Por Adriana Mattos | Há uma preocupação crescente no mercado sobre como as diferentes visões na linha de frente da fabricante e varejista de moda Azzas 2154 podem afetar o processo de fusão entre a Arezzo&Co e o Grupo Soma.
O Valor apurou que já ficaram mais claras, no dia a dia das reuniões entre os sócios, as diferenças de estilo e de cultura de gestão entre Alexandre Birman, diretor presidente da Azzas 2154, e Roberto Jatahy, fundador do Grupo Soma e diretor da unidade de vestuário feminino do grupo. Esses aspectos já eram ponto de atenção do mercado desde o anúncio do acordo, em fevereiro, e continuam a ser vistos com lupa, segundo relatórios de analistas de bancos.
O acordo foi aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão antitruste, em março. Pelo acertado, a Arezzo incorporou o Soma, e os acionistas controladores têm 33,7% da nova empresa (Birman com 11,3%, o maior acionista individual, e Jatahy com 4,4%).
Além da questão cultural, fontes de dentro da companhia e ex-executivos acreditam que Birman e Jatahy precisam abrir mão de seus domínios dentro do grupo e alinhar as prioridades para o crescimento, num contexto de personalidades distintas, e foi nesse processo que as discordâncias cresceram.
“Eles ainda estão na fase de lidar com as conversas difíceis e de ter que ceder de cada lado, só que num acordo desse tamanho, isso não está fácil”, resume um interlocutor próximo aos dois sócios. Toda sexta-feira, às 11h, os dois têm o compromisso de uma reunião apenas entre eles.
Nos últimos dias, Birman e Jatahy, cientes de que o mercado vem se ocupando das discordâncias, decidiram se encontrar com acionistas e bancos para passar a mensagem de que há uma unidade entre eles e que o processo de fusão tem avançado de forma produtiva.
Na semana passada, a convite de XP e Bank of America (Bofa), eles conversaram com cerca de 30 investidores, entre Rio e São Paulo, que estão comprados nos papéis. Apesar do esforço, fontes que estiveram com ambos nos últimos dias mantêm a cautela e ainda não estão completamente convencidas.
“Eles disseram que não precisam ser amigos para que o negócio dê certo. E estão certos. Roberto até deu o exemplo de que ele e Marcello (Marcello Bastos, sócio-fundador da Farm) não frequentam um a casa do outro, mas foi uma parceria que deu certo. Divergências são até muito comuns nessa etapa do processo. A questão hoje é se esses desentendimentos podem afetar o acordo e o negócio”, diz uma fonte a par dessas reuniões.
Em entrevista ao Valor, Jatahy diz que discordâncias são normais nessa fase da integração, e “não uma, nem duas, nem três, e deveriam mesmo existir”. “Se você não tiver, você não precisa de um sócio”, diz. “Existem decisões que são delicadas, muitas vezes, irreversíveis. Muitas vezes as conversas ficam um pouco mais acaloradas. Ele [Birman] não quer aumentar a margem, eu quero aumentar, ele quer aumentar a ‘top-line’ [receita], eu não quero. Mas a relação está ótima”.
“Deixa eu adicionar umas coisas aqui. Tivemos a terceira reunião de conselho, para uma fusão que aconteceu em 1º de agosto, e foi extremamente produtiva, com pauta circulando com antecedência e discussões profundas. Então, entendo que avançamos muito nessa troca, eu ando aprendendo muito com vestuário. O conselho está impressionado com a granularidade que temos de olhar centro de custos”, diz Birman ao Valor.
No âmbito do conselho de administração, que tem Birman e Jatahy como membros, o Valor apurou que ainda precisam ser definidas, por exemplo, questões de alocação de caixa no curto prazo, os projetos que são prioridade para investimento e a política de dividendos de 2025.
Pessoas a par do tema dizem que, na percepção de Jatahy, o foco inicial seria, majoritariamente, reinvestir o caixa, para acelerar a capacidade de expansão, enquanto Birman, apesar de defender aceleração do negócio, acredita que cabe uma distribuição maior de dividendos. Mas os dois concordam que não é hora de aquisições.
Segundo duas fontes ouvidas, hoje Jatahy tem uma posição de seus ativos, como ações da rede, mais líquida no curto prazo do que Birman.
“Não tivemos nenhum papo sobre isso ainda”, diz Jatahy sobre a questão dos dividendos. “Mas por experiência, te digo, isso nunca vai por unanimidade, porque todo mundo tem uma visão aqui, são muitas visões, por isso é um tema que cabe ao conselho”.
Outra questão que precisará de concordância tem a ver com a decisão dos dois grupos de acionistas de reduzir o portfólio de marcas. Isso começou a ser tratado dentro do projeto de integração, dois meses atrás, mas, inicialmente, houve alguma resistência de ambos os sócios em já definir quais marcas seriam descontinuadas.
“Há algumas marcas que não justifica manter, considerando o baixo potencial, e acho que o mercado encara bem isso, mas não seriam só três ou quatro”, afirma uma segunda fonte a par do plano.
Já foi apresentado em julho, para a Birman e Jatahy, pela equipe inicial de integração, a necessidade de redução no número de marcas, atualmente em 33 (considerando as variações de Hering), para algo em torno de 20, mas até duas semanas atrás, não havia uma decisão em relação a esse corte. Semana que vem, deve haver uma reunião para selar que marcas saem e quais ficam.
