Por Angela Klinke | O look do show de Anitta no intervalo do primeiro jogo da NFL, liga de futebol americano, em São Paulo, já estava definido. Mas quando chegou às mãos da cantora peças da The Saint, a cantora logo as incorporou ao guarda-roupa, no pré e pós-show.
A estratégia de enviar peças para celebridades está na origem da marca de “streetwear”, inspirada em roupas esportivas e do hip hop. Os irmãos Kleber e Henrique Fortes fundaram a grife em 2015. Foi assim que Neymar e o DJ Alok tornaram-se fãs.
Em 2022, o grupo Oáz, fundado por Traudi Guida, criadora da Le Lis Blanc, e seu filho Bento Guida, se tornaram sócios majoritários da The Saint e a estratégia se intensificou. E o oposto também. Isso significa que artistas agora pedem peças exclusivas para suas apresentações. Foi o caso de MC Cabelinho que cantou Rock in Rio com figurino da marca.
“Muitas empresas usam essa estratégia de marketing porque não podemos pagar Anitta ou Neymar, mas no caso da The Saint há uma verdade nisso, uma conexão dessas pessoas com a proposta disruptiva da marca que veio da periferia, e com a comunidade que muita gente quer fazer parte”, diz Bento Guida, CEO do grupo Oáz.
O executivo observa que The Saint foi “um cavalo de pau no nosso portfólio das marcas femininas Souq e Ida por ser o universo do streetwear” e permitiu a configuração do grupo Oáz.
Uma aquisição com o apoio de Guida por defender que cada marca deve ter seu público definido. “Não acredito em marca que tem um pé em cada canoa. E The Saint tem sua cultura muito bem definida. Traz nova visão e complementariedade para o grupo.”
As marcas do grupo – The Saint, Souq e Ida – têm equipes próprias de estilo, marketing e comunicação, mas atuam em sinergia, diz Bento. O grupo trabalha com influenciadores e peças publicitárias criadas “in house” para as redes digitais. “E ações no ponto de venda. Todo mês temos uma ativação em cada uma das lojas. A diferença é na The Saint ninguém quer ir embora e o evento vira balada.”
Com as três grifes, o grupo Oáz deve alcançar este ano um faturamento de R$ 200 milhões, crescendo 37% em relação ao ano passado. A expansão no atacado da Souq tem ajudado. A marca está em 170 lojas multimarcas – nesse canal, as vendas cresceram neste ano, até agosto, 78%, em relação a igual período de 2023, e representam hoje 9% das vendas do grupo. Com perspectiva de chegar a 20% até 2026. “Trabalhamos o atacado por encomenda, não por pronta entrega e isso diminui muito o risco da operação”, diz Bento.
A Souq deve fechar o ano com 28 lojas e The Saint e IDA com quatro cada uma. Para 2025, o plano é abrir dez lojas, sendo quatro Souq três The Saint e três IDA. A expectativa é um faturamento de R$ 300 milhões em 2025. O e-commerce representa hoje 15% das vendas.
“A gente sabe que há uma limitação de tamanho para as marcas premium de moda no país, que chegam num topo e começam a sofrer. Isso ainda está longe de acontecer com a gente, mas vimos que era preciso construir marcas novas para poder expandir no longo prazo. E a gente sabe quanto tempo demora para desenvolver uma nova marca”, diz o CEO.
Em 2007, Traudi vendeu o controle da Le Lis Blanc, varejista de prêt-a-porter feminina fundada por ela em 1988, ao grupo Restoque (atual Veste), da gestora Artesia. Poderia ter ficado na sombra e água fresca, mas cinco anos depois criou a Souq, loja de objetos de decoração vindos da China. “Era uma lojinha no shopping JK, em São Paulo, sem nenhuma pretensão e que não oferecia nenhum perigo ao Restoque”, diz ela, rindo.
Com a chegada do filho Bento, vindo do mercado financeiro, foi criada a IDA, em 2019. A The Saint entrou para o grupo em 2022. A marca, de São Bernardo do Campo, estava abalada pela crise no varejo provocada pela pandemia. Foi feito um reposicionamento, e aberta a primeira loja da The Saint na rua Oscar Freire, o corredor de moda premium e de luxo de São Paulo.
Quando a Souq começou, a ideia era ter objetos importados com “com boa relação custo/benefício, alto valor percebido e ótima margem”. Mas, com o tempo, a ideia de mercado em que se “reúne de coruja de resina colorida a vaso de prata” não configurava uma marca. O vestuário, então, foi ganhando espaço. “Desde o início tínhamos kaftans que era um grande sucesso de vendas. Eram 17 modelos que representavam 10% das vendas na época”, diz Traudi. Hoje a moda Souq “90% feita no Brasil”, responde por 75% do faturamento da marca. “Nos reduzimos a parte de objetos de forma que eles conversem com a moda”, diz o CEO.
Os Guida investiram em lojas maiores, com mais espaço para exposição das roupas e provadores. Assim, foram fechadas unidades “que não estavam maduras” e outras foram ampliadas. O fechamento de lojas ocorreu após uma forte expansão em 2019, quando a Souq pulou de 19 para 30 lojas, sendo 10 delas abertas só no segundo semestre daquele ano. Hoje a Souq tem 25 lojas.
Com a pandemia de covid-19, as lojas mais recentes “sofreram, até porque com o aumento do IGPM o custo de loja subiu 100% no período. Então, resolvemos fechar sete unidades e focamos nas de melhor resultado”.
Assim, nove lojas pularam de 130 m² para 200 m², além da abertura da primeira loja de rua, que ocupa um casarão dos anos 20 nos Jardins, em São Paulo. “Assim, mesmo com menos lojas, crescemos nossa área de venda em 25%.” As lojas de Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba aumentaram seu faturamento em 100% com o modelo “Big Souq”, diz Bento.
Abrir a loja-conceito na rua, diz Traudi, reduz a dependência de shopping. Há uma outra unidade de rua em Moema, e mais duas em negociação. Mas, pondera Bento, “a maioria de nossas unidades está em shoppings, que trazem um fluxo constante de público.”
A Souq foi se desenhando como uma marca de “lifestyle” que Traudi e Bento definem como “uma manhã ensolarada de domingo, quando se pensa na mesa bonita para o almoço da família e roupas confortáveis e arrumadas para curtir o dia”. De forma geral, atende a mulheres a partir dos 40 anos.
A marca Ida foi desenvolvida com “preocupação de gerar menos impacto na cadeia produtiva e assim, atender um outro público, alinhado com estes valores.” Antes da IDA, os Guida não prestavam atenção em certificação de matéria-prima, por exemplo.
“Moda é comportamento. Na época da Le Lis era tudo mais engessado, a gente tinha de seguir as tendências lá de fora. Precisamos fazer roupas de qualidade para durar, porque a indústria da moda é uma das maiores poluidoras do planeta”, diz Traudi. Luxo hoje, aos 77 anos, é tirar 30 dias de férias e chegar ao trabalho às 11h, depois de décadas sem saber o que era o fim de semana.
Fonte: Valor Econômico