Trânsito, falta de tempo, correria e até certa preguiça…São tantos os motivos para simplesmente não ir até uma loja que há anos o tema “a morte da loja física” ecoa na cabeça dos empresários de varejo. E se todos os motivos listados não são suficientes, o crescimento do e-commerce e o comportamento cada vez mais mobile dos consumidores já fazem muita gente perder o sono. Afinal, ainda é possível tornar as lojas atrativas a ponto de tirar o consumidor de casa? Para o time de executivos de varejo reunidos no Conarec 2016 – Congresso Nacional das Relações Empresa-Cliente, a resposta é sim – é possível tornar o varejo físico atraente para uma visita. Mas a tarefa não é fácil. “O ponto que devemos ter em mente é que as pessoas não vão comprar em lojas físicas porque precisam, mas porque querem”, afirma Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, que mediou debate sobre o tema.
Para ele, a loja física simplesmente precisa funcionar. “Estamos nos tornando pessoas intolerantes com atrito e o mundo digital nos torna assim. Não temos mais paciência para enfrentar barreiras”, diz. Dessa forma, lojas com localização difícil, com organização inadequada, visual merchandising mal estruturado, informação pouco clara, com rupturas, atendimento moroso e dificuldade para acessar o estoque são aquelas que ficarão às moscas. “Tudo isso gera atrito e atrito empurra as pessoas para o mundo digital”, afirma Serrentino.
Para o especialista, os layouts precisam ser fáceis, simples, claros e intuitos para atrair o consumidor. “Em uma batida de olho, você entende a loja, sem precisar que alguém explique”, afirma. O mesmo ocorre com os produtos, cuja informação e função devem estar disponíveis sem que o consumidor precise perguntar para alguém.
A loja como comunidade
Outro aspecto que torna o ponto físico atrativo é a capacidade de ele ser o elo de uma comunidade: ele deve ser ponto de informação e de encontro entre as pessoas do entorno. Por isso, mais do que produtos, o varejo físico precisa oferecer soluções e serviços. E nesse sentido, customizar é fundamental, desde o produto à experiência do consumidor.
Além disso, a loja precisa ser uma extensão do mundo digital, tanto nos processos como na forma de entrega e gerenciamento de produtos, clientes e processos. Um exemplo citado por Serrentino é a nova proposta de loja da Apple, que aboliu a organização por categoria de produto e os dividiu por solução. “As lojas precisam ser mais do que pontos de vendas, elas precisam gerar experiência. As lojas precisam criar experiência visual e sensorial que desperte desejo e emoção, porque cada vez mais compraremos por desejo”, diz.
A Livraria Cultura é um exemplo de rede que foca na experiência e tem conseguido resultados. Contudo, segundo Sérgio Herz, CEO a companhia, a tarefa é hercúlea. “Vivemos uma realidade em que temos de oferecer experiência na loja física e competir com o preço do e-commerce. Experiência no ponto físico é caro e temos de brigar pelo tempo livre das pessoas”, afirma. “Se você pensar de forma racional, não tem motivo para as pessoas comprarem nas lojas físicas. Como a gente faz para ser escolhido? É essa pergunta que a gente faz todos os dias”, afirma.
Com 17 lojas e um e-commerce que já representa 31% do faturamento da rede, a Livraria aposta em espaços e eventos que gerem a necessidade da ida até a loja – a compra é uma consequência dessa experiência. Herz ainda conta que a própria opção de comprar na internet e retirar na loja física tem gerado atrito na experiência dos consumidores. Hoje, 20% dos pedidos são entregues nas lojas. “Quando você vai a uma loja como a da Paulista, a fila para retirar o pedido feito na internet é enorme. É um atrito que temos de resolver”, afirma.
O Outback Steakhouse, por sua vez, conseguiu transformar esse clássico transtorno do varejo brasileiro em parte da experiência da marca, segundo Atila Noronha, COO da marca. “Quando a gente já começa a servir na fila é porque ela já é parte da experiência da marca. Essa experiência, na verdade, começa antes mesmo da tomada de decisão de ir até um restaurante. Ela começa no final da última visita”, afirma.
O atendimento que faz a diferença
Para que a fila não seja um transtorno, a marca aposta no colaborador, chamado de outbacker. “O meu cliente é o outbacker. Vocês são clientes do outbacker e toda a satisfação de vocês está nas mãos do outbacker”, conta Noronha. É por isso que a empresa investe forte nos funcionários, a quem considera como sócios da marca.
Esse atendimento também é foco da Drogaria Iguatemi para tirar o cliente do e-commerce para ir até uma das oito boutiques da marca. Segundo Karina Diniz, diretora de compras da drogaria, a empresa realiza viagens constantes e os funcionários realizam cursos e atualizações frequentes para oferecer o atendimento premium que os clientes da marca procuram. Além disso, ter os produtos que ninguém tem ainda é um dos atrativos para o ponto físico, segundo a executiva. Em torno de 30% do mix de itens da marca é exclusivo. “Também apostamos no conceito do one stop shopping , quando o cliente quer comprar tudo o mais rápido possível em um lugar só”, conta. Além disso, a marca aposta em eventos com blogueiros e especialistas em cosméticos e beleza renomados para chamar a atenção dos clientes. “Temos de identificar as necessidades dos clientes”, afirma.
Quando a operação é enxuta e faz parte do dia a dia do consumidor, experiência é algo difícil de ser construído. Embora ainda não tenha grande concorrência da internet, as lojas de supermercados estão atentas para o comportamento digital dos consumidores. A aposta dos mercados de vizinhança do GPA é o atendimento afinado, segundo Marcelo Bazzali, diretor-executivo de proximidade do GPA. “É a proposta de valor: de ser o vizinho que resolve o seu dia a dia. É a história de fazer o básico benfeito”, afirma. Antes de entrar em uma loja, o funcionário passa seis dias em treinamento. “É o atendimento: o olhar, sorrir, cumprimentar e atender”, diz. “No nosso caso, a experiência de compra com o colaborador é fundamental. Fila, por exemplo, é um problema”, diz. “Temos todo um trabalho de análise da satisfação do consumidor, com cliente oculto e medição da experiência de compra”, afirma.
A Inbrands, por sua vez, aposta diversidade de produtos e no valor da marca para atrair os clientes para dentro das lojas. A companhia, que detém no portfólio diversas marcas, lida com lojas próprias e pontos de venda multimarcas, dentro de uma estrutura verticalizada. “O canal de distribuição é enorme e complexo, mas a loja tem de ser linda, tem de funcionar e as promessas precisam ser cumpridas – sem isso, você não consegue sustentar tudo isso”, afirma William Albuquerque Jr, diretor de internet da Inbrands. “O desafio maior é trazer o mundo digital para dentro da loja e como criar ferramentas para a equipe comercial construir uma experiência para o consumidor diferente”, diz,
Todas essas estratégias e ações precisam funcionar em conjunto, segundo Serrentino. “E tudo isso tem de ser feito com resultado. A minha definição de loja boa é aquela que você tem vontade de comprar – são essas lojas que sobreviverão no futuro”, diz.