Fontes de mercado ouvidas pela reportagem apostam que estariam sob risco as marcas Alme, Troc e Baw, que vieram da Arezzo, e Dzarm, Hering Kids e Off Premium, do portfólio do Grupo Soma.
Para um ex-executivo da Arezzo, em linhas gerais, não há discordâncias intransponíveis em relação aos grandes temas da integração, só que as personalidades diferentes de Birman e Jatahy têm ficado mais evidentes nesse processo.
Enquanto Birman é mais enérgico e centralizador, Jatahy tem perfil agregador e dá mais autonomia aos gestores das marcas. E pelo organograma de funções já anunciado, as duas unidades mais relevantes do negócio, geridas por Jatahy e Ruy Kameyama — levado pelo fundador do Soma, membro do conselho e diretor da unidade de moda masculina, além de ex-presidente da BR Malls —, terão que dialogar diretamente com Birman, com mais conhecimento em calçados. A nomeação de Kameyama contou com o apoio de Birman.
Sobre isso, Birman diz que a troca com Marcello Bastos e Kátia Barros, fundadores da Farm, tem sido rica, e a ideia é que ninguém fique fechado nas unidades de negócios. Ele citou exemplos de aceleração dos planos de produção de calçados da Farm e de remodelação da Hering, já dentro de um entendimento das áreas.
O Valor apurou que, no momento, a relação entre a gestão da Hering e Birman tem avançado bem. “Ali isso foi alívio para o Roberto que Alexandre tenha entrado e já mexido em algumas coisas”, diz um gestor.
O acordo de acionistas entre os sócios tem duração de dez anos. Acionistas falam da possibilidade de saída de Jatahy da diretoria e da permanência dele no conselho de administração, passada a fase mais complexa de integração, caso o ambiente de discordâncias se mantenha. A questão já teria sido debatida no círculo mais próximo de Jatahy.
Sobre o assunto, Jatahy nega que isso esteja em discussão, pois seria uma decisão ruim para a companhia. “Meu dinheiro, o de minha família e sócios estão aqui, tenho muito a contribuir”, diz ele, que não se vê de forma alguma fora da operação, assim como Birman.
Nesse ambiente, mudanças importantes já aconteceram após o anúncio do acordo, segundo apurou o Valor.
A área de integração da Azzas não está mais sendo liderada por Paulo Kruglensky, ex-CEO da VivaraCotação de Vivara, trazido por Birman para ser “chief integration officer” (diretor de integração). Além dele, também deixou o grupo o diretor financeiro do Soma, Gabriel Lobo, hoje na Vitru Educação.
A Azzas não chegou a informar ao mercado sobre a saída dos executivos. Kruglensky deixou a empresa no começo de agosto, menos de quatro meses depois de sua chegada, e após Birman propor a ele que mudasse de função e ficasse responsável pela gestão imobiliária da nova empresa.
O plano de integração, então, passaria a ser coordenado por uma equipe interna da Azzas e pela Bain&Company, empresa que já fez outros trabalhos para Birman. O ex-CEO da Vivara não aceitou esse desenho. “Acreditamos que Paulo fez o trabalho que precisava ser feito e a fase seguinte caberia mais ao perfil da Bain”, diz Birman.
Uma pessoa a par das mudanças diz que Kruglensky — de perfil conciliador e o gestor que tornou a Vivara uma referência entre as ações do setor — teria discordado da ideia de Birman fazer uma reunião com investidores em agosto para tratar de sinergias. Isso porque certas informações ainda não estariam completamente maduras.
A reunião foi feita após aumento das dúvidas dos investidores sobre os reais ganhos na integração, e depois da queda do valor da ação da empresa nos últimos meses. Mas Birman defendia a ideia do encontro e não voltou atrás.
Após o contato, analistas publicaram relatórios ressaltando os ganhos da tese da fusão, mas alguns entenderam que os dados apresentados foram limitados. Neste ano, a ação da Azzas já perdeu 35% de seu valor, a mesma desvalorização acumulada desde fevereiro, mês do anúncio da fusão. O Ibovespa, principal índice da bolsa, recuou 2%.
Ao mesmo tempo que essa mudança se desenhava, já estava acertado que, em dezembro de 2024, os fundadores da Reserva Rony Meisler, Fernando Sigal, Jayme Nigri Moszkowicz e José Alberto da Silva deixariam a companhia que fundaram. Isso havia sido determinado em contrato entre os acionistas da Arezzo e a Reserva, adquirida em 2020.
Com a saída deles, Ruy Kameyama, que tem forte conhecimento de mercado imobiliário, passaria a liderar a operação da AR&Co, divisão que abriga a Reserva e outras marcas a ela ligadas. Esse anúncio foi feito no fim de agosto.
Contudo, era esperada uma negociação que levasse à permanência especialmente de Meisler, executivo que é a alma da Reserva. O Valor apurou que houve conversas com Meisler numa tentativa de permanência dele na empresa, após dezembro, no formato de um plano de retenção por meio de opção de ações, mas não houve acordo.
“Não foi exatamente uma proposta matadora, na visão do Rony, o que deu a entender que queriam que ele saísse. Mas não era só grana. Rony queria ser mais ouvido, mas na estrutura que estão montando, isso não ia dar”, diz uma fonte.
O forte interesse do mercado por entender a saída de Meisler foi considerado um atravancador por Birman e Jatahy, pois, por cerca de um mês, o tema teria monopolizado até conversas internas no grupo, além de desviar atenção do mercado.
Procurados, Meisler e Kruglensky não se manifestaram.
Fonte: Valor Econômico