De olho em clientes que buscam qualidade de vida e conveniência, o setor de alimentação saudável (health food), que oferece refeições rápidas como saladas, sucos e wraps, cresce cada vez mais. O sucesso depende de escala e de uma cadeia consistente de fornecedores
Funcional. Vegano. Artesanal. Raw. Prensado a frio. Orgânico. Ser saudável virou hype, e todos esses nomes já saíram do estágio de simples modismo para se incorporar ao estilo de vida dos consumidores que procuram mesclar a boa alimentação com a correria do dia a dia.
É neste ponto que ganha força o segmento de health food (alimentação saudável), nova onda de expansão de restaurantes e redes de refeições rápidas -caso da Saladenha e da Boali, que apostam na busca por bem estar e conveniência como oportunidade de negócio.
Os números confirmam: nos últimos cinco anos, o setor de alimentação saudável registrou um crescimento médio de 12,3% anualmente, e deve continuar a crescer cerca de 4,4% até 2021, segundo estudo da consultoria global Euromonitor.
E o Brasil não está fora dessa: ainda de acordo com o levantamento, trata-se do quinto maior mercado mundial de alimentos e comidas saudáveis, faturando mais de R$ 93 bilhões em 2017.
Apesar de não ser necessariamente uma novidade, essa é uma onda que vem crescendo de maneira consistente e com mais intensidade nos últimos dez anos, segundo Eduardo Terra, presidente da SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo).
Muitas marcas têm até procurado oferecer uma proposta mais fast food à operação -ou seja,proporciona ao cliente a opção de escolher ingredientes do seu prato para ser montado na hora, fazer lanches rápidos ou levar um kit congelado para consumir em casa ou no trabalho.
O modelo, inspirado no mercado americano, procura imprimir padrão, processo e velocidade e conveniência para o consumidor dentro de um contexto saudável, de acordo com o especialista. “O fato de ser artesanal e bom para a saúde não quer dizer que seja demorado, que seja lento, ou que não seja algo estruturado em processo”, diz.
Mas, para ser bem-sucedido neste segmento, é preciso contar com uma cadeia de abastecimento consistente, como a de produtos orgânicos, por exemplo, a fim de ganhar escala e não limitar a oferta do cardápio por falta de ingredientes.
“Ou seja, o ‘fast health food’ seria comida saudável feita com alguma escala, lembrando o desafio que é ter uma escala”, completa Terra.
“McDONALD’S DA SALADA”
Investir em comida rápida e que não precise ser sinônimo de alimentos industrializados e com conservantes. Esse foi um dos pilares que levaram o empreendedor Renato Flora a criar a Saladenha, em 2015.
Tendo como carro-chefe a salada no pote, que, além dos sanduíches e wraps representava sozinha 80% do cardápio, a marca nasceu com a proposta de ser um “Mc Donald’s da salada”, segundo Pedro Almeida, sócio de Flora e diretor de expansão da rede.
“Vendemos no conceito fast food, mas com foco no público que busca uma alimentação diferenciada”, afirma. No caso, esse público é formado principalmente por mulheres de classe B+, com idade entre 25 e 45 anos.
Após firmarem parceria com fornecedores, a rede incluiu no mix uma ampla linha de “marmitinhas” congeladas, com refeições como nhoque de batata doce, hambúrguer de quinoa e feijoada light para comer na hora ou levar para casa. Há também caldos, sobremesas e sucos.Ainda na fase inicial, há três anos, a rede levou um susto.
Com a chegada do inverno, a procura por comida saudável, leve e refrescante caiu. E a Saladenha precisou repaginar o cardápio para se adaptar à sazonalidade. “Ficamos no vermelho, mas foi um período de muito aprendizado”, lembra.
E a Saladenha começou a deslanchar: entre 2016 e 2017 a rede, que tinha cinco lojas, pulou de um faturamento de R$ 400 mil para R$ 1,3 milhão. Também terminou de formatar o processo de expansão via franchising, que inclui lojas e quiosques, além de trabalhar com delivery, canal que hoje representa 50% das vendas da rede, segundo Almeida. “Vamos encerrar 2018 com 24 unidades e um faturamento de cerca de R$ 3,5 milhões”, sinaliza.
