Há 22 anos, Alexandre Canatella olha para as plataformas digitais como um meio de transformar os hábitos alimentares dos brasileiros. Em julho de 1997 criou o Cyber Cook para ser “um livro de receitas algorítimico” que conseguisse trazer para o digital o mesmo carinho do livro de receitas escritas a mão e cheio de recortes de jornais e revistas das nossas mães e avós.
Com mais de 100 mil receitas e 2,4 milhões de usuários únicos, o Cyber Cook, juntamente com outros dois portais do grupo e-Mídia, foi comprado pelo Carrefour Brasil em novembro de 2018. A compra agregava uma peça importante no plano Carrefour 2022, lançado em janeiro de 2018 pelo CEO do Grupo Carrefour, Alexandre Bompard, com a missão de tornar a empresa líder mundial da transição alimentar, oferecendo PARA TODOS, alimentos de qualidade e confiança a um preço justo.
Agora como Diretor de Negócios Digitais do Carrefour Brasil, Canatella está ligado à nova unidade de negócios do grupo, dedicada à transformação digital, chamada Carrefour e-Business Brasil (CeBB), liderada por Paula Cardoso. E está focado em transformar o Cyber Cook na plataforma inteligente de ligação do consumidor com as iniciativas de e-commerce de alimentos do grupo.
Canatella é um revolucionário na cozinha em busca de democratizar o jogo alimentar com transparência para o consumidor. E recebeu a THE SHIFT para compartilhar a receita. Acompanhe o melhor da conversa.”
Ruptura é…
“A possibilidade de pensar diferente e fazer diferente por causa da inovação. O caminho mudou porque o consumidor adotou uma nova perspectiva de escolher fazer diferente com o digital, desde como interage com seu banco até como abastece, usa o transporte etc.
O Carrefour é uma empresa líder no negócio de venda de alimento. A venda de alimento, em geral, sempre foi centrada em loja, e o Carrefour sempre ofereceu uma experiência magnífica para o cliente na loja. O plano Carrefour 2022, lançado pelo CEO Alexandre Bompart, definiu um caminho que envolve a empresa ser protagonista no negócio de ser orientada pelo consumidor. Aí a perspectiva muda, porque a loja é parte da experiência mas não é só essa experiência. O consumidor compra na loja mas busca outros caminhos, e o ponto de contato físico fica sendo complementar.
A empresa viu a possibilidade de crescer digitalmente não só liderando o comércio eletrônico de alimentos, mas também com a ambição de liderar a revolução de como o consumidor come, como ele interage com o produtor do alimento, como ele se informa sobre o alimento. O grupo olha isso como parte da sua engenharia.
“A engenharia do varejo tradicional era a experiência da loja, e agora ela se concentra no consumidor como um ser digital e analógico, o que exige um olhar mais amplo com o melhor dos dois mundos.“
É preciso considerar todas as características culturais, de uso tecnológico, e virar o modelo completamente. Como olhar uma fila de supermercado e encontrar uma forma de tirar o consumidor da fila escolhendo pagar a compra com seu celular sem passar pelo checkout tradicional, por exemplo.
Com a magia de que não seremos só uma empresa digital. Somos uma empresa figital. Nós seremos sempre uma empresa com um ponto de venda físico como oportunidade de contato com o consumidor. Todas as plataformas juntas devem trazer eficiência. O consumidor reconhece essa eficiência como valor de marca e compra mais com você. A transformação tem de ser invisível, os meios digitais precisam ser naturais para o consumidor e dentro de uma oferta ampla. Eu acredito em evolução do consumidor, ele não vai abolir pontos de contato, vai usar melhor os pontos de contato que forem bons para ele porque ele está muito mais preparado.
“O Cybercook nasceu da observação de como as pessoas acumulavam o conhecimento sobre o que cozinhavam no caderno de receitas. Decidimos ser curadores de um grande caderno de receitas algorítimico”.
O Cyber Cook, dentro do projeto do Carrefour de liderar a transição alimentar, se foca em alimentação mais saudável PARA TODOS. Isso carrega uma responsabilidade enorme, porque não pode ser nicho, tem de ser para toda a sociedade. Nos últimos anos nos concentramos em aprender sobre as receitas. O Carrefour pegou esse aprendizado de máquina que acumulamos para dar transparência para as receitas.
