O modelo de negócio do Assaí, que aproxima as compras em atacado do consumidor final, deu tão certo no Brasil que foi exportado para a Colômbia.
Desde o ano passado, o formato vem sendo o principal motor de vendas do Grupo Pão de Açúcar no ramo de alimentos e cresce acima das outras bandeiras.
No país vizinho, o modelo ganhou o nome de Surtimayorista e teve sua primeira loja aberta em maio. Pelo menos mais duas vão ser inauguradas em 2017.
O Assaí foi comprado pelo Grupo Pão de Açúcar em 2007, quando tinha apenas 14 unidades. Cinco anos depois, o modelo foi adaptado para que os pontos de venda ficassem “mais aconchegantes”. Hoje, já conta com 100 galpões e terá mais sete até o fim do ano.
Em 2015, suas vendas somaram 11,3 bilhões de reais, aumento de 25% frente ao ano anterior.
No último trimestre, o crescimento foi recorde. A receita líquida foi de 3,7 bilhões de reais, número 45,7% maior do que o registrado um ano antes e equivalente a 37% de todo o faturamento da área de varejo alimentar do GPA.
Nos três meses anteriores, essa fatia ficou em 32% e um ano atrás, era de 29%.
Já a parte de “multivarejo”, que engloba Pão de Açúcar, Extra e os formatos de proximidade Minuto Pão de Açúcar e Mini Mercado Extra, apresentou resultados bem mais modestos.
Teve uma receita líquida de 6,3 bilhões de reais no trimestre, crescimento de apenas 1,1%.
O desempenho do Assaí é tão superior aos demais que o GPA tem um projeto para transformar até 20 lojas de hipermercados Extra na bandeira atacadista no próximo ano. Duas delas, uma no litoral de São Paulo e outra no Rio de Janeiro, já estão em processo de conversão.
Lá nos vizinhos
A primeira loja da Surtimayorista demandou um investimento de 2 milhões de dólares. Em quase seis meses de operação, ela vendeu 10% mais do que o esperado.
A próxima já está sendo desenhada e vai custar 13 milhões de dólares.
A ideia de levar o modelo para a Colômbia veio depois que, dentro de um projeto de reestruturação dos ativos Casino na América Latina, uma de suas subsidiárias, o colombiano Grupo Éxito, comprou uma fatia de controle no Grupo Pão de Açúcar. Isso aconteceu em julho de 2015.
O desenvolvimento do formato adaptado para o mercado colombiano começou em setembro daquele ano e levou seis meses.
O processo contou com assessoria de Belmiro Gomes, presidente do Assaí, e executivos do Éxito vieram para o Brasil para acompanhar aberturas de lojas e o dia a dia da operação.
Até então, a rede, que é líder na Colômbia, só trabalhava com os formatos de super e hipermercado e também de proximidade e conveniência.
“Vimos que o atacado nos abriria um grande mercado no ramo de alimentos que ainda não tínhamos, que é o de vender para as lojas de bairro”, contou Carlos Mario Giraldo, presidente do Grupo Éxito.
De acordo com ele, os comércios populares representam cerca de 40% do varejo da Colômbia. “Foi uma grande oportunidade que encontramos de chegar até esses clientes”, disse.
A Surtimayorista se baseou no primo brasileiro para definir o formato de construção de sua loja, o sistema de compra de fornecedores e o sortimento das marcas oferecidas, por exemplo.
Mas ela tem suas particularidades. Na Colômbia, a carne tem maior peso relativo no portfólio do que no Brasil e os grãos e outras commodities (como arroz e açúcar) normalmente são vendidos a granel.
Outra diferença é que a Surtimayorista tem um centro distribuição, enquanto as lojas do Assaí possuem estoque próprio e recebem os produtos diretamente dos fornecedores.
Cerca de 55% a 60% das vendas da bandeira são destinadas ao consumidor final e 40% a 45% a clientes profissionais. Os preços oferecidos são em média 10% mais baratos do que os dos supermercados do grupo Éxito.
Entre seus concorrentes locais estão o Carrefour Maxi (construído sobre o modelo do Atacadão), o local Alkosto e o Makro, o maior deles, com presença em 12 cidades do país.
Segredo do sucesso
Parte do sucesso do Assaí nos últimos anos pode ser creditada à crise que o Brasil atravessa.
Como os preços praticados pela bandeira são em média 15% menores do que os dos super e hipermercados, ela acaba atraindo famílias que querem economizar – e não apenas pequenos comerciantes, público-alvo original do atacado.
Cerca de 80% dos seus clientes já são pessoas físicas. Em valor transacionado, porém, as empresas ainda respondem por metade das vendas.
Para o presidente do Assaí, Belmiro Gomes, a boa performance também está associada à popularização do modelo.
“A gente já vinha crescendo na faixa de 30% antes desse momento de crise. O modelo é mais novo que o tradicional, talvez o consumidor não comprasse antes simplesmente porque não tinha o atacado preto dele”, disse.
Ele reforça que a reformulação das lojas, iniciada em 2012, também facilitou essa aproximação. De lá para cá, 47 delas foram construídas totalmente no novo formato. Outras foram ajustadas.
