O formato de loja que mais cresce no setor tem atraído investimento de muitas redes em todo o Brasil. Mas será que todas estão preparadas para operar lojas desse tipo?
“Todo mundo pode construir um atacarejo, mas ter uma boa operação é outra coisa”. A afirmação foi feita por Noël Prioux, CEO do Grupo Carrefour no Brasil, em um evento no mês de março, conforme noticiou o Portal SM. Para o executivo, a expertise e a escala do Atacadão, bandeira de cash & carry do Grupo, são diferenciais competitivos diante da concorrência com as redes regionais no segmento. “O cash & carry é um formato muito difícil de se trabalhar. A forma de comprar, por exemplo, é diferente da maneira do varejo”, afirmou. O executivo também enfatizou a necessidade de ter escala para garantir preços realmente competitivos e diluir custos operacionais. Segundo ele, os dois maiores players do formato (Atacadão e Assaí) abrem em torno de 15 a 20 lojas ao ano, número difícil de ser alcançado pelas regionais. Claro que Prioux tem motivos para valorizar o trabalho da empresa que comanda, mas a opinião de um executivo desse porte é ótimo ponto de partida para refletir sobre o cenário do atacarejo. Quando analisamos os números de crescimento, a distância não é tão grande. Dados do 47º Ranking de SM mostram que Atacadão e Assaí avançaram 10,83% em termos reais em 2017, enquanto os atacarejos operados pelos regionais tiveram alta real de 9,74%. Há, porém, diferenças em indicadores importantes de produtividade, como as vendas/m2: média de R$ 37.784 para os gigantes, desempenho 37% superior aos R$ 27.648 obtidos pelos atacarejos regionais.
Ouvimos quatro especialistas em varejo para entender se, de fato, é mais complicado uma rede regional obter sucesso com o cash & carry. Com o perdão do spoiler, a resposta deles à pergunta do título é: não, o atacarejo não é uma ilusão para os regionais. Muitos, inclusive, já são bem-sucedidos com o formato. Mas o bom desempenho depende de alguns fatores.
É mais difícil para os regionais?
Alexandre Horta, diretor de consultoria da área de varejo e consumo da PwC, não considera que o formato seja especialmente mais difícil para os regionais. Para ele, dificuldades ocorrem sempre que não há uma experiência prévia de operação no formato. Segundo o especialista, esse problema pode ser minimizado pelo fato de hoje estarem disponíveis no mercado profissionais que acumulam expertise adquirida nos atacarejos das grandes redes. A evolução do setor nos últimos anos também ajuda. “Há 15 anos os regionais não tinham sequer centros de distribuição e não movimentavam cargas paletizadas”, exemplifica Horta. “Hoje já têm logística em CD verticalizada, já sabem como abastecer uma área de vendas com características típicas de um CD, como é o caso das lojas de atacarejo”, completa. Obter escala na compra de produtos é um dos grandes desafios dos atacarejos regionais, reforça Lauro Junior Bueno, diretor da consultoria de varejo Unitrier. Afinal, preços atrativos são essenciais para o sucesso do formato junto ao consumidor final e também à parcela do público formada por transformadores e varejistas de pequeno porte, que buscam se abastecer em estabelecimentos nos quais têm certeza de que pagarão menos. “Essas situações demandam negociações agressivas e nem sempre os regionais contam com o mesmo poder de compra das grandes redes”, destaca. Bueno relata que houve quem investisse na abertura de atacarejo numa espécie de efeito manada, sem que a empresa estivesse totalmente preparada para uma operação tão diferente. No entanto, o diretor da Unitrier pondera que não observou nenhum caso de total fracasso. Entre seus clientes, os problemas encontrados eram todos passíveis de serem ajustados.
Os regionais estão hoje mais preparados para entrar num segmento como o atacarejo. Contam, por exemplo, com CD e trabalham com carga paletizada
Particularidades do formato devem ser respeitadas
Um dos erros mais comuns é ignorar características essenciais do formato cash & carry, como custos baixos, pouco ou nenhum serviço, número limitado de SKUs, área de vendas despojada, entre outras. Como as margens são bem baixas e a aposta é no giro de grandes volumes, errar a mão em um ou vários desses fatores traz consequências diretas nos resultados.
Profissional com larga experiência no setor varejista, Renato Giarola lembra que o custo operacional de um atacarejo deve ficar em torno de 10%, com algumas redes conseguindo índices ainda mais baixos. O ex-diretor comercial das redes Dia% e GPA ressalta que aumenta o desafio de manter esse baixo custo, essencial para os bons resultados, se a loja começar a agregar serviços demais, como disponibilizar itens transformados, contar com açougue e padaria com atendimento, entre outros.