Transparência é descobrir quanto custa um risoto, uma carne de panela. Quanto custa cada ingrediente de uma receita (o valor de uma xícara de farinha, uma colher de manteiga) e depois poder medir a receita pelo valor de cada porção que rendeu. Esse dado é importante para tangibilizar o valor da comida e dar a dimensão do impacto econômico do desperdício.
Criamos a possibilidade de saber o valor do alimento. E depois criamos a possibilidade das pessoas se preocuparem como os nutrientes dos alimentos. A pessoa no ponto de venda está olhando os nutrientes de um ingrediente, mas precisa também colocar cada prato do dia na composição total dos nutrientes daquele dia. Criamos um botão que você clica e informa o que sobrou dos ingredientes da receita que você fez e o que você pode fazer com eles. A busca também mudou para ser uma busca por receita, ou por atributos de estilo de vida (rica em proteína, vegana, sem lactose…) e também por atribuição de preço.
“Nós somos uma plataforma de 100 mil receitas que integrou atribuições de serviços. Viramos um assistente para preparar um alimento. A partir da transparência que damos ao consumidor, conseguimos ser democráticos no jogo alimentar.“
O próximo passo. Primeiro estamos criando o DNA alimentar das pessoas – preferencia, tendência alimentar e assertividade na ajuda na decisão. Nos próximos meses vamos conectar as receitas à oferta de compra através do site, levando em conta os ingredientes da receita para as regiões onde o e-commerce atende. Mas também vamos poder indicar uma loja próxima para comprar os mesmos ingredientes. Vamos ser uma porta de entrada inteligente para que a sua compra não envolva só uma lista, mas uma programação sobre o que você quer cozinhar, e dar uma inteligência para que você se abasteça conectado com os alimentos que quer produzir na sua casa.
Comer saudável é uma escolha. A grande sacada é essa. E isso passa por como comprar melhor. Vamos considerar que na América Latina, 30% do que produzimos é desperdiçado nos lares. Se reduzir isso com melhor gerenciamento do que cozinhamos e compramos, o consumidor poderá direcionar seus recursos para comprar alimentos que não comprava normalmente. Isso é inteligência democrática. A tecnologia tem de estar invisível para a população. Evoluímos bastante em tecnologia na cozinha. O micro-ondas é um exemplo. Agora é o momento de dar o salto da tecnologia no preparo, em como tomamos a decisão da compra da comida, e precisamos olhar a tecnologia digital como aliada nisso.
O Cyber Cook também olha para os consumidores sendo makers. Vimos, por exemplo, crianças fazendo slimers em casa e postando no instagram. Mas, no verão, essa mesma criança estava fazendo seu próprio sorvete – os famosos xup-xup, geladinho, sacolé. Vimos o aumento da busca dessas receitas no site e o e-commece alimentar montou bundles de ingredientes para as pessoas fazerem o geladinho em casa. Podemos portanto antecipar, olhar os movimentos de busca de receita, interpretar esses dados e criar oportunidades que se conectem a insumos de compra.
“Estamos olhando muito além da métrica antiga do acompanhamento do checkout. Por isso podemos promover um insumo em épocas sazonais e trazer a atenção do consumidor para outro tipo de alimento.“
Novas tecnologias. Uma tecnologia invisível para o consumidor mas altamente visível para uma alimentação mais saudável é a rastreabilidade. Fomos pioneiros nisso e ganhamos prêmios envolvendo o rastreamento dos alimentos. Isso é importante para caracterizar a origem, tempo de colheita, chegada até as lojas, etc.. O blockchain é um adicional a isso, para buscar mais segurança na transação dessas informações. Faz parte da evolução para o consumidor, que pode tomar uma decisão fazendo a leitura do QRCode de um produto na gôndola, com aplicativo do Carrefour no celular, e saber de onde vem o alimento.
A tecnologia entra também para eliminar o atrito da experiência de compra em lojas. Os atritos são filas em horários determinados: criamos o scan and go que é uma forma de você mesmo pagar suas compras sem passar pela fila. Lojas autônomas são uma experiência, mas precisamos saber onde elas vão ficar, o que elas precisam oferecer. Pode ser super simples, mas também pode ser frustrante se a não tem o estoque dos produtos certos, se não tiver o ponto no lugar certo. É preciso saber o que uma pessoa quer: será que é entrar, comprar e ir embora sem passar por um atendente? Depende. Quem vai à peixaria quer falar com o peixeiro, por exemplo.
