Assim podem ser resumidos os desafios da área de sustentabilidade do Carrefour, líder do mercado nacional de distribuição de alimentos.
Desde 11 de abril está aberto no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, a exposição Prato do Mundo – Comida para 10 Bilhões, que conta com o apoio do Grupo Carrefour Brasil. Por meio de imagens e de ações interativas, o público é convidado a entender o esforço para alimentar a população mundial até 2050 e o impacto na natureza.
Nesta semana, o Carrefour anunciou sua primeira linha de produtos com blockchain, que usa tecnologia para rastreamento de carne suína da marca Sabor & Qualidade comercializada em suas lojas no Estado de São Paulo.
Pela leitura de uma etiqueta com QR Code, o consumidor obtém informações sobre modo de criação do animal, nome do criador, localização da fazenda, alimentação dos bichos e cuidados veterinários, condições de transporte até os frigoríficos e dados sobre bem-estar do animal desde o produtor até as gôndolas.
Tanto a exposição quanto a tecnologia de rastreio estão inseridos no Act for Food, movimento global lançado em 2018 pela rede.
O objetivo é estimular uma mudança positiva nos hábitos alimentares, ampliando o acesso do consumidor a alimentos saudáveis, seguros, produzidos com responsabilidade socioambiental e a preços justos.
A seguir, o diretor de Sustentabilidade do Carrefour Brasil, Paulo Pianez, fala de uma visão 360º sobre o processo de distribuição e valorização da qualidade dos produtos comercializados nos supermercados da rede, dentro de uma conceito chamado de transição alimentar.
O executivo relata também as lições após a crise desencadeada pela denúncia de que um segurança da rede espancou um cachorro em uma unidade de Osasco, na Grande São Paulo.
Em 28 de novembro do ano passado, viralizaram nas redes sociais imagens do animal com as patas traseiras feridas e marcas de sangue no chão da loja. O cão chegou a ser socorrido, mas morreu em decorrência dos ferimentos provocando uma comoção nacional.
PERGUNTA – O que leva uma rede de varejo a liderar um movimento global por alimentação saudável?
PAULO PIANEZ – Em janeiro do ano passado, o Carrefour lançou o seu plano estratégico para os próximos cinco anos. E um dos pilares desse plano, o principal, é liderar o movimento que a gente chama de transição alimentar.
P. – Do que se trata?
PP – Lidamos diariamente com milhões de consumidores que estão prestando atenção em outros temas que antes não eram tão presentes. As pessoas querem saber o que elas estão comendo, de onde vem aquele alimento, como é produzido, se é seguro, se é sustentável. Começam a ter preocupação também com desperdício. Nós vimos também como distribuidores de alimentos, o segundo no mundo e o maior do Brasil, que temos de dar atenção a tudo isso. Temos que ser motor nessa transição alimentar para atender esta população, esse novo querer das pessoas.
P. – Como uma gigante do varejo pode fazer isso?
PP – Temos que materializar isso em ações em todas as nossas lojas. Nasce daí, em outubro do ano passado o Act for Food, a concretização da transição alimentar. São ações que transformam esse querer em oferta para o consumidor.
P. – Como o consumidor brasileiro responde a este processo de transição alimentar?
PP – No Brasil, quando você pergunta ao consumidor o que é comer saudável, automaticamente se pensa que ele vai responder que é comer alimento integral, orgânico. Mas o conceito do brasileiro para o que é saudável é preparar comida em casa. As pessoas estão se voltando muito para os produtos frescos, em função dessa tendência de glamourização da própria gastronomia, do ato de cozinhar. Virou cool ser chef, temos muitos programas [de culinária].
P. – Em que pilares se baseia este movimento global?
PP – O primeiro é ter um amplo sortimento de produtos frescos, diferenciados, entre eles os orgânicos. Pretendemos ser o maior distribuidor de produtos orgânicos do país a preços acessíveis. Esse mercado no Brasil ainda é muito pequeno. Até porque não tem oferta suficiente e o preço é muito alto. As pessoas querem consumir, mas não têm acesso.
As pessoas querem também ter segurança alimentar. No Brasil, infelizmente, ainda temos muito uso de agrotóxico. Temos que controlar a quantidade e o tipo utilizado.
P. – É aí que entra o uso de tecnologia para rastreabilidade dos produtos vendidos na rede?
PP – Sim. Hoje, 100% de frutas, verduras e legumes do Carrefour são rastreados. Justamente para rastrear a quantidade e o tipo de agrotóxico utilizado. Temos cadeias críticas. Pescados, por exemplo. Além de ter o peixe fresco na gôndola, precisamos nos assegurar que este peixe não é sobrepesca [pesca predatório] nem de uma espécie ameaçada. Carne Bovina. Ainda tem problema. Já melhorou muito, mas temos desafios. A indústria vem se propondo a melhorar e podemos dar uma contribuição também.
