A Brasil Pharma deve se desfazer da rede de franquias Farmais, varejista controlada pela empresa, com cerca de 400 pontos, para arcar com parte das dívidas com credores, apurou o Valor. A BR Pharma está em recuperação judicial desde janeiro. A negociação em torno da Farmais passou a ser considerada após assembleia com os credores ocorrida na quinta-feira passada. A dívida bruta do grupo atinge R$ 1,2 bilhão.
Apesar de afetada por uma queda na receita, a rede Farmais é a única em operação do grupo – as lojas remanescentes das redes Sant’ana e Big Ben deixaram de funcionar nas últimas semanas. A BR Pharma administra a operação da Farmais e recebe royalties sobre as vendas. Esses direitos seriam repassados ao comprador da marca.
“Os credores bateram muito nessa tecla e concordou-se em fazer um esforço complementar nesse sentido de avançar com a venda”, disse uma fonte próxima ao grupo. A BR Pharma tem cerca de 15 mil credores.
Se conseguir vender a Farmais, o grupo ficará sem lojas para operar. Em junho, a companhia decidiu desativar também os centros de distribuição. Ainda há 5% de ações ON no mercado (“free float”) e o restante está com o empresário Paulo Remy (ex-WTorre), controlador desde abril de 2017, quando adquiriu o negócio do grupo BTG.
Na época, Remy aceitou assumir a empresa pagando R$ 1 mil, junto com um acordo de financiamento com o BTG Investments, veículo controlado pelo grupo BTG.
Nesse processo de recuperação judicial, há questões a serem resolvidas. As ações da Farmais foram dadas como garantia a um grupo de sócios do BTG, numa operação de emissão de debêntures de R$ 400 milhões, ocorrida há um ano e meio. Os sócios formam hoje a PPLA Participations, holding offshore de investimentos.
O ponto central é que, com o pedido de recuperação da BR Pharma, a PPLA entrou na lista dos credores com garantias reais. Mas passou a não ter o direito de exercê-las, porque, de acordo com a lei de falências e recuperação, os credores estão sujeitos, igualmente, aos procedimentos de insolvência, sem preferências.
Mas mesmo assim, é preciso a anuência dos sócios do BTG ao plano de venda da Farmais. Para aprovação de qualquer plano de recuperação judicial é necessário obter voto favorável da maioria simples dos credores, e ainda votos que representem mais da metade do valor total dos créditos. Os sócios do BTG têm cerca de 75% da dívida total da BR Pharma.
“Se é verdade que sozinhos os sócios do BTG não aprovarão nada, é verdade também que os credores, sem apoio do BTG, não vão a lugar nenhum. Estão todos amarrados”, resume um advogado de um dos credores.
O Valor apurou que a PPLA não se posicionará contra mudanças no plano, nem pretende impedir a negociação envolvendo a Farmais. Entende que é o único ativo disponível e um atraso maior na venda do que restou da empresa só afetaria ainda mais a operação, que já sofre de problemas no abastecimento e saída de franqueados. Nos bastidores, a PPLA defende uma solução que “não crie ainda mais confusão” na empresa, segundo interlocutores próximos.
Está marcada para segunda-feira uma assembleia geral de debenturistas, incluindo a PPLA. Nela, uma nova proposta deve ser apresentada. A postura dos sócios do BTG nesta assembleia é aguardada com expectativa pelos credores.
Na prática não há disposição por parte dos credores – em especial da indústria farmacêutica e da PPLA -, em caminhar para a decretação de falência, apurou o Valor. Este é visto como o pior caminho. Mas credores de médio porte ouvidos pela reportagem entendem que uma demora em aprovar o plano também leva à perda no valor dos ativos.
Se não houver acordo em torno do plano de recuperação, a Justiça pode decretar a falência.
Em plena recuperação judicial, com dificuldades para pagar credores, o grupo obteve uma linha de até R$ 29 milhões com o BTGI VIII Participações, controlado pela própria credora PPLA. Segundo comunicado da BR Pharma, “as subsidiárias da companhia entram como garantidoras”, afirmou, sem especificar.
O BTGI VIII foi o veículo usado para comprar cédulas de créditos bancários da varejista em 2017, numa operação de financiamento ao grupo. Portanto, o BTGI VIII já é credor da BR Pharma. Parte dos R$ 29 milhões serão usados para pagar verbas rescisórias e encargos trabalhistas.
Pelos últimos dados divulgados ao mercado, além da Farmais, o grupo tinha em março 60 lojas da cadeia Sant’ana e 10 unidades da Big Ben, redes do Nordeste e Norte. Mas essas lojas teriam a atividade suspensa, informou a empresa em junho. Boa parte dos pontos são alugados e foram devolvidos.
No plano de recuperação divulgado em abril, a Farmais era avaliada como o negócio que a BR Pharma usaria para “a retomada do crescimento”.
Caso a negociação entre credores e BR Pharma avance, a questão central será buscar interessados na Farmais. Fontes próximas à rede entendem que fundos de investimento e empresas brasileiras familiares, donas de redes de franquias no país, podem ser potenciais interessados. Ainda não há negociação em andamento.
Com pouco mais de 400 pontos na região Sudeste, a Farmais chegou a ter 485 lojas três anos atrás no Sul, Centro-Oeste e Sudeste, mas a crise na empresa afetou o negócio. A varejista sente a queda na venda e nos ganhos com royalties.
De janeiro a março, a receita com royalties da Farmais foi de R$ 1,8 milhão, recuo de pouco mais de 70% sobre os R$ 2,8 milhões de um ano antes. Em 2017, somou R$ 8,2 milhões, estável sobre 2016.
Último relatório de vendas trimestrais divulgado mostrou que a BR Pharma vendeu R$ 16,2 milhões de janeiro a março deste ano, versus R$ 135 milhões um ano antes. O prejuízo líquido foi de R$ 151 milhões, versus perda de R$ 230 milhões um ano antes.
Todas essas questões sobre o desenho de um novo plano de recuperação foram tratadas na assembleia de credores na quinta-feira passada, que foi suspensa porque não houve acordo. Por isso, foi acertado que o plano passará por mudanças e será reapresentado em outra assembleia, no dia 27.
Credores de médio e grande porte questionaram na quinta-feira a real disposição da BR Pharma em negociar a venda da Farmais, e também deixaram claro o pedido para que sejam alterados os prazos de pagamento e a taxa de desconto na dívida.
Inicialmente, a BR Pharma propôs o pagamento mínimo de R$ 4 mil por credor, em até 30 dias do recebimento dos recursos da venda de algum dos negócios da empresa. Por essa proposta, o desconto no débito chega a 95%.
“O aceitável seria um deságio de 40% a 60%, como em outras RJs [recuperações judiciais]. Não propusemos uma taxa, mas houve sinalização deles [BR Pharma] de que esse desconto deve ser melhorado”, disse um credor ao Valor.
Outra opção é pagamento integral do débito, mas em até 30 anos. Alguns titulares das dívidas mencionaram na reunião que aceitariam prazo de 10 anos.
Divergências são comuns na negociação de planos de recuperação judicial. “No momento, a posição da maioria é de apoio, de todos acharem juntos uma saída, mas tudo depende do que virá no novo plano”, disse a advogada de um laboratório farmacêutico.
O processo de recuperação da BR Pharma corre na 2 ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, sob responsabilidade do juiz Marcelo Sacramone. O escritório Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados assessora o grupo. É a maior recuperação judicial do varejo desde o início da crise econômica no país, em 2014. Procuradas pela reportagem, BR Pharma e PPLA não se manifestaram.
Fonte: Valor Econômico