O Carrefour simplificou o modelo de tomada de decisões no Brasil para tentar reagir mais rapidamente às pressões no varejo digital. Desde janeiro, um grupo de executivos de áreas comuns a todo o negócio se reúnem, periodicamente, para trocar informações. A iniciativa é parte da montagem de uma estrutura para avançar na definição de ações que unam a operação on-line e as lojas físicas.
Ao Valor, a companhia antecipou medidas já discutidas nessa nova estrutura. Uma delas é a transformação de parte da área de armazenagem dos hipermercados em local para estocar itens que serão vendidos e entregues pelo site. Serão lojas num formato de “side store”. A primeira começa a operar neste modelo em abril.
No mundo — e no Brasil, isso nunca foi muito diferente — o Carrefour era conhecido pela lentidão na hora de transformar teoria em ação, enquanto rivais testavam, erravam e consertavam projetos em meses. Uma gestão muito hierarquizada ou centralizada em alguns países afetava a agilidade. Há alguns anos, a administração global vem mexendo nesse modelo.
Esse aspecto ganha importância agora porque, no negócio digital de alimentos, passou a ser crucial fazer logo e consertar os erros com rapidez ainda maior. Há pressões externas ganhando força. Neste ano, a Amazon ampliou a cesta de itens de supermercados à venda no Brasil e redes regionais têm melhorado o nível de serviço de seus sites e aplicativos.
“Há o ‘doing’ digital e o ‘being’ digital. O nosso ‘doing’ digital está ‘ok’, com planos identificados e sendo implementados. Mas há o ‘being’ digital, e o ponto é que a gente precisa ser digital. Temos que andar mais rápido e essa estrutura nos ajuda a pular degraus na hora de tomar decisões”, diz Paula Cardoso, chefe de um novo braço da empresa, criado semanas atrás para unificar toda a operação on-line alimentar, o Carrefour e-Business Brasil.
“É um modelo que começou a funcionar em janeiro e mais horizontal que o comitê executivo [Comex]”, diz. No Comex há diretores do varejo, atacarejo (Atacadão), de finanças, recursos humanos e da área imobiliária.
Antes do novo cargo, Paula Cardoso já estava na companhia como diretora executiva de transformação digital e CEO do Carrefour Soluções Financeiras. Esta última área, desde fevereiro, passou para Carlos Mauad (ex-Smiles e ex-Citi), dentro da ideia de concentrar o trabalho de Cardoso no digital.
A necessidade da operação online alimentar ganhar escala e ser rentável no Brasil tem peso na estratégia do CEO mundial, Alexandre Bompard. Em 2018, o executivo apresentou um plano que prevê investimentos de € 2,8 bilhões em comércio eletrônico até 2022, para que o grupo se torne mais competitivo no segmento. Mostrar resultados relacionados a esse plano é fundamental para a matriz, e o Brasil é o segundo maior mercado do grupo no mundo.
Cardoso não revela números sobre o desempenho da venda on-line no país, diz apenas que “está dentro do previsto para ganhar escala, margem e diluir custos.” Sobre rentabilidade, a executiva afirma que a empresa decidiu reduzir a venda de bens duráveis e elevar a de alimentos de um ano para cá para melhorar margem. Segundo ela, no início da operação, em 2016, 85% das vendas eram de eletrônicos, enquanto na concorrência, em geral, o segmento representava 60%. “Desconcentramos de produtos de baixa margem”, diz.
A executiva afirma que a venda on-line de alimentos do Carrefour representou 7% do faturamento de varejo do grupo no fim de 2017 e aumentou para 10% em dezembro de 2018. Considerando o balanço da companhia, esse montante equivale a R$ 1,4 bilhão e R$ 1,5 bilhão em vendas.
O GPA, dono do Extra e Pão de Açúcar, afirma que é líder em venda de alimentos pela internet, com base em dados da consultoria Nielsen. A companhia atua no varejo alimentar há cerca de duas décadas. “Eu respeito [o que falam], mas o fato é que você não tem um líder nacional, são todos regionais”, diz Cardoso.
As ações que o Carrefour vem testando se espalham em quatro áreas, mas duas chamam mais atenção: a etapa final de entrega de produtos comprados no site (a “última milha”) e os modelos de pagamentos de compras on-line.
No caso dos pagamentos digitais, há dois projetos-pilotos sendo monitorados. Um deles é o Scan&Go, em que o consumidor baixa um aplicativo para escanear o código de barras do produto e pagar por cartão de crédito. O projeto piloto existe há quatro meses, em três lojas do Carrefour Express. “Queremos expandi-lo para 50% da rede ‘Express’ ainda em 2019”, diz a executiva.
Outro teste envolve o pagamento pelo Carrefour Pay, sistema que já existe em alguns países da Europa, como França e Espanha. Trata-se da carteira digital da rede de varejo, que reúne informações dos cartões dos clientes da empresa. Por ele, será possível pagar pelo aplicativo dentro e fora da rede de lojas do Carrefour.
“A pergunta é que sistema vamos usar no Brasil, se o pagamento via QR Code [código de barras] ou o pagamento por aproximação do celular. O risco é apostar numa opção que, lá na frente, acabará morrendo. Então estamos tratando das duas possibilidades hoje para ver que caminho seguir”, diz Cardoso.
Há outra iniciativa sendo implementada desde janeiro, em parceria com a Rappi, empresa de entregas. No fim de 2018, o acordo da Rappi com o GPA acabou (o GPA comprou outra empresa do setor), e o Carrefour foi atrás da Rappi. A empresa faz a entrega final ao consumidor, a chamada “última milha” — o grande nó do varejo on-line de alimentos, porque é algo caro e complexo.
O Carrefour não dá detalhes do acordo com a Rappi. Questionado se há hipótese de virar sócio da empresa de entregas, a varejista diz que, no momento, a parceria atende as demandas do grupo. “A Rappi faz o a seleção dos produtos em lojas de nove cidades. No começo do ano eram em quatro cidades”.
A executiva afirma que a Rappi fará a retirada de mercadorias nos 23 hipermercados que terão o formato “side store”, com áreas de armazenagem de produtos para o cliente que compra on-line — também chamados de “minihubs”.
“Essas lojas estocarão itens ‘secos’, como mercearia, que vão atender pedidos do site. Já os perecíveis serão retirados [pela Rappi] da área da própria loja”, conta a executiva.
No rival GPA, há 70 supermercados com áreas de estoque para atender a venda on-line e garantir a entrega expressa. O plano é dobrar esse número até fim do ano.
Sobre o modelo de serviços do “marketplace”, a operação de venda de produtos de terceiros em seu site, o Carrefour diz que isso não é o foco agora. O grupo tem uma operação de “marketplace”, mas é menor que a de varejistas de outros segmentos, como Lojas Americanas e Magazine Luiza.
Cardoso diz que a empresa tem que “escolher quais brigas entrar”. A varejista entrou tardiamente no negócio virtual — ela deixou de operar o seu site no fim de 2012, por conta de uma profunda reestruturação, e voltou ao negócio em 2016.
“Não faço fulfilment [braço de venda de serviços aos lojistas do marketplace] e não vou me distrair com isso agora”, diz ela. “Isso está lá, na minha lista, mas não é prioridade. Eles [concorrentes] não vão competir comigo em alimentos e eu não vou competir com eles em determinadas áreas que não são meu foco agora.”
Fonte: Valor Econômico