Por Naiara Bertão | Um estudo global da Bain & Company revelou que mais de 80% dos consumidores brasileiros estão “seriamente preocupados” com as mudanças climáticas, colocando o Brasil em segundo lugar em níveis globais de ansiedade ambiental. A média mundial é menor, de 65%.
O levantamento, que ouviu mais de 20 mil pessoas em 11 países, classificou os consumidores em seis grupos, desde os altamente engajados ESGvangelistas, que adotam diversos hábitos para reduzir sua pegada ecológica, passando pelos conscientes, observadores e eficientes, até chegar aos apáticos (indiferentes às mudanças climáticas) e cínicos, cujas decisões não se baseiam em nada na sustentabilidade (veja o quadro abaixo).
A classificação se baseia no quanto as pessoas se preocupam com o meio ambiente e agem com olhar sob a sustentabilidade, seja por meio de hábitos e lifestyle ou por seu comportamento de compra, incluindo alimentação em casa, bebidas, cuidados pessoais e produtos de higiene.
A “porta de entrada” da sustentabilidade, identificou o estudo, está na adoção de hábitos corriqueiros, muitas vezes relacionados à economia de recursos ou a alternativas mais baratas de compra. Depois, à medida que o nível de engajamento com o tema cresce, as pessoas tendem a reduzir ou eliminar o consumo de carne e se preocupar mais com a circularidade dos bens, se dedicando, por exemplo, à separação do lixo, compostagem, preferindo produtos de segunda mão ou aqueles DIY (do inglês “do it yourself” ou “faça você mesmo”).
Níveis de engajamento de consumidores com práticas sustentáveis
Perfil | Descrição |
ESGvangelistas | Muito preocupados com o meio ambiente, adotam diversos hábitos para reduzir sua pegada ecológica; a sustentabilidade é um critério muito importante de compra |
Conscientes | Têm preocupação com o meio ambiente e adotam algumas medidas para ter um estilo de vida mais sustentável; a sustentabilidade é um critério de compra |
Observadores | Apesar de preocupados com as questões ambientais, não agem de acordo com essas inquietações em função de prioridades conflitantes; tendem a não considerar a sustentabilidade ao comprar |
Eficientes | Têm preocupação com o meio ambiente e adotam diversos hábitos que geram ao mesmo tempo economia e impacto ambiental positivo, mas não consideram a sustentabilidade ao comprar |
Apáticos | São indiferentes às mudanças climáticas e não acreditam que alterações em seus comportamentos vão fazer diferença; não consideram a sustentabilidade ao comprar |
Cínicos | São indiferentes às mudanças climáticas e tipicamente não atribuem questões ambientais à atividade humana; não se engajam com hábitos sustentáveis e tampouco consideram a sustentabilidade ao comprar |
Obstáculos
Embora o Brasil e outros mercados em desenvolvimento tenham uma parcela média de 19% de ESGvangelistas, comparada a 13% nos países desenvolvidos, as preocupações ambientais ainda não se traduzem em hábitos de consumo mais sustentáveis. Entre os principais obstáculos para isso acontecer, segundo a Bain, estão o preço dos produtos e serviços, a falta de informação e a limitação de variedade e disponibilidade dos mesmos.
Mais da metade (56%) dos consumidores mais engajados apontam o preço alto como barreira. Outros 46% se dizem afetados pela falta de disponibilidade e variedade de produtos sustentáveis. A falta de informação, por sua vez, é apontada por quase 60% dos consumidores. No caso deste último, as embalagens e rótulos são a principal fonte de dados sobre produtos sustentáveis.
Em relação aos custos das tecnologias verdes, Daniela Carbinato, sócia da Bain, sugere uma visão de longo prazo para acelerar a adoção, destacando a importância da inovação. “É importante considerar que hoje estamos em momento de transição, no qual os custos ainda estão se equilibrando e pode ocorrer esse desbalanceamento. Porém, uma vez que a tecnologia verde escalar, ela não será necessariamente mais cara para quem conseguir adotá-la”, acredita.
A executiva cita que só esperar as novas tecnologias e soluções inovadoras ganharem escala e baratearem os custos vai atrasar o processo. Ela vê duas possibilidades: para tecnologias verdes que, uma vez escalada, são iguais ou mais eficientes que a tecnologia vigente, as empresas podem ter um papel de pioneiras – ou market makers – ao investir na aceleração de sua adoção e escalabilidade, reduzindo custos para todos e tornando a solução viável. “Dominar essas tecnologias pode ser uma vantagem competitiva nos próximos anos”.
Já, no caso de tecnologias verdes que estruturalmente são bem mais caras, ela acredita que a regulação tem um papel importante para incentivar a migração para estas ferramentas ao sustentar estas soluções por um tempo. “Neste segundo caso, as empresas terão estratégias mais focadas em segmentos que viabilizem esse “business case”, diz.
