Depois de buscar no atacarejo a alternativa para reduzir as despesas, equilibrar o orçamento e minimizar os impactos da recessão econômica pela qual o Brasil passou em 2015 e 2016, o consumidor não dá sinais de querer mudar de hábito e voltar a abastecer a dispensa com compras no supermercado ou hipermercado. Em 2017, segundo dados da Euromonitor International, empresa especializada em pesquisas de estratégias para o consumo, o atacarejo cresceu 11% no país e gerou vendas de R$ 48,4 bilhões.
No varejo alimentar, sgmento do qual fazem parte os supermercados, hipermercados, lojas de conveniência e aquelas especializadas em alimentos e bebidas, o desempenho foi mais baixo, com alta de 3,7%. Com esse resultado, o atacarejo responde hoje por 5% do total de vendas. Segundo a Euromonitor International, mesmo com a recuperação da economia – ainda lenta –, o atacarejo continuará a aumentar sua relevância nos próximos cinco anos.
Responsável pela pesquisa, Marília Borges projeta que o crescimento médio anual das vendas ao consumidor final será de 6% até 2022 (descontada a inflação, a preços constantes de 2017). Em seu relatório, a especialista diz que os clientes deverão manter o hábito de fazer as compras no atacarejo e “dificilmente retornarão para os supermercados e hipermercados no curto prazo”.
O levantamento desconsidera as vendas no canal B2B, ou seja, entre o varejista e o pequeno comerciante que revende as mercadorias. Nesse cenário, o canal de distribuição que continua a perder espaço é o de hipermercados, o qual vem apresentando taxas de crescimento menores e, em alguns casos, tem sido transformado em atacarejo, como fez o Grupo Pão de Açúcar (GPA) com unidades da rede Extra convertidas em Assaí.
Para tentar melhor o desempenho, o Assaí decidiu apostar na oferta de cartões de crédito de bandeira própria, em parceria com a Mastercard, que permitem que o cliente Pessoa Física pague o mesmo preço de atacado, mesmo levando apenas uma unidade, da mesma forma que o pequeno comerciante que tem CNPJ e compra em um volume maior. O produto financeiro foi lançado em junho do ano passado e hoje já é oferecido em todas as 128 lojas, em 19 estados. Em quase um ano, foram emitidos 300 mil cartões com a marca Passaí.
“O número de cartões foi acima do esperado”, diz José Marcelo Santos, diretor financeiro do Assaí. Assim como mostrou a pesquisa da Euromonitor Internacional, o executivo também acredita que os novos clientes do atacarejo não migrarão de volta para os hipermercados e supermercados à medida em que a economia melhorar. “Eles encontraram preços mais atrativos e vão permanecer”, avalia.
O lançamento do cartão, segundo Santos, é uma forma de fidelizar a pessoa física que compra no atacarejo. “Em um momento de concorrência crescente, é preciso usar mais criatividade na hora de procurar mecanismos que aumentem a adesão ao negócio”, afirma o executivo, que planeja abrir 20 lojas da rede em 2018.
Desafiador
Presidente do Atacadão, comprado em 2007 pelo Carrefour, Roberto Roberto Meister Müssnich discorda da estratégia do concorrente de oferecer as mesmas condições de preço para todos os perfis de clientes. “Pode até ser uma alternativa no futuro, mas agora acredito que esse tipo de cartão que garante o mesmo preço para o pequeno comerciante e o consumidor final tira a competitividade de quem compra produtos para revender. Como ele vai ganhar dinheiro se pagará o mesmo que o cliente pessoa física? Não acho justo ou conveniente neste momento”, analisa.
O Atacadão não aceitava pagamentos com cartão de crédito até lançar, em maio de 2017, um produto em parceira com o Banco Carrefour. Segundo Müssnich, o maior risco nesse tipo de produto financeiro dentro da operação de atacarejo é aumentar o custo de operação do negócio ao repassar a despesa financeira para os produtos. Nesse caso, de acordo com o executivo, foi possível estruturar um cartão com custo equivalente ao do modelo usado para débito, o que tirou o risco de impacto financeiro. Até dezembro do ano passado a empresa emitiu 1 milhão de cartões (eram esperados 300 mil) e a previsão é chegar ao fim do ano com 2 milhões.
