Colocar em primeiro lugar os stakeholders em vez do lucro vai contra a lógica do mercado, mas a longo prazo gera resultados mais sustentáveis e sociais. Hugo Bethlem, diretor geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, defende a mudança de paradigma para um sistema que gere riqueza e, ao mesmo tempo, tire as pessoas da pobreza e eleve a dignidade humana – conhecido como capitalismo consciente. O tema será discutido na primeira Conferência Latino-Americana sobre o Capitalismo Consciente, que vai acontecer em São Paulo, nos dias 19 e 20 de março.
Segundo Bethlem, aplicar o capitalismo consciente pode ser dificultado pelas pressões externas em um sistema que preza pelo lucro a curto prazo, para agradar acionistas e conquistar metas. No entanto, qualquer tipo de empresa pode adotar o novo modelo e a mudança deve partir de um líder. “As empresas que praticam os pilares do capitalismo consciente geram muito mais retorno para os seus acionistas e são muito mais admiradas pelos seus clientes do que as que não praticam”, explica.
Para provar isso, durante a Conferência, será divulgado, além de uma seleção de startups reconhecidas pelo seu propósito consciente, o estudo “Empresas Humanizadas Brasil”, realizado com 22 empresas que apresentaram crescimento 6 vezes maior do que média de mil empresas brasileiras.
O evento contará com 48 palestras, que abordarão exemplos, troca de experiências e exercícios práticos, pensadas para uma audiência ampla, de empreendedores a estudantes, com a expectativa de receber um público de 500 participantes. Entre os palestrantes estão Raj Sisodia, cofundador do movimento Capitalismo Consciente; Alexander McCobin, CEO do Conscious Capitalism; Alexandre Costa, fundador e CEO da Cacau Show; Luiza Helena Trajano, presidente do conselho da Magazine Luiza; e Hugo Bethlem, diretor geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.
Leia abaixo à conversa com Hugo Bethlem.
Época NEGÓCIOS: Quem se interessa mais por esse modelo de capitalismo?
Hugo Bethlem: Capitalismo consciente é um jornada em que o líder precisa ter vontade de mudar. Enquanto o líder não despertar a necessidade de mudança, a empresa não vai despertar para a dela. Por causa das novas gerações, as startups chegam com mais vontade de começar certo. Empresas de 50 e 70 anos nasceram dessa maneira também, já tiveram esse propósito de um indivíduo querer cuidar da dor de muitos, só que foram ao longo do tempo perdendo sua trajetória, mas é possível reverter. Um dos nossos palestrantes é Gustavo Werneck, CEO da Gerdau, empresa centenária, e a gestão dele parou para redefinir o seu propósito.
Existe uma demanda atual para que as empresas adotem esse tipo de capitalismo?
A procura parte do líder que tem vontade em realizar essa mudança. Muitas vezes essa procura surge de nomes dentro da empresa que estão incomodados com a forma em que elas realizam os seus negócios. Eles conseguem provocar as empresas para entenderem melhor como redirecionar seus negócios para serem mais conscientes. Mas não é uma corrida para o ouro, onde tem várias fazendo isso, pelo contrário, é aos poucos e é uma longa jornada.
É um processo centralizado que tem que partir do líder?
Sim, é um processo top down. Se o líder não comprar a ideia, ele desacredita o processo inteiro, o que faz as pessoas irem para dois caminhos: se calam, ou saem, comum entre essa nova geração. Infelizmente, não é um processo que vem da base, as vezes vem de um clamor da base, mas se o líder não for consciente, dificilmente o processo vai ter sucesso.
Quais são as mudanças de paradigma provocadas pelo capitalismo consciente?
A primeira é não perseguir o lucro a qualquer custo, mas seguir um propósito que responda a três perguntas básicas. São elas: por que sua empresa existe?; qual é a diferença que traz para a sua comunidade?; e se amanhã ela desaparecer quem sentirá falta? Se for trabalhado dentro desse propósito, cada colaborador levantará de manhã com vontade de trabalhar, assim ele engajará o cliente por meio de fornecedores, serviços e produtos também parceiros e alinhados, e terá comunidades orgulhosas que você faz parte dela. Com isso, você gera riqueza para todos , onde só a parte do acionista se chamará lucro, em vez de só gerar lucro para o acionista à custa de todos os outros.
Em termos de gestão, o que não funciona com o capitalismo consciente?
O que não funciona é a busca por resultado a qualquer preço, principalmente a curto prazo. Por exemplo, para dar lucro no trimestre a empresa corta a assistência médica dos seus funcionários. Isso não é capitalismo consciente. O capitalismo consciente é fazer as coisas certas, do jeito certo, na busca por resultados a longo prazo. Isso significa saber que um trimestre pode ser ruim mesmo, mas se você acredita naquilo que você está construindo, você ajusta com a colaboração das equipes, compartilhando as decisões, assim você toma as decisões claras, não só para avançar, mas também preocupado com as pessoas. Uma abordagem consciente seria procurar saber o que a empresa pode fazer para ajudar esse departamento a entregar um resultado diferente. O capitalismo consciente não significa afrouxar na cobrança ou na busca de resultados, mas é mudar a forma de cobrá-los e alcançá-los.
O Brasil é um local propício para isso?
Não deveria ser, mas é. O capitalismo consciente prevê um livre mercado, dificilmente você consegue aplicar em países como China, Coreia do Norte e Venezuela. O princípio nasceu junto com o conceito de Adam Smith que diz que a liberdade do indivíduo, através da concorrência, limita ganhos extraordinários e preços fora de propósito. O Brasil teve gestões com muita interferência do Estado e controle sobre a gestão das empresas, teoricamente isso deveria dificultar a prática do capitalismo consciente. No entanto, os resultados da pesquisa que fizemos comprovam que mesmo em um pais dentro desse cenário, aquelas que conseguiram aplicar as mudanças, tiveram resultados excepcionais, tão bons quanto das empresas norte-americanas.
Quais são as principais dificuldades que as empresas enfrentam nessas mudanças?
A pressão externa, principalmente se tiver capital aberto. Dificilmente o acionista tem um perfil que acredita em resultados a longo prazo, normalmente são especulativos. A pressão deles sobre o conselho e do conselho sobre a direção é um dificultador. A segunda é a forma como se remunera os executivos. Enquanto tiver bônus a curto prazo voltado apenas para venda e lucro, sem considerar outros parâmetros, como sustentabilidade, satisfação dos colaboradores, engajamento e reconhecimento do cliente, dificilmente vamos mudar.
Fonte: Época Negócios