A indústria do cinema é um caso conhecido de setor historicamente anticíclico. Em épocas difíceis, se sai bem. Foi durante a Grande Depressão, nos anos 1930, que Hollywood iniciou a sua era de ouro e o sistema de grandes estúdios se estabeleceu e prosperou. Desde então, crises econômicas sempre rimaram com públicos crescentes. Não foi diferente no Brasil dos últimos anos. Enquanto o PIB caía, o desemprego subia e concorrentes como Netflix desembarcavam por aqui, o setor comemorava oito anos seguidos de aumento de vendas de ingressos. Em 2016, foram 184,3 milhões de bilhetes vendidos, um aumento de 6,5% em relação ao ano anterior, para uma bilheteria acumulada de R$ 2,6 bilhões.
Instalada desde 2010 no Brasil, a rede mexicana Cinépolis, a maior da América Latina e a quarta maior do mundo, aproveitou como poucos esse movimento. Com um investimento acima de R$ 600 milhões realizado em menos de sete anos, a Cinépolis assumiu a vice-liderança do mercado local, abrindo 48 cinemas, com 364 salas. Perde só para a americana Cinemark, com 610 salas. Para os próximos meses, 10 novos complexos da Cinépolis estão em preparação. “Na crise, tivemos os nossos melhores anos”, disse à DINHEIRO Eduardo Acuña Shaadi, diretor da Cinépolis responsável pelas Américas, em entrevista realizada no complexo que a rede possui no shopping de luxo JK Iguatemi, em São Paulo.
“Nós somos o arroz e feijão do entretenimento. Na época da crise, as pessoas consomem menos carne, e aumentam as compras de comidas mais acessíveis.” Em 2016, a empresa cresceu 10% no País, para um faturamento que se aproxima dos R$ 700 milhões. Mas os resultados poderiam ser ainda mais cinematográficos. Afinal, o crescimento tem esbarrado na diminuição do ritmo de abertura de shopping centers. “Os novos empreendimentos pararam de aparecer ou foram adiados”, diz Shaadi, mexicano que chegou ao Brasil em 2010 para instalar a Cinépolis no mercado local. “Temos mais dinheiro para investir do que oportunidades.” Em 2014, o ritmo de abertura de shopping centers chegou a 30 por ano. Para o biênio 2017 e 2018, a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) estima uma média anual de 20 empreendimentos inaugurados.
Não é uma boa notícia. Os dois mercados estão altamente relacionados. As salas de cinema estão presentes em 90% dos shoppings, totalizando 2.707 delas, ao fim de 2016. Além disso, 88% das salas em todo o país estão nos shoppings. “Apenas 37% das pessoas vão ao shopping com a intenção de compra. Eles têm se tornado centros de lazer”, diz Adriana Colloca, diretora de operações da Abrasce. “O número de frequentadores que vão, no mínimo, uma vez por mês ao cinema subiu de 53% em 2012, para 61%, em 2016.” Se, com a crise no varejo, as chances de criar novos projetos ficaram escassas, a Cinépolis estabeleceu duas alternativas para tentar manter um crescimento de dois dígitos.
A primeira delas é ocupar espaços deixados por varejistas que estão fechando lojas. O primeiro projeto de expansão aconteceu em João Pessoa (PB). Agora, três outros complexos estão passando por processo semelhante, em Uberlândia (MG), Sorocaba (SP) e São Luís (MA). “Continuamos olhando para qualquer oportunidade que aparecer”, diz o executivo da rede. “Aqui, no JK Iguatemi, queríamos ocupar o andar inteiro. Já pedimos para avançar sobre o espaço de eventos.” Mas o pedido não foi aceito. A segunda opção é aumentar o tíquete médio gasto pelos consumidores. Em especial com alimentação.
A empresa está trazendo ao País a marca Spyral Island, uma empresa de quiosques de sorvetes pertencente à Cinépolis México. As seis primeiras unidades já foram instaladas em complexos da rede no Brasil ao lado dos tradicionais balcões de venda de pipoca, doces e refrigerantes. Outra novidade que deve ser anunciada nos próximos dias é o acordo de joint venture para começar a operar na Argentina, em parceria com a rede local Village Cinemas. O Brasil já tem a segunda maior receita dos 13 países em que atua. Mas, enquanto não conta com um reaquecimento do mercado de shopping centers para ajudar no crescimento, ela precisará criar as próprias oportunidades.
Fonte: IstoÉ Dinheiro