P. – Que tipo de contribuição pode ser dada no caso da cadeia de produção bovina?
PP – Estamos monitorando a origem de 100% da carne distribuída pelo Carrefour, que passa por monitoramento georreferenciado, via satélite. Para saber se não vem de área de desmatamento, de área de preservação, de terra indígena, se não tem trabalho escravo.
P. – Qual o impacto no mercado como um todo?
PP – Tem três coisas que o varejo pode fazer. A primeira é como ator da cadeia produtiva se engajar efetivamente e estar mais próximo da produção. Temos como estabelecer conexão diretamente com o produtor, sob um protocolo diferente, dando as condições para que ele possa produzir de uma maneira mais sustentável.
Temos também levado informação para o consumidor, para que ele faça parte desse movimento. Para que ele saiba o que é um produto orgânico, uma carne monitorada. Ele vai saber de onde veio se está num preço adequado. Tem que ter preço também, pois se estiver lá em cima ele não vai consumir. Quando a gente engaja o consumidor e ele entende, ele se sente parte do movimento.
Tem um terceiro ponto muito importante, que é a capacidade do varejo de educar e engajar todos os atores, desde o produtor ao consumidor. É uma educação em relação a origem do alimento, se não teve desperdício, se os preceitos de bem-estar animal foram obedecidos. Desta forma, conseguimos fazer com que o consumidor não seja uma mera pessoa que entrou no supermercado apenas para comprar.
P. – Qual é o potencial de engajamento de uma rede como a do Carrefour?
PP – Cerca de 1 milhão de pessoas passam por dia nas nossas lojas. Temos pensado em muitas formas de engajar toda essa gente. Penduricalho e cartaz na loja comunicam pouco. Entendemos que se a informação estiver no pega da gôndola, onde o consumidor vai buscar informação, aí tem conexão. Se a informação está próxima e disponível na hora que a pessoa está pensando no peixe, sabendo que é fresco, que não veio de sobrepesca e que é monitorado, vai haver maior interação com essa informação.
A outra coisa que a gente entendeu é que há outros mecanismos para passar este tipo de informação. Recentemente, o Carrefour adquiriu o e-Mídia, que tem o CyberCook, o maior site de receitas do país. Você vai fazer um picadinho, abre o site e ali agregam-se informações. Você sabia que a carne é monitorada? Você sabia que dependendo da quantidade de sal você terá riscos? Criam-se momentos de conexão, justamente quando o consumidor já está conectado com a comida.
P. – Qual o papel de exposição como esta no Museu do Amanhã?
PP – Como formar um novo consumidor e disseminar a ideia de um consumo mais consciente? Acreditamos que temos de ser fomentadores também da discussão. Botar o problema na mesa e fazer com que todos nós reflitamos sobre a questão. A cultura é mecanismo importante para difundir informação. Alimenta o conhecimento e a alma.
Enxergamos a possibilidade de construir isso em um museu que se propõe a pensar o amanhã quando estamos falando de transição alimentar, a comida do amanhã. Tem tudo a ver. Juntamos o esforço do museu de provocar uma reflexão do que é trazer alimento para 10 bilhões de pessoas em 2050, com o momento que o Carrefour vive de fazer com que isso se concretize em loja e que impacte os hábitos de consumo do consumidor.
P. – Como atingir esse objetivo de alimentar 10 bilhões em um mundo em que ainda fome e abundância convivem?
PP – Temos um desafio ambiental enorme. Precisamos pensar no planeta. Hoje já se produz comida o suficiente para suprimir a fome. O desperdício é monumental. Temos tecnologia para produzir de outro jeito. Temos condição de levar para a população hábitos de consumo mais saudáveis do ponto de vista nutricional. A saudabilidade está na diversidade à mesa. Muitas vezes as pessoas não têm acesso à comida ou quando têm comem mas não se alimentam. Estão de barriga cheia, porém vazias de nutrientes, com risco de virarem obesas e terem outros problemas de saúde.
P. – Vamos conseguir alimentar 10 bilhões de pessoas?
PP – As pré-condições para conseguir alimentar estes 10 bilhões já estão postas. Não precisamos derrubar floresta. O mesmo com a água. Depende da forma como se utilizam os recursos naturais. Há muito desperdício. Nas cidades, a perda hídrica é de 40%. É possível fazer as mesmas coisas que fazemos hoje de um jeito diferente.
P. – Com mais eficiência e aumento de produtividade?
PP – Sim. É termos eficiência no uso de recursos, na forma de comunicar e engajar o consumidor, o poder público e as empresas. Os formadores de opinião e a imprensa são um importante elo nisso. Devem promover, criticar. É assim que a gente vai conseguir mudar.
