Por Marcelo Sakate | Há dois anos, a Unilever reorganizou globalmente a sua estrutura e dividiu suas marcas de bens de consumo em cinco grandes unidades de negócios (business unit). Os objetivos: uma especialização maior das operações e de suas respectivas estratégias e maior agilidade.
Uma das divisões é a de Nutrição, que, no Brasil, reúne as marcas Hellmann’s, Knorr, Maizena, Mãe Terra e Arisco (as demais unidades de negócios são as de beleza e bem estar, de cuidados pessoais, de cuidados com a casa e a de sorvetes).
Essa divisão, que conta com marcas centenárias que enfrentam o desafio de renovar o apelo junto a gerações mais jovens, tem crescido 15% ao ano em média desde 2021 (na métrica da taxa de crescimento anual composto, o CAGR). É uma expansão que ganhou tração após a reorganização, como em 2023.
Esse ritmo de crescimento, equivalente a um avanço da ordem de mais de 50% em três anos, ganhou destaque nos resultados globais recém-divulgados do quarto trimestre pela gigante anglo-holandesa de bens de consumo. O destaque tem sido justamente a principal marca do portfólio de Nutrição, a maionese Hellmann’s, que dobrou de tamanho no Brasil no mesmo período de três anos.
“Hellmann’s é uma marca icônica, mas que enfrentava o desafio de atingir um público mais jovem, de vinte a trinta e altos anos, em que tínhamos uma penetração menor. Queremos estar mais próximos desse público”, disse Rodrigo Visentini, líder da divisão de Nutrição da Unilever Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea. É uma alusão aos consumidores da Geração Z e aos millennials mais jovens.
Segundo o executivo, tem sido um crescimento que se deu tanto por meio de aumento do mercado como de ganho de participação (market share).
A marca lançada em 1913 tem sido a que mais cresce no mundo na divisão de alimentos, alavancada por mercados como o brasileiro e o americano, segundo o executivo. Nos números recém-divulgados de 2023, a operação na América Latina foi apontada como destaque em volume para a expansão global em dois dígitos.
São medidas alinhadas também ao Plano de Ação para o Crescimento (Growth Action Plan) anunciado pelo CEO global, Heini Schumacher, em outubro passado, com foco em performance, simplificação, profundidade e entendimento do consumidor.
A estratégia da Hellmann’s, por sua vez, passou por uma parceria com a NBA acertada há pouco mais de um ano e com festivais de música como o The Town e o Primavera Sounds. A marca também será uma das patrocinadoras da turnê de 30 anos de carreira de Ivete Sangalo e acertou acordos com influenciadores em plataformas como o TikTok.
“Buscamos muita associação com a cultura pop para levar a marca para todas as classes e todas as idades”, disse o executivo.
No caso da NBA, que tem como como head para o Brasil quase um homônimo, Rodrigo Vicentini, a parceria se deu no seu primeiro ano de maneira mais produtiva do que inicialmente imaginado, disse Visentini. “Havíamos sido colegas na Unilever e ele me chamou para conhecer a NBA House [instalação temporária montada em São Paulo para o período das finais da temporada].”
“Eu conhecia a NBA e sabia que tem algo lifestyle, tem o sneaker, a camisa, a música… um consumo de diferentes classes sociais. A partir do insight, nosso time foi a campo pesquisar e vimos que tinha a ver com Hellmann’s. Posso dizer que os resultados foram melhores do que nós imaginávamos. Chegamos a um público mais jovem que consome snacks e produtos como a maionese saborizada e premium”, contou em referência a produtos como a linha Supreme.
Outra frente da estratégia tem sido desenvolver o que se convencionou chamar na indústria de alimentos de ocasiões de consumo.
“Hellmann’s, por exemplo, é muito usado na culinária, para o preparo de refeições. Mas vimos que no pós-pandemia aumentou o consumo em sanduíches. Estimular esse uso é uma maneira de fazer crescer o mercado e de ganhar participação nele”, disse o executivo.
“E aí a parceria com a NBA é um exemplo de ajuda para o crescimento, porque é uma ocasião de consumo para snack. Você está assistindo a uma partida e come um snack”, apontou. De olho nessa oportunidade, a empresa lançou sabores especiais, como o de churrasco.
Os novos sabores, que são considerados premium e são vendidos em embalagens na forma de squeeze, representam uma fonte de crescimento para a marca, segundo Visentini. Por outro lado, potes tradicionais de 500 gramas com o sabor tradicional ainda correspondem à maior parte do volume.
Toda essa estratégia é desenvolvida e executada com uso de muitos dados, explicou o executivo.
“Nós temos uma área de data hub em que cruzamos informações tanto do sellout, ou seja, do giro de produtos no varejo, como de consumidores. E daí acompanhamos as vendas para saber se estão reagindo a determinadas campanhas. Quando se confirma, colocamos escala”, disse o executivo.
Segundo ele, com os dados em mãos, é possível saber em questão de semanas se um novo produto colocado para testes será um sucesso, algo que, anteriormente, levava meses. Foi o caso da maionese em squeeze, entre outros.
