.com foram de R$ 33,6 milhões. A partir do ano seguinte, com a chegada da Nova Pontocom ao mercado, ambas se engalfinharam em uma disputa por preços, cuja canibalização do segmento foi sua principal consequência. Elas ofereciam descontos, fretes gratuitos e parcelamentos a perder de vista aos consumidores. A estratégia sacrificou a rentabilidade. “Chegou um momento em que os investidores cansaram de colocar dinheiro a fundo perdido”, diz Maurício Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). Há dois anos, começou um ajuste operacional – o site cortou custos, demitiu, diminuiu os gastos em campanhas na TV e reduziu vantagens, como o frete gratuito e o crédito ilimitado. Ainda assim, o lucro nunca voltou. Já era tarde.
No quintal do Mercado Livre
A Cnova adotou uma rota diferente para buscar o nirvana do marketplace. Desde abril de 2013, permite que lojistas vendam seus produtos pelo Extra.com. Em 2015, replicou o modelo no Ponto Frio e na Casas Bahia. A parte mais controversa da estratégia, porém, foi se aliar ao “inimigo”. Desde novembro, a Cnova tenta vender uma seleção de produtos, como geladeiras e máquinas de lavar roupa, dentro do Mercado Livre. A vantagem de ser mais uma entre milhares de lojas no maior empório online da América Latina é atingir um público de 26,1 milhões de brasileiros, segundo estimativa da consultoria comScore. Já o perigo é, ao vender por ali, fortalecer o rival, com comissões sobre comissões. Ainda assim, o ousado plano parece estar funcionando. No terceiro trimestre de 2015, quase 13% das vendas da Cnova no Brasil vieram do marketplace, mais do que os 10,2% da B2W.
Há, contudo, um problema de adaptação, tanto para a Cnova quanto para a B2W, a esse mundo dos sites que reúnem produtos de diversos vendedores. Ambas nasceram varejistas e, ao criar um shopping virtual para terceiros, terão de escolher o que priorizar. Outra dificuldade da transição é contar com um bom exemplo para seguir. Quando precisam de inspiração, todos os sites de e-commerce que buscam a metamorfose para mercadões olham para a Amazon. Nessa transformação, porém, a empresa de Jeff Bezos não é o melhor parâmetro.
Quem ajuda a Amazon a fechar no azul é a divisão de computação em nuvem, a Amazon Web Services, e não a venda de produtos. Um endereço melhor para reproduzir é o JD.com, o site chinês que conseguiu a mudança de loja online para marketplace em cinco anos. Em 2013, as vendas diretas superavam em quatro vezes os negócios do marketplace. Dois anos depois, ambos estão muito próximos. As diretas faturaram US$ 61,3 bilhões, e o shopping virtual US$ 49,7 bilhões no terceiro trimestre de 2015. Tudo indica que, este ano, o jogo vai virar.
O desafio de uma guinada para o modelo de marketplace se aprofunda porque a competição virá de todos os lados. No ar desde o começo de 2014, o shopping virtual do Walmart Brasil tem mais de mil fornecedores. Sites médios também têm seus shoppings virtuais. É o caso de Dafiti e Netshoes. Ambas estrearam seus serviços quase simultaneamente, no começo de 2016, e têm foco especial nos setores onde atuam: roupas, acessórios de moda e sapatos. Nos próximos anos, a Netshoes usará sua estrutura para lançar outras lojas que vendam produtos de alta rotatividade e com margens gordas, diz o diretor financeiro do grupo, Leonardo Dib. Cada nova loja terá seu próprio serviço para fornecedores venderem seus produtos.
Há ainda exceções, de lojas online que vendem produtos próprios – não são, portanto, marketplaces –, mas vão bem. Mas elas fazem muito mais do que simplesmente vender. Um exemplo é o site de vinhos Wine. Fundada em 2008, a loja só alcançou o lucro quando lançou o Clube W, um serviço que seleciona e envia garrafas da bebida todo mês à casa dos clientes. Em quatro anos, já são mais de 130 mil consumidores, que pagam uma mensalidade entre R$ 66 e R$ 372 pela comodidade. E quem assina o clube, gasta mais no site – o que garante maior receita. Desde 2013, a Wine faz parte do exclusivo clube das lojas online lucrativas. Mas, como se vê, vai muito além da simples venda de vinhos pela web.