Oportunidades para empresas
Apesar das barreiras, as empresas que superarem esses desafios podem acessar um mercado consumidor avaliado em pelo menos R$ 150 bilhões. O potencial de lucratividade é considerável, especialmente entre os consumidores ESGvangelistas e Conscientes, que estão prontos para migrar para produtos mais sustentáveis. A inclusão de aspectos sustentáveis em marcas já preferidas pode impulsionar significativamente as vendas.
Porém, o estudo destaca três ações-chave para aproveitar essas oportunidades: a inovação aliada à sustentabilidade, ajuste nos preços para atender à disposição financeira dos consumidores e fornecimento de informações claras sobre os impactos positivos dos produtos.
Com relação à comunicação dos atributos socioambientais, além do benefício de chamar a atenção de consumidores preocupados com a sustentabilidade, as empresas precisam se preocupar e até se antecipar ao avanço da legislação, sobretudo em alimentos. Um exemplo é o recado, agora obrigatório em rótulos de produtos vendidos no Brasil, do alto teor de açúcar e gordura saturada. Este aviso precisa estar em destaque na embalagem e não pode ficar escondido na tabela nutricional.
Um exemplo internacional é o Nutri-Score, desenvolvido pelo Ministério da Saúde da França, que classifica os produtos de acordo com seu benefício nutritivo em uma escala de cinco níveis (A-E) que precisa estar em destaque. “Isso torna extremamente fácil para o consumidor saber o que está comprando e comparar marcas, dentro de uma mesma categoria”, comenta Carbinato.
Na União Europeia também já está valendo uma legislação que multa companhias que errarem a mão nos termos “carbono neutro”, “carbono negativo” e publicizar que determinado produto é “verde” se não tiver comprovação.
O risco de parecer greenwashing, termo que se refere à “maquiagem verde” de empresas que se dizem mais sustentáveis do que na prática são, inclusive, tem afastado muitas empresas de expor suas ações, levando o mercado a um movimento contrário ao de transparência.
A executiva da Bain destaca a importância de as empresas seguirem regulamentações e, para evitar o greenwashing na hora de comunicar o impacto positivo dos produtos, a sugestão é focarem em temas materiais e fornecerem informações transparentes, evitando exageros (veja dicas ao final do texto).
Para a executiva, a maneira mais segura de abordar projetos sustentáveis é conectá-los a uma estratégia de sustentabilidade clara, evitando a abordagem de iniciativas isoladas. “Elas precisam estar amarradas a uma estratégia de sustentabilidade, conectada ao core business, que deve ter metas claras, um roadmap com iniciativas detalhadas e quantificadas, além de serem acompanhadas, com report sobre os avanços e riscos”, diz. A executiva destaca que a agenda ESG deve ser tratado com a mesma diligência e disciplina de outros temas estratégicos.
“Algumas legislações acelerarão isso, como a obrigatoriedade de divulgação (disclosure), mas as empresas que querem ser reconhecidas na transição para uma economia de baixo carbono e mais justa, podem sair na frente e investir em energia na elaboração deste plano e estratégia e na estruturação de seu acompanhamento e sua conexão com negócios”, recomenda. Este ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou a exigência, a partir de 2026, de divulgação ESG seguindo padrões recémp-elaborados do IFRS junto com as informações financeiras para companhias abertas.
Dicas para não praticar greenwashing:
1. Comunique o impacto
Em vez de simplesmente informar o que há no produto (açúcar, sal, gordura saturada, vegano), informar qual é o impacto positivo que ele gerou vs. as versões anteriores ou opções mainstream (ex: redução de carbono, redução de consumo de plástico, prevenção de doenças, etc.). Com isso, fica fácil para o consumidor entender os benefícios daquela escolha.
2. Seja transparente com as informações disponibilizadas
É preciso comprovar para o consumidor que a empresa está falando a verdade sobre o produto. Ajude o consumidor a “confiar” no que foi dito, seja por meio de selos e certificações, seja criando um canal para que o consumidor possa checar as evidências destacadas (por exemplo: produto pode conter QR-code que detalha as fontes de informação, autenticidade e respaldo científico).
3. Foque em temas materiais
Fale sobre os pontos que realmente são mais relevantes para a companhia, vinculados às prioridades de sustentabilidade divulgadas.
“Em resumo, de um lado empresas deveriam buscar capitalizar investimentos em sustentabilidade, cuidar para que a comunicação seja legítima, rastreável e material (sem greenwashing) e, de outro, as regulações deveriam contribuir para maior transparência e comparabilidade na hora da escolha dos consumidores”, finaliza Carbinato.
Fonte: Valor Econômico