Por Luana Dandara e Daniela Braun | Pouco mais de um ano após a Volkswagen gerar polêmica ao recriar digitalmente a cantora Elis Regina em uma campanha publicitária com o uso de inteligência artificial (IA), o impacto dessa tecnologia no marketing ainda provoca reações mistas.
Segundo o relatório Media Reactions 2024, da Kantar, 62% dos consumidores e 68% dos profissionais de marketing têm uma visão positiva da IA generativa. Na América Latina, os números são ainda mais expressivos, com 68% dos brasileiros e 87% dos profissionais da região apoiando a ferramenta. Mas, quando o foco se volta para a publicidade gerada por IA, o entusiasmo diminui.
Globalmente, 41% dos consumidores expressam desconforto com os anúncios que usam IA, percentual que chega a 31% no Brasil. Na mesma pesquisa, 71% dos profissionais de marketing, e 66% na América Latina, se mostram mais à vontade com o uso da ferramenta.
Na campanha da Volks, criada pela AlmapBBDO, a equipe de marketing buscou “um toque emocional e humano, focado nas pessoas”, diz o vice-presidente de vendas e marketing da Volkswagen, Roger Corassa.
Mas as críticas, apontando falta de ética, foram de tal ordem que um processo chegou a ser aberto no Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (Conar). Acabou sendo arquivado pois não se comprovou que alguma regra tivesse sido quebrada. A campanha teve 2,7 bilhões de visualizações e 98% de comentários positivos, informa a montadora. Assista aqui.
Para Ana Paula Kuroki, chefe de estratégia da Africa Creative, as pessoas estão, agora, mais receptivas à IA, mas a convivência com a tecnologia também aumenta o senso crítico em relação a seu uso.
“As pessoas estão mais abertas à IA, mas não dá para aplicá-la em tudo. Elas já conseguem identificar quando uma imagem é gerada por IA, e isso pode acabar parecendo artificial demais”, pontua. Kuroki ressalta o valor da tecnologia quando usada de forma equilibrada. “Utilizar a IA como uma coadjuvante criativa, que expande nossa visão e complementa o trabalho? Com certeza.”
A fintech Nomad, em um anúncio em junho deste ano, fez questão de deixar claro o uso de IA. No comercial, o ator Will Smith “fala” português, espanhol, francês e japonês, com ajuda da tecnologia, aplicada na criação da voz com o timbre do ator, na sincronia labial e em filtros faciais para alinhar as expressões à voz. Logo no início, Smith diz: “A Nomad utilizou tecnologia para me fazer falar português.” Assista aqui.
A campanha gerou um aumento de 540% no tráfego do site da Nomad nos primeiros dias da campanha, e superou 25 milhões de visualizações no YouTube e 18 milhões no Instagram.
“Os feedbacks foram majoritariamente positivos. Alguns usuários chegaram a questionar por qual motivo usamos esse tipo de tecnologia. Contudo, antecipando essa preocupação, lançamos uma segunda versão da campanha com os dubladores originais do Will Smith, que teve ótima repercussão. Com isso, trouxemos mais brasilidade para a campanha principal e conseguimos atender a uma demanda impulsionando o engajamento”, explica a diretora de marketing da Nomad, Thais Souza Nicolau. Ela destaca, ainda, a importância do uso responsável e transparente da IA.
Em agosto, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) passou a divulgar seus boletins diários sobre o mercado financeiro, em suas redes sociais, com avatares gerados por IA. Baseados em vozes e imagens de funcionários, os avatares apresentam roteiros com informações sobre a B3 e dados do mercado, gerados pela versão corporativa do ChatGPT. Após aprovação da equipe, os avatares fazem a apresentação de forma automatizada.
O projeto foi desenvolvido em parceria com a startup BeNext e também aplica o Gemini, IA do Google. Assista aqui.
Como o consumidor reagiu? O superintendente de comunicação da B3, Alexandre Nobeschi, afirma que o engajamento se manteve após a implementação, assim como as visualizações. No YouTube, a taxa de retenção, ou seja, percentual dos usuários que assistiram aos vídeos até o fim, subiu de 56% para 67%. O maior interesse, contudo, veio de empresas que procuraram a B3 para entender e replicar a tecnologia.
“A economia de tempo na produção é de cerca de sete horas por dia. Recebemos algumas reações de surpresa com o uso da tecnologia. Apesar de tentarmos aproximar o conteúdo ao máximo da realidade, deixamos claro que se trata de IA nos vídeos”, explica Nobesco. “Vemos a IA como uma ferramenta de apoio, não um substituto. Com isso, nossa equipe conseguiu focar em outras prioridades de produção”.
A Vivo, marca da Telefônica, aplica IA em diversas campanhas, como em um filme divulgado na Olimpíada de Paris, que somou 1 milhão de visualizações em 24 horas. Assista aqui.
A diretora de marca e comunicação da Vivo, Marina Daineze, diz que os resultados em campanhas com IA têm sido positivos. “Esta tecnologia não só melhora a experiência do usuário, como também intensifica o engajamento com a marca, ajudando a criar campanhas tecnologicamente avançadas e emocionalmente envolventes.”
Para Denise Porto Hruby, executiva-chefe do Internet Advertising Bureau (IAB Brasil), entidade que reúne empresas que operam na publicidade digital, o mercado ainda está nos primeiros estágios de compreensão do uso de inteligência artificial na publicidade. “Estamos engatinhando nessas movimentações para entender o que pode ou não ser feito. Ainda não há uma orientação clara, e é preciso cautela. O mercado precisa de tempo para se regular”, sinaliza.
Em junho, o IAB criou um comitê para discutir o tema, com a participação de empresas como Google e Microsoft. “Até o fim do ano, planejamos lançar um guia de boas práticas para o uso de IA na publicidade”, indica Hruby. Um dos pontos em aberto é se anúncio gerado com IA deve trazer de forma explícita a informação do uso da tecnologia.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fechou questão sobre o assunto em fevereiro deste ano, mirando as eleições para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, cujo primeiro turno foi realizado neste domingo (6).
“A inteligência artificial só poderá ser usada na propaganda eleitoral, em qualquer modalidade, com um aviso explícito de que o conteúdo foi gerado por meio de IA”, diz a resolução 23.610/2019, que em fevereiro deste ano foi emendada sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes, tendo a ministra Carmen Lúcia como vice-presidente. O comando do TSE agora está com Carmen Lúcia.
Fonte: Valor Econômico