Por Ana Luiza de Carvalho
O mercado de “beleza limpa”, que reúne produtos livres de insumos artificiais, deve alcançar US$ 22 bilhões em todo o mundo até 2024, de acordo com dados da consultoria Statista. No Brasil, onde esse segmento passa por uma fase de profissionalização de marcas artesanais, não há dados sobre o tamanho do mercado, mas empresas tradicionais do varejo e da indústria estão investindo nesse filão.
A denominação beleza limpa, ou “clean beauty” no jargão do setor, abarca produtos livres de fragrâncias artificiais, corantes, ingredientes petroquímicos como petrolato, conservantes do tipo parabeno, agentes de limpeza da categoria sulfatos e mais de 600 outros ingredientes considerados perigosos ou, no mínimo, controversos.
A rede de perfumarias Soneda é uma das empresas que apostam nesse tipo de produto. Dedicou um espaço de 470 metros quadrados em sua loja-conceito de 1,8 mil metros quadrados na avenida Paulista, em São Paulo, para abrigar 20 marcas do segmento.
Como a legislação é pouco clara, as empresas que operam no segmento de beleza limpa costumam buscar certificação de auditorias especializadas como a francesa Ecocert. O selo internacional Cosmos, concedido por ela, avalia fatores como a rastreabilidade das matérias-primas, se a embalagem é reciclável e se produto respeita a biodiversidade.
O diretor da Soneda Perfumaria, Minoru Kamachi, diz que o objetivo é apoiar marcas que nasceram com o propósito de formulações mais limpas e de sustentabilidade em toda a cadeia. Após seis meses ocupando o espaço na loja, as marcas que se mostrarem viáveis comercialmente devem integrar o portfólio de vendas da rede Soneda, com 40 pontos de venda no país. Segundo o diretor, as integrantes do hub representam hoje 4% das vendas totais da loja.
Diversas empresas no país têm aderido ao conceito de ‘clean beauty’, que exclui mais de 600 ingredientes
Uma das dificuldades do segmento, segundo Kamachi, é o caráter ainda artesanal das marcas. “Muitas das empresas estão bem intencionadas mas são muito pouco estruturadas, várias nem tinham códigos de barra nos produtos”, exemplifica.
A Soneda investiu R$ 500 mil na compra do estoque de produtos das 20 marcas e montou uma vitrine especial. A varejista investiu R$ 2 milhões na infraestrutura do segundo andar da loja. “Utilizamos madeira de reúso, não podíamos ter faixa plástica e as tintas têm que ser à base d’água. Não faz sentido só lançar uma linha de xampu, queremos salvar o cabelo da cliente e o planeta também”, disse. O investimento total na loja-conceito foi de R$ 10 milhões, informou a Soneda.
Uma das 20 marcas que integram o projeto é a Baims, de maquiagem, criada pela brasileira Luisa Baims e seu marido Bernd Albrecht. Os produtos são formulados e produzidos majoritariamente na Alemanha, onde Luisa mora atualmente, e em outras fábricas na Europa. A marca foi lançada em 2017 no Brasil. “O mercado de beleza natural [no Brasil] ainda não se desenvolveu com tecnologia, expertise e mão de obra como na Europa, e isso é muito importante para que a gente consiga entregar esse produto ao consumidor. É um mercado muito ‘nichado’, mas em 2017 era ainda mais, não tinha oferta de produtos, era uma coisa artesanal”, diz a diretora da Baims, Mariana Maduro.
De lá para cá, a Baims iniciou sua venda em site próprio e de parceiros. A empresa abre nesta semana uma loja-conceito no bairro da Vila Madalena, na capital paulista. A primeira loja física em atividade fica em Cerqueira César, também em São Paulo. A Baims não revela o faturamento do último ano, mas diz que a receita bruta em 2023 deve crescer 45% em relação a 2022.
A Simple Organic também começou a operar no Brasil com a produção do exterior. O portfólio começou com dermocosméticos e hoje inclui categorias como maquiagem e produtos para cabelos. A fundadora Patrícia Lima conta que, devido às dificuldades de encontrar instalações fabris brasileiras adequadas ao propósito da Simple Organic, a operação começou na Itália. Até então atuante em publicidade, Lima diz que os primeiros anos de produção foram bancados pelas receitas da agência. O fluxo de caixa da Simple Organic não era suficiente para custear a operação.
Mas seu desempenho chamou a atenção do mercado tradicional e, no fim de 2020, a Hypera Pharma comprou a marca. Depois, começou a contar com a megaestrutura da farmacêutica, e sua fundadora diz que as formulações ficaram inalteradas. “Seguimos com nossa identidade, operando completamente diferente, mas estou vivendo meu sonho porque hoje temos a robustez do grupo”, diz.
A Sephora também olhou para o mercado de beleza natural, em 2013, ao incluir a Feito Brasil em seu portfólio de estreia no país. A marca é produzida em uma empresa familiar, a Casa Feito Brasil, que abriga a Quintal Dermocosméticos. O CEO do grupo Casa Feito Brasil, Giulio Peron, conta que a Quintal nasceu como uma forma de expandir as operações, considerando que a Feito Brasil contava à época com um acordo de exclusividade com a Sephora.
Gerenciar uma indústria do setor de beleza era um sonho de infância da fundadora da rede e mãe de Giulio, Lena Peron, que chegou a criar sociedades com outros investidores e ter uma marca de produtos para cabelos distribuída em supermercados locais. A virada de chave veio com a parceria com a Sephora. Hoje, a rede de varejo francesa conta também com um selo de beleza limpa para outras marcas que compõem o portfólio.
Giulio Peron diz que uma possibilidade de expansão para os próximos anos é usar sua fábrica, que possui certificação Ecocert, para produzir rótulos de terceiros. “O Brasil tem muito disso de olhar para fora, mas nós somos um laboratório brasileiro, estamos na briga com marcas de dermocosméticos internacionais”, afirma.
Rose Bezecry, aromaterapeuta e fundadora da Cativa Natureza, defende o caráter artesanal como norte para sua marca. A Cativa foi fundada em 2008, com uma loja no Mercado Municipal de Curitiba, e além de utilizar produtos naturais também tem a certificação orgânica IBD, concedida pelo Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural.
O portfólio conta com produtos para cabelos, dermocosméticos e maquiagem. A Cativa, que há nove anos tem uma loja física em Fortaleza, projeta crescimento de 35% na receita bruta deste ano, após alta de 28% em 2022. “Nosso crescimento poderia ser maior mas há uma dificuldade de custos com matérias-primas. Um material orgânico é em média 30% a 40% mais caro que uma matéria-prima natural convencional, mas não se trata só de lucro”, afirma.
Por Valor Econômico