A rede de farmácias Pague Menos prevê 120 pontos novos, 50% acima do ano passado, e fala em forte pressão inflacionária sobre os investimentos
Por Adriana Mattos
Mais de dois anos após o início da pandemia, as varejistas retomam investimentos em abertura de lojas e compra de terrenos ao mesmo tempo em que vêm elevando os desembolsos no braço digital – negócio que tem sustentado parte dos resultados do setor. Isso aumenta a necessidade de as cadeias ampliarem os seus gastos no ano, num cenário em que já existem novas pressões sobre os custos de construção dos pontos. Houve um aumento de até 50% no valor de uma loja nova neste ano, em relação a 2020 – num ambiente de recursos mais caros no mercado.
Levantamento realizado pelo Valor mostra que os investimentos de 15 varejistas de capital aberto – considerando aquelas com dados disponíveis entre 2019 e 2022 – atingiu R$ 1,9 bilhão de janeiro a março deste ano, 35% acima do verificado no início de 2019, ano anterior à crise sanitária, quando a soma alcançou R$ 1,4 bilhão. A pesquisa considerou os valores reportados pelas cadeias nos balanços trimestrais. Ao se levar em conta o ritmo de expansão anual da década, a projeção era que esse número fosse alcançado um ano atrás, mas a pandemia congelou os investimentos. Esse atraso acaba aumentando a necessidade de acelerar projetos, apesar do ambiente de consumo incerto e alta dos juros encarecendo o capital.
“O que volta a acontecer é uma alocação maior de recursos para expansão orgânica, porque não dá para manter muito tempo essa parte do negócio só no oxigênio, na UTI, como estava. E loja é fundamental na estratégia da venda on-line hoje. Mas acontece que os desembolsos em logística, distribuição e sistemas já cresceram em 2020 e 2021, e também é um investimento que precisa ser acelerado”, disse Alberto Serrentino, sócio e fundador da Varese Retail.
“Neste momento, essa gestão dos investimentos está bem mais complexa dentro das diretorias. Uma coisa é você investir num céu de brigadeiro, outro é com o CDI no patamar em que está. As análises de retorno do capital no ambiente atual ficaram mais críticas, mas ninguém duvida que é preciso voltar a ocupar novos espaços”.
Dados de janeiro a março coletados pelo Valor mostram, por exemplo, que a Via (dona da Casas Bahia e Ponto) abriu 22 lojas nesse intervalo – é o maior número desde 2019 -, e na Centauro, foram quatro a mais, um recorde no período. Na cadeia de material de construção Quero-Quero foram 14 inaugurações, número inédito neste intervalo. Para o acumulado do ano, a Renner projeta 40 aberturas, versus 32 em 2021 e no varejo alimentar, o Grupo Mateus estima de 45 a 50 inaugurações (foram 44 em 2021). A rede de farmácias Pague Menos fala em 120 pontos novos, 50% acima do ano passado. A Raia Drogasil projeta 260 lojas, 20 acima de 2021.
Apesar da função estratégica dos novos pontos, um aspecto levantado pelas próprias empresas, nas últimas teleconferências do primeiro trimestre, foi o aumento do gasto de construção das unidades, e das centrais de armazenamento, que mesmo locadas, tiveram alta no valor do aluguel. “A conta que se faz hoje é de uma alta de 40% a até 50% nos custos de construção em relação a antes da pandemia. Aço, alumínio, cobre, tudo subiu e foi sendo repassado”, disse José Barral, membro de conselho de varejistas e consultor.
Segundo Luiz Novais, vice-presidente financeiro da rede de farmácias Pague Menos, há uma forte pressão inflacionária sobre os investimentos. “Estamos sofrendo com isso. Imaginávamos antes que o custo médio de investimento para a inauguração de uma loja seria de R$ 1,1 milhão e esse valor médio está mais próximo de R$ 1,35 milhão [hoje]. Então, tem uma pressão grande. Mas mesmo com esses dois componentes estamos com uma taxa de retorno muito boa, acima de 18%, um patamar acima do custo de capital, ou seja, continuamos bem otimistas com esta nova safra [de lojas]”, disse ele a analistas há poucas semanas.
Para Barral, empresas com estratégia de expansão geográfica acertada, em áreas que se mostrarem mais resilientes ou de modelos já testados sairão na frente nessa retomada da expansão. “Mas ainda sou meio cético com isso, porque temos que lembrar que investimentos em loja nova afetam a margem [de lucro operacional] inicialmente, e já entramos na pandemia com certas redes abrindo muita loja.”
O comando do Assaí, que projeta 50 aberturas no ano, sendo 40 conversão de lojas do Extra (foram 28 inaugurações em 2021), afirmou em recente Live do Valor que houve um aumento não esperado nos preços do aço e do concreto por conta da guerra no leste europeu. A ideia é renegociar com fornecedores o que for possível. “Há impacto nos custos de conversão, especialmente do aço, mas não é uma negociação fácil porque não tem muito o que fazer”, disse Belmiro Gomes, presidente da rede. Uma loja nova de atacarejo tem custado de R$ 70 milhões a R$ 85 milhões, em média, e há dois anos, esse valor girava entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões.
.Nas empresas abertas analisadas pelo Valor, os desembolsos em estrutura para a operação digital também avançaram aceleradamente neste ano. O levantamento mostra que houve um crescimento no valor do ativos intangíveis de janeiro a março – como softwares, licenças e marcas – de três a cinco vezes o valor registrado em 2019. É um ritmo maior do que o valor adicionado na conta de imobilizado das empresas no primeiro trimestre.
Nessa linha de imobilizado estão em imóveis, reformas, terrenos, maquinas equipamentos, por exemplo. Mas isso ocorre, em parte, pelo efeito da base de comparação. A soma em ativos físicos das empresas é maior do que o registrado em intangíveis porque essa linha teve uma expansão maior nos últimos anos, após a pandemia de 2020.
No primeiro trimestre deste ano, empresas como Renner, Riachuelo, Centauro, e Soma mais que dobraram os valor adicionados em seus intangíveis, que incluem por exemplo, renovação de licenças, sistemas, entre outros. Na visão de especialistas, são desembolsos que não podem ser interrompidos, especialmente em projetos que ainda estão ganhando tração. “Produtos de tecnologia conseguem rodar sozinhos por um tempo, mas não sobrevivem sem atualizações. Não dá para ‘desplugar’ rapidamente. Por isso há manutenção desses investimentos ainda em patamar alto, e isso deve se manter por alguns anos. Mas não vejo isso como uma questão. As empresas líderes do setor têm acessos a recursos em diversos canais e vêm conseguindo vender ao mercado a ideia de seus planos de crescimento no digital e nas lojas físicas ”, diz um consultor de marketplaces.
Fonte: Valor Econômico