Além da distribuição por meio de canais tradicionais como supermercados, “atacarejo” e lojas de vizinhança, ela também ocorre por meio de um canal próprio, a hamburgueria Hellmann’s, no modelo dark kitchen – ou seja, apenas para delivery. Foi lançada há pouco mais de um ano, no fim de 2022, e está disponível em apps de entregas como iFood e Rappi. “Conseguimos testar alguns molhos e temos informações em tempo real.”
“O nosso core não é a venda direta, mas é importante estar próximo do consumidor”, disse.
A base tem sido de cerca de mil atendimentos por mês. Consumidores de determinados sanduíches recebem uma maionese específica, como a verde, a de sabor churrasco ou a de cebola caramelizada, e junto vem um QR Code para que possam dar o seu feedback sobre o molho. Novas opções virão neste ano, segundo o executivo. “Estamos sempre em busca de melhorias nos sabores.”
Há também um painel com cerca de 2.000 consumidores com os quais determinadas novidades são testadas – nesse caso uma prática de longa data de empresas de bens de consumo de modo geral. Na parceria com a NBA, por exemplo, a compra de produtos da Hellmann’s dá direito a certos produtos – e a empresa testou com esses consumidores quais tinham maior preferência.
Cada ação é levada a mercado na forma de pilotos, em lojas, áreas ou cidades específicas. “A beleza do mundo de dados é que você consegue segmentar da maneira que deseja”. Algo que fizemos neste três anos em que dobramos o tamanho da marca foi segmentar com mais profundidade, disse.
Desafio em marcas saudáveis
A mesma estratégia se aplica a outras marcas. No caso de Mãe Terra, a empresa passou a investir em campanhas e ações para estimular o consumo de granola com leites vegetais e açaí, por exemplo.
“Nosso foco é se tornar a empresa líder do mercado em snacks saudáveis e especificamente em granola”, disse Visentini. As ações incluem de parcerias com influencers como Manu Gavassi como produtos voltados para crianças, de olho em hábitos de comportamento da família.
Há também parcerias – collab – com a Vida Veg, de iogurtes, para que a granola acompanhe os produtos, e com a Nude, de leites vegetais.
Maizena, que completa 150 anos em 2024, por sua vez, teve desempenho puxado por eventos como festas juninas, em particular no Nordeste, em que o uso para o preparo de bolos é muito comum.
“Lançamos também um projeto no interior de São Paulo para uso de maizena para dar mais crocância aos pratos, como batatas fritas”, disse Visentini. Segundo ele, esse é um exemplo de ocasião de consumo na culinária desenvolvido pela empresa.
Neste ano, como parte da estratégia, a Unilever vai vender produtos da marca com uma pegada vintage voltada para a cultura pop no TikTok, de olho no público mais jovem.
Outra das marcas da Unilever no Brasil é a Knorr, que, no mundo, é uma das quatro que geram mais de 100 milhões de euros de venda – e é também centenária, dado a sua origem que remonta a 1838. No ano passado, dentro da tendência de aumento da chamada “saudabilidade”, a empresa lançou uma versão inédita sem sal do caldo, uma preocupação recorrente de consumidores.
A marca também tem sido alavancada por meio de parcerias com fabricantes de molho de tomate – com a Cêpera – a arroz e feijão, para ir além do tradicional caldo ou tempero para cozinhar. Nesse modelo, tais empresas produzem e distribuem tais alimentos e pagam à Unilever o direito de licenciamento. “No fim, a marca Knorr acaba ficando mais presente para o consumidor e é associada a outros pratos.”
Neste ano, uma das estratégias da Unilever passa por ações combinadas de Hellmann’s com Knorr, como realizar sorteios para quem comprar produtos das duas marcas.
“Os novos sabores de Hellmann’s foram lançados em um momento em que a Unilever passou a ter mais foco, o que se traduziu em simplificar o portfólio para o que realmente importa para o consumidor.
“Nos últimos três anos, diminuímos em um terço o portfólio de alimentos”, contou o executivo. “E isso não impediu, pelo contrário, que a área de alimentos crescesse 15% ao ano no período.”
Segundo ele, os novos sabores de maionese se enquadram como inovações que são valorizadas pelos consumidores, em vez do amplo número de opções de outros produtos que, no fim do dia, serviam como distrações.
Foram eliminados desde sabores até tamanhos específicos de embalagem que acabavam não gerando nem crescimento nem rentabilidade para a empresa – e que, segundo Visentini, tampouco geravam valor para o consumidor. Uma consequência dessa decisão foi a redução do desperdício.
Esse é justamente outro dos foco do ano: reduzir o desperdício de alimentos de modo amplo, tanto na cadeia produtiva da Unilever como na ponta da distribuição. Um exemplo é uma parceria com o Instituto Baccarelli, de Heliópolis, em São Paulo, e empresas de hortifruti para preparar refeições com alimentos em condições de consumo que seriam descartados pela proximidade da validade ou pequenos amassados. Por tabela, a Unilever atende a um dos atributos mais valorizados pelas novas gerações, o propósito.
Fonte: Bloomberg Linea