Com o distanciamento social por conta do coronavírus, as pessoas têm recorrido mais à internet para fazer compras. Em abril, o e-commerce brasileiro registrou crescimento de 47% no volume de pedidos e aumento de 18% no valor do tíquete médio, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) em parceria com a Konduto. A expansão das vendas on-line fez com que grandes varejistas, marketplaces e startups acelerassem as contratações.
Segundo executivos e recrutadores ouvidos pelo Valor, muitas posições já estavam previstas porque havia um investimento crescente na área nos últimos anos. Ainda assim, com o aumento da demanda dos clientes, foi preciso reforçar equipes como as de desenvolvimento de software, produto, marketing digital e logística. “Das propostas que temos fechado em tecnologia, 60% ou 70% são para e-commerce”, diz Genis Fidelis, gerente sênior da Michael Page.
Na plataforma digital de recrutamento e seleção Revelo, a procura por desenvolvedores, principalmente de “back-end”, “front-end” e mobile, cresceu cerca de 20% em relação à média dessa categoria de profissionais antes da pandemia. Quase 6% de todos os convites e abordagens a candidatos na plataforma são relacionados a companhias que prestam serviços em meios de pagamento para comércio eletrônico. “Muitas empresas tiveram que fortalecer as operações de tecnologia”, diz Lachlan de Crespigny, cofundador da Revelo, que tem 14 mil clientes, como XP, B2W Digital, Ambev e Itaú Unibanco.
Formado em sistemas para internet, o paulista Otavio Luiz Carvalho, 32 anos, foi contratado em abril como líder técnico da Via Varejo, dona das redes Casas Bahia e Ponto Frio. Ele chega para liderar, por enquanto a distância, cinco desenvolvedores em um time de 14 pessoas na área de marketplace, que inclui programadores, profissionais de experiência e interface do usuário (UX/UI, nas siglas em inglês) e produto.
Após começar a carreira como desenvolvedor em uma consultoria de TI, Carvalho foi trabalhar na VEX, comprada pela Oi em 2011. Seguiu na operadora de telefonia como coordenador de desenvolvimento web até o fim de 2013, quando migrou para o e-commerce. Na varejista de moda on-line Dafiti, onde ficou por quase quatro anos, foi de engenheiro de software sênior a líder de desenvolvimento, posição que ocupou por dois anos na empresa de pagamentos Wirecard.
Em meio à pandemia da covid-19 e ao processo de transformação digital da empresa, a Via Varejo acelerou a busca por profissionais de tecnologia nas áreas de dados e desenvolvimento, de vários níveis hierárquicos, de analista a posições de liderança, conta Rosi Purceti Balabram, diretora de pessoas e performance da companhia. “A demanda aumentou muito e o perfil do sortimento dos produtos para atender os clientes também mudou”.
Ao todo, a varejista que conta com 47 mil funcionários tem cerca de 100 vagas abertas em tecnologia, além de outras 420 na área de logística, são posições abertas para reforçar as equipes nos centros de distribuição, principalmente em Jundiaí, interior de São Paulo. Além disso, a companhia vem orientando os 7.500 vendedores a usarem o WhatsApp para realizar o contato com cerca de 85 milhões de clientes na base de CRM. “Isso traz um grande aprendizado de adaptabilidade”, afirma Rosi.
O Mercado Livre, plataforma de comércio eletrônico com quase 2.900 empregados no país, contratou 220 funcionários diretos desde o início da pandemia, principalmente em tecnologia e experiência do consumidor (CX, na sigla em inglês). Para reforçar a área de logística, por meio do Mercado Envios, houve o recrutamento de 2.500 pessoas.
Segundo Patricia Monteiro, diretora de recursos humanos do Mercado Livre no Brasil, a companhia tinha um plano de expansão e investimento no país, que se acelerou em áreas como tecnologia e CX. “Desde o início do ano, abrimos mais de 1.100 vagas”, conta.
Em tecnologia, as oportunidades são principalmente para desenvolvedores com experiência em diferentes linguagens das áreas de “front-end” e “back-end”. Já em CX, o perfil das vagas varia bastante e inclui supervisores, gerentes e líderes. “Precisa ser alguém que goste de estar em contato com público e tenha capacidade de ouvir o problema e transformar em uma oportunidade, em insights para melhorar as vendas”, afirma Patrícia.