Müssnich sabe que o crescimento do atacarejo nos últimos anos intensificou o apetite dos concorrentes. Para o presidente do Atacadão, não dá para trabalhar com a hipótese de blindar o negócio da ação dos adversários ou ampliar demais os produtos e serviços oferecidos na tentativa de fidelizar o consumidor. “A estrutura tem de se manter simples nesse tipo de negócio, do contrário não dá para oferecer o preço mais baixo. Por isso, não trouxemos para dentro das lojas a manipulação de alimentos, como padaria e açougue, porque isso aumenta a estrutura e os custos. Os clientes têm de reconhecer a marca pelo que ela é e oferece. Não adianta querer abraçar tudo.”
Presente em 15 estados, como São Paulo, Minas Gerais e Goiás, e no Distrito Federal, a rede conta com 152 unidades de autosserviço, 23 centrais de atacado e uma unidade da bandeira Supeco. Assim como o Assaí, a previsão no Atacadão é abrir 20 unidades em 2018. Müssnich acredita que agora, com os sinais de melhora da economia, o grande desafio será, apesar da deflação no preço dos alimentos, vender mais e aumentar a produtividade das lojas. “O ambiente é desafiador”, admite.
Campanha
No Makro, empresa do grupo holandês SHV que está há 46 anos no Brasil, 2018 não trará expansão do número de unidades – hoje são 72 –, mas servirá para pensar em estratégias tanto para manter os novos clientes pessoa física, chamados de “família”, quanto para ampliar as comodidades para os pequenos comerciantes, explica Ricardo Fojo, diretor de marketing da companhia.
A empresa lançou recentemente uma campanha para divulgar que também oferece o serviço para os consumidores que precisam de mercadorias para abastecer sua casa. Foi uma forma, segundo o executivo, de aproveitar o bom momento desse tipo de canal de vendas. Mas o principal cliente ainda é o pequeno negócio, que responde por cerca de dois terços dos negócios. Tanto é assim que a empresa lançou em 2016 o Makro Food Service, que faz o atendimento de porta em porta desse consumidor, com um vendedor tirando pedidos e entregando as encomendas. A expectativa é de ampliação desse serviço, mas os planos não foram divulgados.
A onda do atacarejo, segundo Fojo, vai continuar. “As pessoas viram que é possível economizar nesse tipo de compra e, mesmo com a volta do crescimento econômico, vão continuar buscando alternativas para gastar menos e ter uma sobra de caixa para fazer outras coisas, como viajar”, afirma.
Busca pelo benefício do ‘mais por menos
O atacarejo, tipo de loja com um conceito mais simples, custo de operação menor e preços em média 15% mais baixos, é um modelo de atendimento que, segundo Eduardo Yamashita, diretor de operação do grupo de consultoria GS&Gouvêa de Souza, combina bem com períodos de crise na economia. Por isso, ganhou espaço nos últimos anos. “Em épocas assim o cliente fica mais racional e quer levar mais por menos. Agora, o consumidor que emerge dessa crise já passou por novas experiências e não vai trocá-las por hábitos pré-crise”, avalia o especialista.
No outro extremo, segundo Yamashita, estarão os supermercados, que vão continuar a atender a necessidade imediata dos clientes. No meio do caminho, estão os hipermercados, que perderam um pouco da função com as mudanças no perfil de consumo e de renda. “Enquanto tentam encontrar um novo papel, eles deixaram de crescer”, afirma.
Yamashita acredita que o atacarejo continuará a ganhar espaço. “Como não há uma demanda reprimida, veremos, com o aumento da concorrência, uma loja roubando cliente da outra. Apesar disso, ainda há muita oportunidade e isso pode atrair novos competidores, inclusive estrangeiros”, observa.
O presidente da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, Emerson Destro, também está convicto que os atacarejos não perderão fôlego. Ele lembra que 75% da população brasileira ganha menos de R$ 3 mil por mês, o que faz com que o preço seja um fator relevante no orçamento familiar. “Mas nesse tipo de canal de venda nem tudo é mar de rosas. Muitos se animam com o desempenho do setor e abrem uma loja. Tem caso de concorrente separado apenas por uma parede. Alguns simplesmente não aguentam e têm de fechar as portas”, ressalta.
Para Nuno Fouto, diretor vogal do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar) e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, o atacarejo deve se firmar ainda mais nos próximos anos, inclusive com a chegada de novas bandeiras. “Para se diferenciar, algumas marcas podem investir em mais serviços e no aumento do mix de produtos, que é bem reduzido na comparação com os hipermercados. Mas isso terá de ser feito sem que haja impacto no custo da operação e, consequentemente, no preço final da mercadoria. Afinal, preço é o grande diferencial do atacarejo”, lembra.
Fonte: Estado de Minas