Equívocos assim não são raros nas redes regionais. Lauro Júnior Bueno, da consultoria Unitrier, conta uma situação típica: uma rede com cinco supermercados decide abrir a sexta loja no formato atacarejo. Com o tempo, os clientes começam a pedir serviços com os quais estão acostumados nas unidades de supermercado. A rede cede aos pedidos, e isso acaba por comprometer os resultados, uma vez que as margens no atacarejo são bem inferiores às praticadas nos supermercados. É importante que a gestão fique atenta a isso.
Flávia Takey, sócia do BCG, especialista em varejo e bens de consumo, lembra que esse é um formato com possibilidades fantásticas, desde que aplicado de ponta a ponta. “É preciso ter um modelo comercial e de logística que sustente a diferença de preço em relação a outros formatos”, analisa a sócia do BCG. Na estrutura de uma rede supermercadista, as políticas comerciais adotadas para a operação de atacarejo devem ser diferentes, destaca a especialista.
E se existem dificuldades, também há vantagens para os atacarejos regionais. A sócia do BCG lembra que eles conhecem bem não só o consumidor local, mas as especificidades do mercado de abastecimento da região. Muitos conquistaram, ao longo dos anos, relações estreitas com fornecedores locais e conseguem negociar boas condições e receber produtos direto nas lojas – apenas para citarmos alguns exemplos. Enquanto nos grandes, uma série de decisões depende da matriz, os regionais têm facilidade para manter um sortimento focado nas preferências locais. “Muitas negociações acontecem regionalmente. Em diversas regiões há marcas que naquele mercado são mais fortes do que as nacionais”, afirma Flávia Takey.
Viabilidade de novas lojas
O crescimento do atacarejo tem convencido muitos varejistas a aderir ao formato. Mas cada abertura deve considerar a análise que mostre a viabilidade do investimento. Renato Giarola, ex-diretor comercial do Dia% e do GPA, explica que o raio de influência de uma loja desse formato costuma ser maior que os formatos menores, alcançando distâncias de até 5 km ou mais, dependendo do ponto e das características do local, como concorrência, acessibilidade, visibilidade, força da marca, etc. O importante, explica, é observar principalmente quatro aspectos dentro desse raio de influência. Dois são a densidade demográfica e a renda per capita, itens que revelam o potencial de consumo da região. Outro é a acessibilidade, que indicará a praticidade para o cliente. O quarto fator é a saturação da concorrência, responsável por mostrar se realmente há ali espaço para uma inauguração no formato atacarejo ou de outro formato.
No interior do país, características específicas da cidade e de seus acessos precisam ser consideradas, pontua Bueno, da Unitrier. Por exemplo: municípios menores, sem fácil ligação por rodovia, podem ter dificuldades para atrair clientes e para receber produtos, comprometendo a negociação de grandes volumes.
Futuro do formato
Toda essa análise é fundamental antes de o varejo sair inaugurando, mas o modelo atacarejo tende a continuar sendo alvo de investimentos em diversas partes do Brasil. Dados do Ranking de SM mostram que, no ano passado, as redes regionais tiveram saldo positivo de 56 lojas, totalizando 247 unidades do formato.
Flávia Takey, sócia do BCG, recorda que grandes crises mudam culturalmente o comportamento de consumo, e os novos hábitos não costumam ser abandonados rapidamente no pós-crise. “Quem descobriu que comprar no cash & carry faz sobrar mais dinheiro tende a seguir visitando essas lojas no curto e médio prazo”, acredita a especialista em bens de consumo e varejo.
Para Alexandre Horta, da PwC, caso os empresários do setor continuassem ganhando muito dinheiro com as lojas focadas em varejo, como acontecia, por exemplo, entre 2010 e 2012, pensariam muito mais antes de se arriscar em outro formato. “Com os anos de crise, foi preciso rever decisões. E o atacarejo nadou de braçada porque o modelo se mostrou interessante”, destaca Horta. O diretor da PwC lembra que o atacarejo ocupa no Brasil o espaço que é das lojas de hard discount em países da Europa e da América do Norte. Atende um grande grupo de consumidores interessado em pagar menos, mesmo que para isso tenha de abrir mão do conforto. Um ponto importante na sua expansão, analisa o consultor, foi o apoio da indústria, interessada em balancear o peso dos canais de distribuição, deixando de ficar nas mãos das grandes redes varejistas, que não paravam de elevar exigências para fechar acordos comerciais. Horta lembra, porém, que, por meio de aquisições, grandes redes entraram forte no segmento de atacarejo e hoje estão consolidadas nesse formato.
Nunca é demais, portanto, monitorar o desempenho do atacarejo. Mas em um País com população enorme, e grande parte dela com baixo poder aquisitivo, um formato que é sinônimo de economia para tantos clientes deve seguir sua trajetória de sucesso por um bom tempo.
Fonte: Supermercado Moderno