Depois de dez anos na C&A, de onde saiu como head de compras para as divisões de moda infantil e marcas licenciadas, o administrador André Filomeno, 34 anos, chegou ao Mercado Livre no início de abril para ser o novo gerente sênior de marketplace de moda e novos negócios. O executivo está liderando uma equipe de nove pessoas, que ficam responsáveis pela experiência do consumidor e integração com parceiros (vendedores). “Desde que comecei, percebi que tenho muita coisa a aprender sobre venda on-line.” Em maio, o Mercado Livre também anunciou a chegada de Fernando Yunes, CEO do Sem Parar, como novo vice-presidente sênior responsável pela operação brasileira. A contratação já estava sendo costurada antes de a pandemia se alastrar, diz Patricia.
Com a mudança de hábitos dos consumidores, o grupo Carrefour Brasil precisou reforçar a operação e contratou 5.000 novos funcionários de nível operacional para as lojas, centros de distribuição e e-commerce. “Independentemente da situação que estamos vivendo, o comércio eletrônico já estava ganhando mais relevância no grupo”, explica Cristiane Lacerda, diretora de RH do grupo Carrefour Brasil, com 87 mil funcionários, incluindo as marcas Carrefour e Atacadão. Segundo a executiva, a empresa tem feito apenas contratações necessárias e essenciais para essas áreas, diz Cristiane.
No Magazine Luiza, com 35 mil funcionários, as contratações foram congeladas por enquanto. A empresa também tomou a decisão de não demitir ninguém neste momento, informa o diretor de gestão de pessoas Luiz Felipe Massad, que chegou à companhia em janeiro, vindo da Gympass. “O que temos feito é um redimensionamento das equipes. Tenho pessoas que não trabalhavam no e-commerce e passaram a fazer parte do time”.
São profissionais de diversas áreas (exceto tecnologia e logística) deslocados, de forma temporária, para cuidar principalmente do contato com vendedores que queiram ingressar na plataforma de parceiros do Magalu, que hoje reúne 28 mil autônomos e empresas varejistas. “Esse volume fez com que treinássemos as pessoas para novas funções. Tivemos que fortalecer muito a comunicação”, diz.
Nas empresas de tecnologia e startups que atuam com e-commerce e delivery, a busca por profissionais de engenharia de software e produto vem crescendo nas últimas semanas. A VTEX, que desenvolve sistemas para comércio eletrônico, prevê preencher 150 posições neste ano e, atualmente, tem mais de 60 vagas, a maioria em São Paulo e Rio de Janeiro. Existem oportunidades para trabalhar em João Pessoa (PB), que abriga um escritório inaugurado no fim de 2019.
“Neste momento, com a aceleração digital cada vez maior, nosso foco é contratar principalmente profissionais sêniores como líderes de produto, desenvolvedores e designers”, afirma Flavia Vergili, diretora global de pessoas da VTEX. Com quase 700 funcionários em 14 países, a empresa busca pessoas com interesse em e-commerce, além de conhecimentos técnicos específicos. Para posições de liderança, a habilidade de comunicação é um dos requisitos principais, ainda mais durante o isolamento.
A Delivery Direto, que desenvolve aplicativos de delivery e gestão para restaurantes, ampliou o quadro de funcionários em 57% entre março e abril, inclusive contratando pessoas que já haviam trabalhado na empresa, afirma Allan Panossian Kajimoto, cofundador e CEO da startup, comprada no ano passado pela Locaweb. A maioria dos novos profissionais é para as áreas de pré-vendas, vendas e “customer success”, além de reforços para o marketing. “Estamos criando uma nova área de marketing, com perfil e posicionamento mais institucional”, explica kajimoto.
A ampliação da equipe acompanha o aumento no número de pedidos transacionados pela plataforma, além da busca crescente de outros estabelecimentos comerciais, como bares, cervejarias, cafeterias e padarias, com intenção de montar apps de delivery. Com a pandemia, a procura por plataforma de delivery aumentou quatro vezes. Entre os 1.800 clientes na base, estão restaurantes como Fasano e Ráscal.
De acordo com Paulo Moraes, sócio e diretor da consultoria de recrutamento Talenses, a demanda por novos profissionais para atuar em e-commerce vai variar conforme o nível de maturidade de cada empresa e os tipos de tecnologia aplicados nessa unidade de negócios. “Em geral, as posições mais procuradas são para gerente de e-commerce, desenvolvedores e profissionais de marketing digital, BI e logística”, explica. Para Moraes, versatilidade, visão holística e criatividade são as principais habilidades para quem pretende ingressar no segmento.
Mesmo após a pandemia, a tendência é que a procura por gente na área de comércio eletrônico continue, inclusive em outros setores que têm como foco o cliente final, prevê Moraes. A explicação é simples: as pessoas estão criando novos hábitos e comportamentos de consumo, que talvez não sejam abandonados quando o período de isolamento social acabar.
Fonte: Valor Econômico