P. – Como vocês estão trabalhando o monitoramento da carne junto ao pequeno produtor?
PP – Nós acreditamos que é possível ter uma produção e um engajamento maior do pequeno produtor, respeitando alguns princípios que se perderam. Como o da regionalidade, da identidade local, da produção local como indutor de inserção socioeconômica. Temos um projeto chamado Produção Sustentável de Bezerros. Nessa fase de cria da pecuária bovina, ela é formada basicamente de pequenos produtores, muitos deles com poucos recursos para melhoria do pasto, melhoria nutricional e genética da produção. Falta acesso a crédito, gestão. Ele exaure um pasto e precisa de um novo. A alternativa que tem é derrubar floresta para criar pasto novo. Não faz isso de má-fé. Faz por desconhecimento ou por não ter uma alternativa.
P. – Qual é o papel do Carrefour neste processo?
PP – Acreditamos que aportando tecnologia nos pequenos, vamos começar a mostrar a possibilidade de uma produção diferente. Justamente nesta fase crítica da produção pecuária. No projeto, são 450 pequenos produtores, em sua maioria ex-assentados, em duas regiões críticas do norte do Mato Grosso. O Vale do Araguaia, que é cerrado, e a Jurema, que é plena Amazônia. Vamos produzir gado ali e fazer da cria uma inserção socioeconômica, numa produção sustentável. Não vai ser preciso derrubar mais floresta e áreas degradadas vão ser restauradas.
P. – Quanto será investido?
PP – A Fundação Carrefour está colocando 2 milhões de euros e o IDH (Iniciativa para o Comércio Sustentável), por meio do governo da Holanda e da Noruega, outros 2 milhões de euros. O projeto é de 4 milhões de euros ou R$ 20 milhões. Em três anos, os resultados já estarão na gôndola. É quando vamos conectar esta produção às nossas marcas e ter carne proveniente destas regiões, com rastreabilidade total. Vou saber onde nasceu o bezerrinho até ele chegar ao supermercado. E mais, com bem-estar animal. Se um animal vai virar comida, que a vida dele seja digna até que isso aconteça.
P. – O que o episódio do cachorro espancado por um segurança ensinou para o Carrefour, após toda a comoção nacional? PP – Nos ensinou muita coisa. A questão do bem-estar animal na produção sempre foi uma de nossas preocupações. Seja da galinha, da produção bovina, do peixe. Isso sempre fez parte.
Desde que nós chegamos ao Brasil, nas nossas lojas sempre tivemos muitos animais. Abandonados, de risco. Para se ter uma ideia, hoje temos nelas cerca de 500 bichos, entre gatos e cachorros. Sempre lidamos com eles, mas nunca demos a atenção devida. Não estava no nosso core.
Assim como em todo o varejo, temos estacionamentos grandes e os bichos acabam fazendo daquele local a casa deles. Nos protocolos, nunca se incentivou que houvesse qualquer tipo de violência.
P. – Diante do fato, o que foi feito para reverter a crise?
PP – Aprendemos que tínhamos que fazer mais. Tínhamos que instruir melhor, rever processos. Do episódio em si, a gente poderia só corrigir internamente a forma como lidamos com a questão. Mas a gente falou: Isso não basta. É um problema da sociedade. Temos mais de 30 milhões de animais abandonados. Podemos fazer mais. Resolvemos adotar a causa e ser uma empresa que efetivamente contribui para tentar diminuir essa problemática no Brasil. Isso virou um pilar nosso também: a causa dos animais domésticos.
P. – De que forma?
PP – Estamos investindo bastando, temos muitas ONGs nos ajudando em três pilares principais. O primeiro é o do controle populacional, com mutirões de castração, único mecanismo que temos para diminuir a população destes animais de risco.
P. – O segundo pilar é incentivar a adoção. Em vez de comprar um pet, que tal adotar um?
PP – E o terceiro é conscientização e informação. Estamos criando vários mecanismos para levar informação para o consumidor e o público em geral. Cada loja vai ter feira de adoção de animais. Estamos promovendo no Brasil inteiro mutirões gratuitos de castração.
Estamos produzindo documentários para levar este tipo de informação para a população. o documentário feito pela Ampara, a maior ONG que milita nessa área e congrega 450 organizações protetoras de animais no Brasil. Criamos um blog, cartilhas. Aprendamos muito.
Vocês foram surpreendidos pelo tamanho da repercussão negativa? Eu já sou um cachorreiro desde sempre. Agora, estou tendo a chance de trabalhar sob esta ótica também. Nós formos pegos absolutamente de surpresa. A coisa foi tão intensa que qualquer coisa que nós disséssemos naquela hora não ia repercutir nada. Não se ouvia. Acreditamos que com tempo e ação concreta vamos conseguir mostrar esse outro lado, que é o Carrefour de fato.
Fonte: Zero Hora