A C&A aproveitou o período de fragilidade na economia brasileira para fazer uma série de ajustes e apostas. Agora, com o início de um novo governo e a expectativa de volta do crescimento do país, Paulo Correa, CEO da empresa, que tem 280 lojas, espera estar preparado, seja para uma retomada acelerada, seja mais gradual. Parte dessa preparação tem passado por uma aposta forte na integração entre o canal de vendas físico e o digital. Uma das apostas mais ousadas é o lançamento da marca “Mindset” — uma célula de negócio com um time multidisciplinar de profissionais —, que conecta as tendências da moda de rua ao e-commerce da multinacional em apenas 35 dias. Correa tem nas mãos a segunda maior operação da C&A no mundo e autonomia para tomar boa parte das decisões, como a definição de coleções, a escolha de fornecedores e a forma de se comunicar com os clientes. Uma das suas marcas no país é ter uma linguagem de respeito à individualidade, o que já rendeu algumas brigas nas redes sociais. Mais recentemente, a empresa anunciou a oferta de vagas para profissionais transexuais. Agora, com a chegada ao Planalto de um governo conservador, o executivo promete que não haverá mudanças.
Como a política de expansão da marca se comportou nos últimos anos, quando vimos o país com uma economia com desempenho tão ruim?
Estávamos vivendo um Brasil em que o número de projetos de novos shoppings e empreendimentos era muito grande até 2015. A partir daí, esses projetos começaram a diminuir e o mercado como um todo reduziu sua velocidade de expansão. Somos uma empresa de origem europeia, que tem na sua cultura e no seu DNA um pensamento de longo prazo muito forte. A empresa acredita muito no Brasil, já está aqui há quase 40 anos. O Brasil passa por ciclos, com alguns momentos de prosperidade e de dificuldade, mas também temos a certeza de que essa prosperidade vai voltar.
Como isso se traduziu na prática?
Nossos planos de expansão são sempre olhando para prazos mais longos. Por isso, em vez de dar prioridade a novas lojas, demos um foco maior para as reformas. Enquanto todo mundo se lamentava sobre a conjuntura econômica, investimos no desenvolvimento de um modelo de loja mais interessante, mais organizado, mais agradável e mais fácil de comprar. Isso começou a ser testado em 2016 e vem sendo implantado desde 2017. Das 280 lojas, já convertemos 80 e o plano é fazer mais 50 em 2019. O modelo foi desenvolvido no Brasil. A operação brasileira, que é a segunda no mundo e só perde para a Alemanha, tem autonomia para quase todas as disciplinas, como estratégia de marca, fornecimento, ciclo de produto, nível de estoque. As decisões financeiras é que são centralizadas na matriz. A ideia é ter um pensamento global com uma atuação local. Tanto que a grande maioria dos nossos clientes acha que a C&A é brasileira, conforme mostram pesquisas. Essa é a maior evidência de quão brasileira é a marca, o que se traduz na dimensão que damos à mulher brasileira, com uma imagem de alegria, ousadia, sensualidade e colorido.
A eleição de um presidente da República que diz ser liberal na economia e conservador nos costumes pode influenciar em ações da companhia no Brasil, como a que fez recentemente para empregar transexuais?
Uma coisa é o que a gente acredita e tem como propósito. Outra coisa é o que governantes, entidades ou profissional pensam sobre o assunto. São coisas desconectadas. Acreditamos que a moda é uma forma de nos expressarmos para o mundo. A gente respeita todas as formas de expressão, sem julgamentos, sem preconceitos, sem excluir, mas tentando incluir. É simplesmente respeito. Não é que a gente está mais ou menos ousado. Apenas não prejulgamos ou rotulamos ninguém. Não estamos fazendo apologia ou defesa de causa, mas o que estamos falando sempre, que é democracia e inclusão. Se governantes têm uma opinião específica, também respeitamos. Não estamos aqui para julgar, mas para incluir as pessoas na moda, e esse sempre foi e vai continuar sendo o nosso caminho.
Fala-se muito do omnichannel. Como a C&A tem atuado na integração entre os diferentes canais de venda?
A integração on-line e off-line vem avançando, mas tem espaço para evoluir. Acho que estamos na vanguarda no varejo de moda, com iniciativas como a compra on-line e a possibilidade de troca na loja física ou o sistema de retirar o produto comprado no site em uma das lojas. Isso tem gerado resultados importantes. Hoje, 25% dos nossos pedidos on-line são retirados em lojas. E 25% desses pedidos geram mais compras quando vão à loja, o que confirma a fome por multicanalidade dos brasileiros.
É possível aumentar essa multicanalidade?
