Por Mônica Scaramuzzo, Fernanda Guimarães e Adriana Mattos.
Pressionada por dívidas que vencem no curto prazo, a rede de moda feminina Lojas Marisa contratou o banco de investimentos BR Partners e a consultoria especializada em empresas em crise Galeazzi Associados para mudar o perfil de seu endividamento e reestruturar seu negócio. As ações ordinárias da empresa fecharam o pregão desta quarta-feira a R$ 1,06, com queda de 6,2%. Em 12 meses, os papéis acumulam desvalorização de 67%, de acordo com levantamento do Valor Data.
Dias antes de estourar a crise da Americanas, há quatro semanas, executivos da companhia fundada pela família Goldfarb estavam em contato com empresas especializadas para abrir conversas com bancos credores, segundo fontes. E, desde então, a Marisa está encontrando resistência de parte das instituições financeiras por conta da escalada dos problemas na Americanas, que em 11 de janeiro informou um rombo de R$ 20 bilhões, construído ao longo de vários anos em seus balanços.
Os bancos Fibra, da família Steinbruch (dona da CSN), e Safra estão entre os maiores credores financeiros da Marisa.
O banco Safra, que tem forte exposição na Americanas, de cerca de R$ 2,5 bilhões, estaria menos flexível à renegociação de prazos, afirmaram pessoas familiarizadas com o tema. O banco teria fechado sua torneira de crédito e estaria mais duro com os devedores.
Uma das mais tradicionais varejistas de moda feminina do país, voltada para a classe C, a Lojas Marisa divulgou, no terceiro trimestre, que sua dívida líquida era da ordem de R$ 566 milhões.
Segundo uma fonte próxima à rede, a empresa já vinha sendo impactada pelos efeitos da pandemia no comércio e, mais recentemente, pelo ambiente de consumo fraco. “Um alongamento já se tornava inevitável, mas foi acelerado pela crise de crédito criada pelo evento da Americanas”, disse.
De acordo com essa pessoa a par do assunto, o passivo do varejista de moda é pequeno pelos parâmetros de mercado e está distribuído entre nove bancos, sendo que a maioria estaria disposta a apoiar um plano de reperfilamento. “Não há expectativa de ‘haircut’ (desconto) no valor da dívida por parte dos acionistas controladores”, disse.
Em fato relevante divulgado na noite desta terça-feira, a companhia também informou que, além de ter contratado a BR Partners e a Galeazzi, o conselho de administração do grupo acatou os pedidos de renúncia do presidente-executivo da rede, Adalberto Pereira Santos, e do membro do conselho de administração Marcelo Adriano Casarin.
A rede de moda disse que já iniciou o processo de seleção do novo presidente e que, interinamente, o cargo será ocupado pelo atual vice-presidente comercial, Alberto Kohn de Penhas.
Nos últimos anos, a família Goldfarb também tentou buscar um sócio relevante e até mesmo a venda de controle para concorrentes. Em 2021, a rede de moda contratou o Lazard para buscar um investidor estratégico.
A lojas Americanas– que à época ainda era conhecida por uma gestão agressiva de expansão e não tinha seus três principais acionistas Carlos Alberto Sicupira, Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles na berlinda – chegou a firmar um contrato preliminar para avaliar o negócio, mas as conversas não foram adiante. O negócio chegou a ser oferecido para as varejistas Lojas Renner e Magazine Luiza, mas estas não engajaram nas conversas.
Dois anos antes, a empresa conseguiu acessar a bolsa por meio de uma oferta subsequente de ações (“follow-on”), quando embolsou cerca de R$ 500 milhões, o que deu algum fôlego financeiro na época.
Entre agosto e setembro do ano passado, executivos da rede passaram a sondar o mercado sobre espaço para renegociação de dívidas e ampliação nos prazos de pagamentos. Em outubro, começaram a circular as primeiras informações no mercado de que a Marisa já estaria abrindo conversas com bancos credores, após aumento das despesas financeiras com a alta da taxa Selic. Além disso, o Ebitda (lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortização) pressionado, com vendas afetadas pelo consumo ainda em lenta recuperação, teria elevado índices de alavancagem da rede.
No fim de dezembro, executivos da empresas mantiveram conversas com consultorias especializadas em reestruturação para dizer que queriam manter um canal aberto com os credores, para renegociar o perfil de suas dívidas, afirmaram fontes.
Entre seus concorrentes e no mercado financeiro, a Marisa é vista como um grupo de moda que não soube se reinventar e foi perdendo espaço. Com a pandemia, a empresa também viu seu negócio encolher diante da maior agressividade de vendas dos seus principais rivais pelos canais digitais.
Desde que anunciou a profissionalização de sua gestão em 2016, com a saída de Marcio Goldfarb da presidência da companhia, a varejista já trocou de CEO quatro vezes – o último movimento foi anunciado na noite desta terça-feira.
Marcelo Araújo foi o primeiro executivo fora da família a assumir o comando do negócio. Em 2018, ele deixou a empresa para comandar a rede de postos Ipiranga. Depois dele, Marcelo Pimentel ficou à frente da rede, mas deixou a varejista de moda em março de 2022 para assumir o GPA (Grupo Pão de Açúcar).
Sem um nome de peso do mercado de moda, a família optou por uma solução caseira. Adalberto Pereira dos Santos, que era o principal-executivo financeiro (CFO) da rede, assumiu o comando da Marisa.
No fim do anos 1990, a família Goldfarb já tinha amargado uma forte crise no varejo, quando encerrou as atividades da Lojas Brasileiras, conhecida como Lobrás, por conta de suas operações deficitárias. A Lobrás, que fechou em 1999, era uma rede de departamento que vendia produtos diversos em 63 pontos distribuídos em 19 Estados.
O receio de um novo fracasso no varejo levou a companhia a buscar ‘reestruturadores’ para seu negócio. Os resultados do terceiro trimestre de 2022 soaram como um forte alarme. No período, a Lojas Marisa encerrou com prejuízo de R$ 97,5 milhões, revertendo o lucro líquido de R$ 44,4 milhões obtido no mesmo período do ano anterior.
Os resultados da companhia foram impactados pelo aumento de despesas financeiras, impulsionadas pelo aumento da taxa de juros. A receita líquida do varejo no mesmo período recuou 5,1%, para R$ 503,1 milhões, com as vendas mesmas lojas com queda de 4,9%. As vendas do canal digital foram 43,8% menores do que as apresentadas no ano anterior.
Procurada, a rede varejista afirmou que já se pronunciou por meio de fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na terça-feira à noite e que não há mais informações a acrescentar no momento. O banco Safra não comentou o assunto.
O banco Fibra não respondeu aos pedidos de entrevista até a publicação desta reportagem. Após, a publicação, enviou o seguinte comentário: “O Banco Fibra declara que não é um dos maiores credores da Lojas Marisa. A exposição do Fibra ao total da dívida bruta da varejista não é material. O setor de comércio varejista representa apenas 0,9% dos ativos de crédito do banco.”
Fonte: Valor Econômico