Os pontos de venda ficaram maiores (a área média pulou de 2.800 para 6.000 metros quadrados), mais iluminados, e ganharam pé direito mais alto (saiu de 4 para 9 metros), corredores mais largos e piso melhor.
A política de preços também mudou. A rede sempre trabalhou com duas opções: o cliente paga um determinado valor pelas compras no varejo e outro mais barato para pedidos em quantidades maiores.
Mas antes era preciso levar uma caixa fechada de um mesmo produto para pagar o preço de atacado. Agora, a quantidade mínima baixou para até três itens, dependendo da mercadoria.
“Isso atrai o consumidor final e ajuda o empreendedor na crise, porque descarrega um pouco a necessidade que ele tem de investir em capital de giro”, disse Gomes.
Segundo o executivo, as medidas não deixaram o Assaí com cara de varejo, muito pelo contrário, mas o transformaram em “um atacado com mais conforto”.
Sem exclusividade
Não é só o Pão de Açúcar que está se dando bem com a combinação de atacado com varejo, o popular “atacarejo”.
“Se você olhar no Carrefour, vai enxergar o mesmo fenômeno: um crescimento desproporcional do Atacadão em relação ao hipermercado”, contou Ana Paula Tozzi, presidente da AGR Consultores.
Segundo ela, a rede também tornou suas lojas mais convidativas às famílias.
As mudanças vão desde a facilitar o acesso às prateleiras, ter carrinhos menores e estrutura com banheiros.
“O hábito mudou mesmo. E os atacados, percebendo que o consumidor final quer preço e está frequentando seu ponto de venda, estão se adaptando para melhorar a experiência de compra. Até a Roldão, que é uma rede pura de atacado, já reformou 80% de suas lojas”, comenta Ana Paula.
A Maxxi, rede de atacado do Walmart, também encontrou espaço para vender mais na crise, mas por outro lado.
A bandeira tem 44 unidades e cresce a “duplo dígito alto”, de acordo com a empresa, mas foca totalmente em comerciantes que oferecem serviços para as classes C, D e E.
Por isso, oferta uma variedade de produtos reduzida e trabalha com três opções de preços: por unidade, a partir de 3 a 6 itens e caixa fechada.
“Não temos intenção de ter esse viés voltado à pessoa física. Temos tráfego e servimos esse público na loja, mas nosso foco é a pequena pessoa jurídica”, afirmou Bernardo Perloiro, vice-presidente do Walmart e responsável pelo segmento.
De acordo com ele, esse público também ficou maior com a recessão por conta do desemprego e do consequente aumento da informalidade.
O atacado veio pra ficar
Segundo Ana Paula Tozzi, o apetite pelo atacado, que oferece preços mais competitivos e menor nível de serviços, é um movimento sem volta.
“Agora, a inteligência do consumidor independe de classe social. Antes a gente falava: pode por preço que o consumidor que é rico paga. Hoje não funciona assim. O consumo está mais consciente, algo que só se aprende numa crise como esta por que estamos passando”, afirmou.
Já os super e hipermercados precisarão se reinventar, avalia a consultora.
“É difícil falar se o [modelo] de hipermercado vai acabar. Mas que ele está em crise, com um grande ponto de interrogação em cima da cabeça, é indiscutível. Hoje são a conveniência [formatos de proximidade] e o atacado que conquistam”.
Reestruturação e outras sinergias
Em julho do ano passado, o Casino reorganizou seus ativos na América Latina, unindo as operações do Grupo Pão de Açúcar com as do Grupo Éxito, da Colômbia e Uruguai, e do Libertad, da Argentina.
Na mudança, o Éxito ficou com metade das ações com direito a voto do GPA. A rede brasileira agora é controlada por uma holding que pertence ao grupo colombiano e diretamente ao Casino, cada um com 50% do capital. Por sua vez, o Casino continua como maior acionista do Éxito.
O objetivo era, principalmente, capturar sinergias entre os negócios na região. Conforme os cálculos do Éxito, elas podem chegar a 160 milhões de dólares em 2019 – 22 milhões só neste ano.
Além da reprodução do modelo de atacarejo do Assaí na Colômbia, há outros 18 projetos de troca de experiências.
Um deles é a compra em conjunto, para todas as redes, de itens como peixes, azeites, carrinhos de supermercado e sacolas plásticas, uma estratégia para barganhar melhores preços com fornecedores.
A exportação de produtos de marcas próprias do GPA, a Taeq e o Club de Sommeliers, para outros países e a expansão de programas de fidelidade no Brasil inspirados em modelos colombianos, foram outras medidas.
Também com base em políticas praticadas pelos vizinhos, o Grupo Pão de Açúcar trouxe para cá, em julho, o modelo de parceria com lojas de bairro Aliados CompreBem.
A empresa retomou o uso da bandeira antiga, mas dessa vez associada a pequenos mercados de bairro, que ganham o direito de vender as marcas Pra Valer e Qualitá, do GPA, e contam com assessoria da gigante varejista para organizar seu negócio.
Na Colômbia, o Éxito já opera mais de 1.200 lojas de parceiros sob esse formato. Por aqui, já são 85 pontos de venda e o plano é chegar a 100 até o fim do ano.