Um dos principais grupos de cosméticos do país, o Boticário colocou o pé no acelerador na última década, com a criação de novas marcas – como Eudora e Quem Disse, Berenice? – e a aquisição de negócios como Vult, voltado à classe C, e Beleza na Web, de e-commerce. Com faturamento anual de R$ 13 bilhões, a gigante do varejo, dona de 4 mil lojas, também se aventurou por outros canais de venda, como o porta a porta e a internet. Agora, vai usar a tecnologia para antecipar o que o consumidor quer.
Segundo o presidente do Grupo Boticário, Artur Grynbaum, a empresa desenvolve uma ferramenta de identificação do cliente por reconhecimento facial. O projeto dependerá da adesão dos consumidores que participam do programa de fidelidade d’O Boticário. Com o recurso, o atendente terá à sua disposição dados de compras anteriores e também de navegação nos sites do grupo.
“Um dos desafios é a forma de usar esse dado, porque não podemos ser invasivos”, explica Grynbaum. “Mas a gente tem muito dado, e temos de enriquecer o perfil do consumidor para oferecer coisas que façam mais referência às necessidades individuais dele. Não estamos mais na fase da customização, mas sim da personalização.” Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O Boticário trabalha com vários canais de venda. A fusão de todas as opções ao e-commerce gerou alguma dor ao grupo?Acho que houve uma dor com o e-commerce lá atrás, no começo dos anos 2000. As empresas pensavam que iria acabar o mundo, que as lojas não iriam existir. Nós nunca tivemos essa visão. Sempre vimos, em todos os canais de venda, uma oportunidade de relacionamento (com o cliente). No caso da minha principal marca, O Boticário, por causa da capilaridade de lojas, o atendimento do e-commerce é feito pelos franqueados. Se existia chance de atrito ou fricção, (ela foi eliminada).
Como a Beleza na Web, que já nasceu digital, ajuda o grupo como um todo?Fizemos aquisições de maior porte. A Vult, há dois anos, e agora a Beleza na Web. Pela característica de nossas marcas proprietárias (criadas pelo grupo) – em especial O Boticário, que tem uma loja a uma distância média de cerca de 3 km de cada brasileiro -, o e-commerce não era muito demandado. A Beleza na Web traz uma oportunidade de explorar um negócio (novo). Num primeiro momento, essa aquisição vai ajudar mais a The Beauty Box, que também trabalha com perfumes de diversas marcas, mas traz uma oportunidade de aprendizado para os outros negócios também (O Boticário ainda é dono de Eudora e Quem Disse, Berenice?).
Como os novos negócios ajudam o grupo a testar modelos digitais?Quando decidimos criar o grupo foi justamente para a gente poder entender o atendimento de diferentes consumidores e diferentes perfis de valor. Era também uma chance de experimentar novos modelos. O Boticário é um navio muito grande – toda mexida tem um grande impacto. Com as marcas menores eu tenho mais liberdade para fazer testes. É um ambiente de experimentação muito importante.
Como o ambiente digital ajuda o grupo a testar e conhecer produtos?Para algumas pessoas, digital é aplicativo. Para a gente, a tecnologia tem de estar em todas as pontas do processo. Posso usá-la para fazer análise de dados, previsão de demanda, organizar o processo fabril. Posso complementar a experiência na loja no comércio eletrônico. Afinal, o celular é hoje uma extensão do corpo humano. Podemos proporcionar que a cliente veja o resultado de uma maquiagem por meio de um app, mas também podemos ter o espelho digital na loja.
Como o conceito de trabalho do setor de tecnologia está sendo implantado no Grupo Boticário?Antes, as empresas tinham “silos”. O pessoal de tecnologia ficava isolado e angariava os pedidos dos diferentes setores. Hoje, tudo precisa ser mais dinâmico. Por isso, é preciso colocar tecnologia junto com as áreas de negócio, com metas comuns. É preciso acelerar desenvolvimentos. Temos um “lab” para o qual eu trago fornecedores que já trabalham conosco, além de novos fornecedores, que podem nos trazer novos serviços. Uma das coisas que estamos trabalhando é no reconhecimento facial, na identificação do consumidor quando ele entra na loja, para que a consultora possa fazer uma abordagem mais assertiva.
Em que estágio está o reconhecimento facial? Estamos testando, desenvolvendo em nosso BotiLabs. A ideia é interagir com as pessoas que estão registradas em nosso programa de relacionamento. Quando ela entrar no ambiente, eu já saberei: esse é fulano de tal. O consultor de loja recebe a informação no celular. Eu vou ter um histórico de compra da pessoa conosco e até um produto de interesse que ela tenha buscado em nossos sites. Essa é a intenção. Ou seja: é uma forma de trabalhar os dados.
E como fazer isso sem ser invasivo?O uso dos dados é um desafio. Não podemos ser invasivos. Temos de enriquecer nossas bases atuais, para saber mais sobre o perfil do consumidor e oferecer a ele coisas que tenham mais relação com as necessidades dele. A customização foi substituída pela personalização da oferta ao consumidor.
Como foi a experiência de desenvolver fragrância por inteligência artificial? Eu achei a experiência fantástica. Uma empresa brasileira ser pioneira num conceito tão inovador quanto esse. Foi um primeiro bom teste da capacidade de desenvolvimento de produtos pela inteligência artificial. Fizemos a linha Egeo, que foi lançada em maio. Mas a inteligência artificial fica mais rica a partir das perguntas que você formula para a base de dados responder. Eu diria que esse nem foi o primeiro passo, foi a primeira ‘andadinha de pé’. A ideia é trazer produtos que sejam realmente inovadores e que tenham benefícios para o consumidor. Isso abriu para nós um portal.
Qual é a relação do grupo com startups? Ele pode comprar empresas? Estamos abertos a quase todos os tipos de modelo de trabalho com startups. Podemos contratar os serviços das startups ou até mesmo comprar 100% de um negócio, com a condição de que o fundador permaneça conosco para implantar a ideia. Temos necessidades específicas, e essas empresas têm respostas específicas, e muitas vezes oferecem soluções bastante efetivas. O BotiLabs pode funcionar como uma incubadora e aceleradora de startups. Temos relacionamento com o Cubo, do Itaú, e também temos observado startups em mercados como China e Israel.
Como é preparar a equipe para um mundo em que a tecnologia tem um papel mais importante para o negócio?A minha geração foi treinada para planejar e depois partir para a execução. Graças a Deus eu matei um pouco essas aulas porque sempre tivemos uma questão muito forte de experimentação no grupo. Hoje se fala que o melhor é errar rápido. Se não acertar, você aprende rápido e corrige. É importante estar evoluindo o tempo todo. Tem uma galera que vem com esse espírito, mas também muita gente que não tem esse pensamento. É preciso compatibilizar esses públicos, identificar quem tem fome de aprender sobre esse mundo novo.
Parte da equipe tem de mudar?Tem de ser transformada. Vamos ter cada vez mais gente de e-commerce, de tecnologia. É preciso revolucionar a forma de atuar de algumas áreas dentro da empresa. Para fazer a transformação digital, temos de lidar com as diferentes resistências e apresentar um novo caminho. Tem gente que vai se adaptar e gente que não. Aí a seleção é feita. Temos coaches de tecnologia para ajudar, mas as pessoas têm de estar dispostas a dar esse passo.
Fonte: Época Negócios