O digital tem se encaminhado para ajudar nisso. Nas tecnologias de logística, buscamos uma alternativa descentralizada com as side stores: estoques confinados para o e-commerce alimentar exclusivos para suportar a compra online daquela região. Isso em uma cidade como São Paulo é revolucionário porque o alimento fica mais próximo do consumidor. Estreamos três side stores nos últimos meses. Isso é disruptivo na logística do alimento e uma peça-chave.
“Hoje o e-commerce alimentar representa um número inferior a 2% das vendas. Até 2022 estamos falando de 20 a 30% da venda alimentar. Isso transforma o negócio de venda de alimento. Vamos construir a liderança nisso construindo um mercado“
Não temos dúvida sobre esse cenário. Podemos abreviar o caminho do consumidor para a comida fazendo as parcerias certas. Como a parceria que fizemos com o Rappi, que se tornou o parceiro ideal para construir esse momento com a gente. O consumidor poder receber o pedido, com um shopper fazendo sua compra e levando na última hora para sua casa é importante.
A loja autônoma foi uma parceria com a Zatti, que já tinha experiência. Na área de dados, temos a parceria com a Propz, que é uma startup de administração de Big Data que esta acelerando nosso negócio de como vamos trabalhar melhor o CRM, como vamos estruturar nossos dados para um futuro analítico. Precisamos ter mais inteligência sobre demanda e preço, por exemplo.
A tecnologia é protagonista. Como não vamos usar a tecnologia e o ecossistema de startups que está avançando?! A transformação é a possiblidade de alianças. O mercado em geral, antes da transformação digital, pensava em fornecedores. Agora pensa em alianças para acelerar a transformação.
Desde o lançamento do plano Carrefour 2022, o Carrefour no Brasil primeiro criou uma vice-presidência de transformação digital liderada pela Paula Cardoso, como presidente do banco Carrefour. O banco é uma empresa altamente transformada, o quinto maior emissor de cartão de crédito no Brasil. É uma operação que trabalha com squads, metodologia ágil etc.
A Paula teve um grande mérito e acumulava a presidência do banco e agora se dedica exclusivamente à iniciativa Carrefour e-business Brasil, que é uma vertical que hoje abrange tecnologia, e-commerce, inovação, omnicanalidade, o marketing com pensamento transversal de comunicação e o negócio de Big Data para acelerar. Eventualmente vamos acessar o ecossistema de startups ou M&A ou Corporate Ventures.
“O e-business Brasil tem uma missão de contaminação do grupo, para que a gente olhe a transformação como oportunidade de ruptura de como fazíamos os processos, e qual a nova forma possível baseada em dados, venda online, na eficiência de conhecimento e conteúdo.”
Anteriormente vendíamos chocolate em barras. Hoje vendemos a oportunidade do consumidor fazer seu próprio chocolate em casa para presentear. Extrapolamos vender e conectamos o Cyber Cook para a pessoa fazer sua lembrança de chocolate para a Páscoa com as receitas. Esse tipo de coisa só acontece se todas as áreas forem contaminadas.
O Carrefour tem a missão de se tornar o varejista mais acessível para orgânicos. Nosso planejamento prevê a ampliação das vendas de orgânicos para R$ 500 milhões até 2022, comparada a menos de R$ 50 milhões em 2018. Não é só vender, sendo mais acessível no preço, mas também na consideração do consumidor: temos que comer mais planta não porque a proteína tá cara mas porque a diversidade da comida é importante. Quando ele não acha um produto, ele tem de saber sobre sazonalidade e ter alternativas.
“O futuro do alimento passa por mais fornecedores. O que antigamente era ligado a produtos regionais, agora cada dia mais passa por um aumento de sortimento de produtos saudáveis.”
Há mais empresas olhando isso. Surgem jovens de 23 anos criando novos alimentos saudáveis e o e-commerce tem de ser uma nova forma de distribuir esses alimentos. A competição pulverizada vai ser altamente benéfica para o consumidor que vai conhecer novas formas de se alimentar. E o Carrefour, com sua marca própria, se prepara também para competir nessa oferta. Lançamos 290 novos SKUs em 2018 e 450 em 2019. Os novos alimentos vão usar ingredientes que a gente não imaginava, como proteína de ervilha, por exemplo.
A experiência alimentar é afetiva, é prazerosa e o consumidor não abandona hábitos, ele descobre novos alimentos.
Fonte: The Shift