BOA+ALIMENTAÇÃO
Outra rede que se repaginou e vai reconquistando o mercado de comida saudável é a Boali (junção reduzida de “boa” e “alimentação”), criada por três sócios que estão entre os precursores do health food no Brasil por trazerem a marca americana Salad Creations para cá, em 2010, como master-franqueados.
Limitados pelo tipo de operação, em que 85% do cardápio era composto por saladas, o grupo decidiu entrar em acordo com a matriz para se desligar aos poucos e assumir a nova operação de forma independente no final de 2015. Desta vez, com outro nome e apostando num cardápio mais variado.
“O consumidor procurava uma alimentação saudável e rápida, mas não necessariamente salada”, conta Victor Giansante, que é presidente e um dos três sócios da Boali, além de membro do Conselho de Varejo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). “O negócio ia bem, mas na época acabamos ficando tachados como uma marca monoproduto”, lembra.
Em resumo, como a antiga marca estava distante do dia a dia da operação brasileira, ficou difícil para ela lidar com um negócio que o consumidor quer, e por isso tem mercado e tem demanda, segundo Eduardo Terra, da SBVC.
“Isso explica o problema da Salad Creations: mesmo com a alta demanda, a oferta era um pouco mais complexa”, diz.
Porém, ao trabalhar todo o ecossistema que envolve alimentação saudável, segundo Giansante, a Boali deu uma reviravolta no próprio negócio ao incluir no cardápio itens como grelhados, crepes chás e sucos naturais, snacks, açaí orgânicos e até sobremesas funcionais como brownie e brigadeiro sem glúten e lactose. “Hoje, apenas 34% do cardápio é de saladas”, afirma.
A nova marca passou a ir além da mera transação de venda de health food para “criar experiências, de acordo com Giansante – o que inclui blitzes de nutricionistas no Instagram para responder perguntas genéricas sobre alimentação, ou ações com personal trainers em shoppings para trabalhar a melhora no estilo de vida dos consumidores.
Também passou a explorar outros canais de vendas, como o televendas integrado ao clube de fidelidade da marca, delivery, vendas pelo whatsapp e a parceria com o marketplace Spoon Rocket que, juntos, respondem por 10% do faturamento da rede.
Atualmente com 34 unidades espalhadas em 10 estados, das quais nove próprias e o restante franquias, a Boali prevê fechar 2018 com 40 lojas e R$ 40 milhões em vendas. Próximos passos? Lançar a versão 2.0 Clube Boali, que inclui funcionalidades como pedido programado. Mas isso somente em 2019, uma vez que o momento atual é de cautela, segundo Giansante.
“Continuamos inaugurando lojas, mas vamos esperar (as eleições de) outubro para decidir onde e como alocar investimentos.”
BOLHA?
Adotar a alimentação saudável como modelo de negócio também pode ser interessante para pequenos empreendedores que, dependendo do nicho, podem se destacar no mercado e faturar milhões – caso da Companhia dos Fermentados, produtora do atualíssimo kombucha.
“É um diferencial e uma grande oportunidade para os pequenos”, diz Eduardo Terra, da SBVC. “Mas como é difícil de escalar, não dá para ter um McDonalds ou um Subway de comida saudável justamente por essa oferta ser mais local, mais regional.”
Essa, aliás, é uma característica que impede, a princípio, que o segmento de health food se transforme uma bolha -como aconteceu com a onda das temakerias e das redes de frozen yogurt ou das paletas mexicanas, afirma.
“Mas, mesmo com uma proposta mais fast, é preciso lembrar da complexidade de operar uma rede de comida saudável, que depende muito de manipulação e mão de obra para funcionar, além do desafio da matéria-prima”, afirma Terra. “Para virar bolha, é preciso ter excesso de oferta, mas isso ainda não aconteceu”, conclui. E saúde é o que interessa.
Fonte: Diário do Comércio