Por Luciana Marinelli | O recuo expressivo nas vendas de roupas, calçados e outros artigos de uso pessoal e doméstico nos oito primeiros meses do ano, divulgado na quarta-feira (18) pelo IBGE, é um fator adicional de pressão para o varejo, que se movimenta para lidar com o aumento da concorrência de produtos importados da Ásia, e corre para alcançar melhores resultados no último trimestre, impulsionado por Black Friday, no fim de novembro, e Natal.
De acordo com dados da pesquisa mensal de comércio, as vendas de tecidos, artigos de vestuário e calçados recuaram 7,5% de janeiro a agosto, na comparação com igual período do ano passado. A retração é maior, de 11,9%, na categoria que engloba outros artigos de uso pessoal e doméstico.
Esses segmentos são centrais na disputa travada entre varejistas nacionais e marketplaces estrangeiros pelo bolso do consumidor. A concorrência se acirrou a partir de setembro, com as primeiras habilitações de empresas para atuarem dentro do Remessa Conforme, programa de conformidade da Receita Federal que garante isenção do imposto de importação para compras de até US$ 50 feitas nas plataformas cadastradas (em contrapartida, as companhias fornecem ao governo informações antecipadas sobre as remessas do exterior).
Shein, Shopee e AliExpress, os três maiores marketplaces asiáticos com atuação no Brasil, já operam dentro do programa. Com uma ação promocional mais agressiva, a Shein ainda subsidia o ICMS de 17% ao consumidor, resultando num produto final sem imposto. Mercado Livre e Amazon também estão habilitadas, mas ainda não informaram o início das vendas dentro do sistema.
As varejistas nacionais e as fabricantes locais se queixam ao governo de falta de isonomia tributária e tinham a expectativa de que essa isenção de imposto de importação fosse interrompida ainda antes de Black Friday e Natal – o que já ficou claro que não ocorrerá. A expectativa agora é que uma tarifa ao redor de 20% seja adotada a partir de 2024, segundo consta no orçamento federal do ano que vem enviado ao Congresso.
Embora já seja melhor para as empresas nacionais do que a isenção, a alíquota de 20% do imposto de importação ainda está longe do que o segmento gostaria. Um levantamento feito pelos analistas do Bradesco BBI, considerando 2 mil itens em sete categorias de produtos, mostrou que especialmente o varejo brasileiro de moda precisaria de uma taxa de importação de 60%, em remessas de até US$ 50, para voltar a ser competitivo frente à chinesa Shein.
“Nosso mapa de preços de vestuário mostra que ‘players’ locais, como Renner, precisariam do imposto de importação de 60% reintegrado” para competir com a Shein. “Nós consideramos esse cenário de tributação possível, mas não provável”, escreveram os analistas Pedro Pinto, Felipe Cassimiro, João Andrade e Renan Sartorio, em relatório publicado no fim de setembro.
Antes da isenção para compras até US$ 50, o imposto de importação para o comércio eletrônico era de 60%. Mas havia muita evasão fiscal nessas remessas: fraudes eram cometidas por vendedores estrangeiros que se identificavam como pessoas físicas (e não empresas) em plataformas internacionais de venda para fugir da tributação. A intenção do governo com o Remessa Conforme, em vigor desde 1º de agosto, é combater essas brechas nos controles de importação.
Com o programa, os marketplaces passam a ter de informar com antecedência os dados relacionados aos produtos importados que serão trazidos por meio de suas plataformas. A isenção inicial da alíquota de importação foi uma forma de estimular, na visão do governo, a adesão a esse sistema de conformidade.
Diante do que considera uma concorrência desleal, o varejo nacional não está parado e começa a agir em duas frentes: criar suas próprias plataformas de venda de mercadorias importadas (o chamado “cross border”) ou intensificar a compra de produtos do Mercosul, especificamente do Paraguai, onde há incentivo fiscal para produção local, conforme reportagem desta semana das repórteres Adriana Mattos e Mônica Scaramuzzo. Em ambos os casos, o preço final do produto fica menor do que o fabricado no Brasil, considerando impostos e outros custos de produção local.
Conforme mostrou a reportagem, entre as redes que estão na fase de montagem de plataformas com lojistas internacionais ou na etapa de estudos estão Magazine Luiza, Riachuelo, Petz, Soma e Renner. Ao mesmo tempo, Renner e Riachuelo também trabalham para intensificar as compras do Mercosul.
Apenas Magazine Luiza, conforme publicado pelo Valor, confirmou que fará pedido para adesão ao Remessa Conforme e ampliará sua operação “cross border” para trazer ao país também produtos asiáticos, em especial da China. As demais empresas não se manifestaram.
O cenário que se avizinha, portanto, é de mais competição e mais pressão sobre as margens das varejistas nos últimos meses do ano.
Fonte: Valor Econômico