Agora, estamos fazendo testes em quatro lojas, com a descentralização dos estoques, transferidos para as lojas, para reduzir o prazo de entrega dos nossos pedidos, no conceito “ship from store”. Ao usar a loja como centro de distribuição, é possível espremer o prazo de entrega drasticamente e a consequência é aumentar a satisfação dos clientes. Até o final do primeiro semestre deste ano, o programa estará 100% implantado. Outra facilidade é a leitura do código de barras das peças, na loja, com a ajuda do aplicativo. Com esse serviço, é possível saber em quais lojas aquele item está disponível e fazer a compra pelo site. Também passamos a oferecer o C&A e Você, um programa em que o cliente acumula likes, revertidos em recompensas. Tudo isso serve para integrar cada vez mais os diferentes canais.
Não são muitas frentes ao mesmo tempo?
Tem de acelerar, porque nesse mundo digital tudo é muito rápido, é uma coisa de louco. Sempre dá para avançar. Um dos exemplos mais recentes é o Mindset, lançado no fim de novembro. É uma célula construída apartada do nosso processo tradicional e é formada por profissionais tirados de diferentes áreas com o objetivo de trazer para as clientes uma moda mais contemporânea, com uma leitura do que está acontecendo nas ruas, hoje transformadas em minicoleções semanais. Começamos oferecendo on-line, e por enquanto estamos oferecendo nas nossas duas guide shops, no Shopping Iguatemi, em São Paulo, e na loja do Leblon, no Rio, onde é possível provar as peças da coleção e comprar no site para receber em casa ou retirar no dia seguinte. Não conheço quem esteja fazendo isso no varejo brasileiro de moda, gerando ciclos de 35 dias desde a pesquisa das ruas até o ponto de venda, com on-line e off-line em formatos diferentes. Um ciclo para uma coleção costuma ser de quatro meses.
Como é feita a pesquisa para o desenvolvimento da minicoleção?
Os estilistas ou gestores vão para as ruas, percebem a história, a fotografam, embarcam aquela informação no aplicativo e o fornecedor tem acesso on-line, começa a desenvolver os protótipos. Quando esses profissionais voltam da viagem, o protótipo já está pronto na mesa e é só aprovar e fazer a compra. É uma coisa revolucionária, que tem um elemento de velocidade que só é possível porque é uma operação à parte. Não há um chefe, e o time tem autonomia para tomar decisão de produto, de precificação, resultados. O crescimento dessa marca tem sido vertiginoso.
A participação crescente das parcerias com outras marcas, como a que foi feita recentemente com a Missoni, tem impactado de que forma nos resultados?
Nosso propósito é apresentar a moda como uma forma de expressão do indivíduo, como uma plataforma de propostas, com um leque cada vez mais amplo e sem preconceito de nenhum tipo. A parceria com essas marcas amplia o leque. É uma forma de trazer o melhor do designer nacional e internacional para o público brasileiro com preço acessível. É a inclusão da população na moda, o que representa um dos maiores ganhos. Já as marcas, por sua vez, ganham visibilidade em uma determinada faixa da população que normalmente não tem. Além disso, a C&A tem uma experiencia na construção de produtos e de como torná-los viáveis. Muitas vezes, isso é levado pelas marcas para o dia a dia dos seus negócios. Por outro lado, aprendemos muito sobre a construção do conceito de coleções e como imprimem o DNA deles na marca. É um jogo de ganha-ganha, mas o ganho maior é para o cliente, como no caso da Missoni, que permitiu numa parceria como essa o acesso a uma peça a um décimo do valor cobrado pela marca.
Esse tipo de parceria entre as marcas tende a crescer ou é um modelo em fase de esgotamento?
Esse modelo de negócio não é novidade, mas continua crescendo no mundo inteiro. Pela tendência natural da indústria, acredito que vai continuar. Mas se olharmos o que está acontecendo no universo digital, a tendência é de isso se intensificar, já que é onde se trabalha o conceito de colaboração com mais frequência. As empresas vão cada vez mais trabalhar com essa colaboração, desde que ela gere uma experiência.
Como você define o humor para os negócios neste ano?
Estou cautelosamente otimista. Estamos nos preparando como companhia desta maneira. Passamos por três anos complicados, mas a crise estava lá fora. Falamos sempre por aqui que essas são oportunidades para melhorar o seu negócio. Fizemos o nosso dever de casa. Se o Brasil acelerar, estamos preparados para essa aceleração. Mas haverá questões críticas que precisam ser resolvidas para ter esse otimismo confirmado. Há reformas econômica, política e tributária que podem contribuir mais para a velocidade dessa jornada. Os movimentos que temos acompanhado pela imprensa mostram até agora que é possível levar a cabo essas reformas e chegar a momentos melhores. Para nós, com um novo modelo de loja e o desenvolvimento de integração digital, a aceleração pode ser ainda maior.
Fonte: Correio Braziliense
Fonte: Correio Braziliense