Por Maria Luiza Filgueiras
A história da Granado é longa, mas pode-se dizer que a companhia está em um dos seus melhores capítulos. A centenária indústria de beleza e higiene passou a marca do primeiro bilhão de reais em receita líquida no ano passado – batendo a meta inicial ainda em outubro. Encerrou o exercício com R$ 1,4 bilhão, alta de quase 35% em relação a 2022.
Fundada no Rio, a Granado já está em mais de cinco países, num surpreendente processo de reconstrução de marca ao longo dos últimos anos. Além de transcender do talco da vovó para as latinhas decoradas com sabonetes, cremes e velas aromáticas disputadas em datas comemorativas, a companhia entrou com tudo no segmento de perfumaria – hoje responsável por boa parte da margem.
Neste verão, a fragrância virou até sorvete. A sorveteria retrô em Ipanema surgiu com sabores como o Bossa – feito com pedaços de coco e geleia de maracujá, como a colônia de mesmo nome -, e o Époque, de caju com cardamomo, numa brincadeira sensorial que custou pouco à empresa e tem gerado alto engajamento.
A estratégia de inovação que vem pautando a Granado nas últimas duas décadas é resultado da sintonizada dupla de comando, composta por pai e filha: o CEO Christopher Freeman e a diretora de marketing e vendas Sissi Freeman. Além do bom humor, os dois têm em comum a visão de longo prazo, num mercado que costuma ser de modismo ou commodity.
“Criamos a linha para bebê, a linha para pets, entramos no varejo, fomos para o exterior e criamos a linha de perfumaria da Granado. Nada disso foi há um ou dois anos e nem um rompimento com a tradição. É um conjunto de iniciativas que vão maturando resultado”, resume Freeman.
Curiosamente, o americano conheceu a Granado quando foi contratado para vendê-la. As propostas surgiram para produtos e linhas específicas, até que o banker resolveu ser o comprador. Em 1994, Freeman pagou US$ 8 milhões pela companhia, mesma cifra de seu faturamento anual à época, a Carlos Granado. O neto do fundador português já tinha deixado a administração com terceiros e não tinha herdeiros.
“A companhia já estava algum tempo sem investimentos, mas tinha uma imagem positiva com o consumidor e boas vendas do sabonete de glicerina e do polvilho antisséptico. Outras empresas se interessaram por um produto ou uma linha, mas a minha acabou sendo a única oferta pela empresa toda”, conta Freeman, que fechou a transação 14 dias antes do início do Plano Real, propício para arrumar as finanças da empresa.
Desde que mudou de mãos, a Granado não teve retração de vendas ou resultado no vermelho. Nos últimos quatro anos, acelerou: em 2019, faturava R$ 580 milhões, mais que dobrando a receita desde então. Mal deu tempo de comemorar a marca histórica, com a empresa já perto de R$ 1,5 bilhão. “Atropelamos o bilhão”, brinca Sissi.
Mais velha de três irmãos, ela entrou na operação em 2005, atendendo a um pedido do pai para assumir o projeto de rebranding. Ela morava em Nova York, tinha trabalhado em bancos de investimentos e estava numa startup de cosméticos. “Vim temporariamente há quase 20 anos”, conta.
A proposta de Freeman não era declaradamente tornar a companhia uma gestão familiar, mas as habilidades se complementaram e um tomou confiança no outro. “No começo eu quase fui demitida por duas vezes porque antes ninguém discordava dele. Mas faz uns 17 anos que ele não me manda embora”, diverte-se, deixando ‘Seu Freeman’ encabulado.
Com uma consultoria francesa, a companhia começou a padronizar suas embalagens, cada uma então com um estilo e caligrafia, e dividir as famílias de produtos. “O DNA da marca foi muito conservado. A família Granado tinha um acervo enorme”, diz ela. Um acervo, aliás, que inclui a honraria de Pharmacia Oficial da Família Imperial Brasileira, concedida pelo imperador Dom Pedro II.
Desde o novo dono, a Granado fez uma aquisição relevante. Em parceria com a americana Sara Lee, comprou a Phebo em 1998. A marca paraense estava nas mãos da P&G, que também já tinha mudado de estratégia no país e parado de investir. O negócio tinha tudo a ver com a Granado, dominando a categoria de glicerina – cinco anos depois, a Granado comprou a fatia da Sara Lee. “A Phebo vendia R$ 36 milhões naquela época, hoje faz R$ 400 milhões”, conta Freeman.
A empresa passou a concentrar a operação no estado do Rio, por logística. Na carente cidade de Japeri, a fábrica se instalou com 850 funcionários. (Freeman joga golfe num clube da Gávea e notou que a maioria dos carregadores vinha de Japeri. Na cidade, a Granado passou a patrocinar o esporte no primeiro campo público de golfe.)
Quando assumiu o negócio, a Granado não chegava a 100 SKUs. Atualmente são mais de 600 SKUs, com cerca de 80 lançamentos por ano, incluindo temporários, e tendo descontinuado itens como as deo colônias (pouco eficientes tanto como perfume quanto desodorante, mas com um vantajoso IPI).
Ainda hoje, o polvilho está entre os campeões de vendas em volume, assim como os supositórios. O registro da fórmula com enxofre foi aprovado por Oswaldo Cruz, há exatos 120 anos, e permanece inalterada. A companhia já fez estudos para eventuais alterações, mas descobriu que a eficácia vem do balanceamento original.
Em 2016, Freeman vendeu 35% do grupo Granado para a espanhola Puig, que tem perfumes como Paco Rabanne e Carolina Herrera no portfólio. À época, a transação foi estimada em R$ 500 milhões, o que avaliava a Granado em R$ 1,43 bilhão, e ajudou a companhia a quitar debêntures cujos juros rondavam 20% ao ano. “Saldamos a dívida e a geração de caixa operacional paga os novos investimentos, com dividendos de 25% e reinvestimento de 75% do lucro”, diz Freeman. “E eles conhecem muito sobre fragrâncias.”
A Granado entrou em perfumaria há seis anos, mas a categoria já representa 24% da venda em loja. Hoje são 100 lojas Granado, todas próprias, no Brasil e no exterior (em cidades como Lisboa, Paris, Bruxelas, Nova York e Londres) que complementam o atacado para farmácias e supermercados. A marca Phebo também começou a ter lojas próprias, são cinco em operação e um plano de expansão.
A companhia descarta o modelo de franquias, avaliando que o formato demandaria aumento de preços sobre o que é feito no atacado para gerar margem ao franqueado, desequilibrando os canais de distribuição. E IPO? Tem sempre banco e fundo sondando, de olho na margem Ebitda de 25%. Mas, por enquanto, a Granado vai manter a fórmula que deu certo – nos produtos e nas finanças.
Fonte: Valor Econômico