Estabelecimentos comerciais de todo o país têm enfrentado grandes dificuldades desde os decretos municipais e estaduais que instituíram a quarentena por conta do novo coronavírus. A queda de faturamento já atinge 89% dos pequenos e médios negócios, de acordo com levantamento do Sebrae.
Sem uma perspectiva definitiva de normalização, as franqueadoras precisaram se mobilizar internamente para encontrar soluções que possam ajudar as redes como um todo. Muitas são paliativas, mas algumas já ditam como poderá ser o futuro de cada um dos negócios.
Como a situação não tem precedentes históricos recentes, a própria atuação dos comitês de crise também está sujeita a mudanças. PEGN conversou com quatro franqueadores, de segmentos e portes distintos, para entender como tem sido a rotina desses comitês e o que vem sendo feito para ajudar os franqueados. Em comum, todos frisam a necessidade de ouvir e acalmar os empreendedores, e também a imprevisibilidade – principal característica desta crise. O que é feito nesse mês pode não servir mais no próximo.
“Todo mundo está sendo bombardeado com informações desencontradas”
Na Megamatte, o comitê de crise foi formado ainda antes do fechamento das lojas. Compõem o grupo o presidente Júlio Monteiro, lideranças de diversas áreas da franqueadora, como marketing, recursos humanos e financeiro, e também alguns franqueados eleitos como representantes pelos demais. Desde o início, eles se reúnem diariamente às 7h para deliberar sobre o que será feito no dia.
Nessas quase duas semanas, o comitê elaborou uma carta para redução de aluguéis – que serviu de inspiração para outras redes – e reduziu o valor dos royalties em 50% durante dois meses para que os franqueados conseguissem arcar com despesas no período. Com essa medida, Monteiro diz que a rede conseguiu conter as demissões.
Todos os dias, o comitê realiza uma live nas redes sociais da marca para conversar com os franqueados, tirar dúvidas e, principalmente, ouvi-los. Nessas quase duas semanas de quarentena, Monteiro já precisou rever a atuação do comitê em um quesito: consolidação das informações. “Todo mundo está sendo bombardeado o dia todo com informações desencontradas. Temos tentado mantê-los informados, protegidos de fake news, e buscado soluções juntos. Deixamos de enviar diversos boletins avulsos para estruturar tudo em uma única comunicação diária, com as principais notícias sobre o panorama do vírus e dos negócios”, explica.
Apesar da diminuição no ritmo, a rede de alimentação não parou de vender. Eles conseguiram manter 25% dos restaurantes com operação por delivery e intensificaram a atuação em plataformas digitais que já vêm sendo utilizadas há quase um ano, mas precisaram ter seu uso acelerado agora.
“Um comitê de crise com meia informação já tem que tomar decisões”
Jae Ho Lee, fundador da Morana, do Grupo Ornatus, montou um comitê multidisciplinar assim que a crise se instaurou. Ele chamou pessoas de áreas como RH, comunicação, tecnologia, operações e marketing. “Em um comitê de crise todo dia tem informação nova. Às vezes, com meia informação já temos que tomar decisões, não dá para esperar”, diz.
Eles também convidaram franqueados representantes de cada região para participar. “Nós sempre falamos que somos empresários como eles e estamos no mesmo barco. É preciso preservar o relacionamento. Senão é aquela coisa: pedir tudo para o governo, para o shopping, para a franqueadora. Todos temos um inimigo em comum.”
Na Morana, o entendimento é de que não é hora de vender os produtos da marca: o cliente não está com cabeça para isso. O comitê tem se concentrado em ajudar os franqueados a organizar o fluxo de caixa neste momento. “Temos gente dedicada a atender cada franqueado individualmente e prorrogamos todos os pagamentos. Todo o dinheiro está no bolso deles: mercadoria e royalties. Nós fizemos acordo para pagar só a partir de maio, em parcelas. O objetivo é preservar a rede forte para quando sairmos dessa.”
Lee revela que a rede tem uma plataforma desenvolvida com revendedoras virtuais, mas considera que “ainda não é o momento” para colocá-la no mercado. “Ainda não pensamos em como operacionalizar isso. Enquanto o pânico estiver aí, as pessoas não vão focar em lazer e supérfluo. Não vale essa energia.”
“Eu tenho que pensar na saúde emocional deles”
A Sóbrancelhas foi fortemente atingida pelo fechamento das lojas, uma vez que o serviço depende exclusivamente do contato direto com o consumidor. A fundadora Luzia Costa precisou montar um time com pessoas de marketing, consultoria, financeiro e um representante dos franqueados para traçar caminhos.
A empresa iniciou um e-commerce emergencial para a venda de produtos de marca própria, mas Luzia sabe que não será essa plataforma que trará os resultados da rede no momento. “Lançar da noite para o dia não faz com que as pessoas comecem a comprar. Precisamos nos capacitar aos poucos. Vai dar certo, eu sei que vai, mas vai levar meses”, diz.
Com grande concorrência nas mídias digitais e, por essa razão, poluição de informações, o comitê chegou à conclusão que seria mais eficaz recorrer a um método tradicional de contato com os consumidores: o telefone. “Estamos voltando a fazer ligações diárias para ver se a cliente está precisando de alguma coisa, se precisa de alguma ajuda, se tem sugestões.” O objetivo é se aproximar do cliente para que ele não procure outros serviços neste momento ou na retomada. “Todo mundo vai brigar por preço quando as lojas abrirem. Precisamos ter um vínculo para o cliente preferir a gente”, diz Luzia.
A empreendedora suspendeu o fundo de propaganda por três meses, bem como todas as campanhas previstas para dia das mães. Os royalties são analisados mês a mês. Ela também aumentou o time de consultores de campo e tem buscado informações e ajuda com psicólogos para dar suporte aos franqueados. “Eu tenho de pensar na saúde emocional deles, ouvi-los. Eles estão muito preocupados por não conseguir trabalhar. Estamos tendo prejuízo absurdo.”
“Falência é o pior momento na vida do empresário”
Sidney Kalaes, presidente do Grupo Kalaes, precisou desenhar um plano de ação que contemplasse as quatro marcas do grupo: Brasil Canadá, Instituto Ana Hickmann, Maislaser e Odonto Special. Para isso, ele criou as comissões financeira, com membros da equipe de finanças da franqueadora; comercial, com o time que ajuda a pensar em estratégias para continuar vendendo; e jurídica, para dar suporte às leis que vêm sendo aprovadas para a sobrevivência dos negócios.
As primeiras medidas adotadas pelo comitê de crise, formado pelas três frentes, foi isentar os royalties de todas as marcas nos meses de abril e maio e ajudar a renegociar aluguéis. De acordo com Kalaes, a maioria conseguiu reduções de até 50%. Agora, está negociando linhas de financiamento para o capital de giro. “A Maislaser vende R$ 9 mil, por dia, normalmente, e agora está conseguindo cerca de R$ 3 mil. Não zerar já é um bom começo.” A única rede que precisa de autorizações governamentais para voltar a atuar é a Brasil Canadá, que trabalha com educação regular.
Para dar conta das diferentes redes, o comitê se divide em reuniões semanais com os franqueados para entender os medos e as dificuldades e também receber sugestões. “Eu já vivi uma falência, é o pior momento na vida do empresário. Ele se vê sozinho, não tem com quem dividir. Isso, em uma rede de franquias, onde todos estão passando pela mesma coisa, é diferente, e eu tento mostrar isso para eles. A solução pode vir de mim ou deles mesmos.”
Fonte: PEGN