Após comprar 70 lojas do Extra Hiper, rede de atacarejo passa a converter unidades de olho em público de maior renda
Por Lara Sant’Anna
O presidente da rede, Belmiro Gomes, tem calculado os riscos das mudanças. “Não iremos dicionar serviços que elevem custos. Porque aí se perde a proposta de valor”, afirmou.
Poucos serviços, estrutura simples e preços baixos. Essas características definiram os atacarejos por anos. Simplificar a embalagem e investir na quantidade sempre foi a fórmula para garantir os valores competitivos que atraem o público aos estabelecimentos. Mas a rede Assaí tem desvirtuado esse conceito. Aproveita a popularidade do modelo de compra e as localizações privilegiadas conquistadas com a aquisição dos pontos que antes pertenciam ao Extra Hiper. As novas lojas investem em serviços como açougue, padaria e carregadores para carros elétricos no estacionamento, além de disponibilizar mais produtos com uma variedade de marcas antes difíceis de encontrar em lojas focadas em vendas de alto volume. Com essas versões 2.0, o Assaí busca alcançar os R$ 100 bilhões em faturamento até 2024 – atualmente são R$ 60 bilhões – e até o fim do ano inaugurar 40 unidades, média de dez lojas por mês.
Decisiva neste novo momento do grupo, a compra das lojas do Extra ocorreu em 2021, após a descontinuidade da bandeira, em uma transação de R$ 5,2 bilhões. Ao todo, 70 pontos foram adquiridos pelo Brasil. Tanto o Assaí, como o Grupo Pão de Açúcar (GPA) — detentor da marca Extra — pertencem ao grupo francês Casino. Mas são operações totalmente desvinculadas. A movimentação veio em um momento em que o modelo híper estava em declínio, com menos fluxo de clientes em loja e reduzido interesse dos consumidores no formato one stop shop, em que tudo é encontrado num único lugar.
Na movimentação do grupo Casino, a descontinuidade da marca Hiper transferiu os pontos Extra para o Assaí, abrindo duas portas para o atacarejo: localizações antes quase impossíveis e a falta de concorrência interna.
Para o primeiro efeito, uma pequena observação nas grandes cidades explica os benefícios. O adensamento populacional e a briga do setor imobiliário inviabilizariam a aquisição de terrenos grandes o suficiente para construir as estruturas dos atacarejos em pontos mais nobres ou concorridos. Assim, historicamente eles eram instalados em periferias e locais mais afastados. Com a mudança do ano passado, o Assaí ganhou com a localização e o perfil de público — em muitos casos, com maior poder aquisitivo.
Já o segundo efeito demonstra a linha tênue entre os novos modelos de lojas e os hipermercados. Com mais serviços e uma aproximação do consumidor final, essa operação dos atacarejos esvaziou os hípers. Nessa briga ganharam os atacarejos, que detêm 40% das vendas do varejo alimentar no País, de acordo com levantamento da Mckinsey.
O Assaí viu a oportunidade de implementar de forma massiva os modelos de lojas desenhados para ter mais produtos, mais serviços e um pouco mais de sofisticação. A estrutura de chão de concreto e estoque nas prateleiras se mantém, mas o espaço ganha ilhas de frios importados e nacionais, padaria, seleção de vinhos e produtos não alimentares. Na visão do coordenador do FGVcev, Maurício Morgado, esse movimento — que não é exclusivo do Assaí — se insere no conceito de “acordeão do varejo”, no qual um modelo vai incrementando novas possibilidades, mudando sua definição tradicional, podendo em último caso deixar de funcionar. “Quanto mais parecido com supermercado ficar, mais caro vai ficar a operação”, disse. No caso do Assaí, o presidente Belmiro Gomes tem isso em mente e diz que vai evitar o risco. “Nenhuma mudança a gente vai fazer no modelo de adicionar serviço se entender que isso vai subir custo”, disse Gomes. “Porque aí você perde a proposta de valor.”
Outro desafio que esse formato apresenta é o afastamento de públicos importantes do modelo. Morgado, do FGVcev, questiona o quanto “eles vão continuar seduzindo os transformadores, já que essa estrutura não apela para esse tipo de cliente”. No Assaí, o cliente Pessoa Jurídica representa entre 30% e 40% das vendas das lojas e é um dos focos de atração. Para Belmiro Gomes, é importante focar nos PJs da região. Nessa captação de clientes, a percepção da loja também importa.
SORTIMENTO As expectativas para as conversões são grandes. Seja pelas previsões, ou para evitar perder espaço, já que o vácuo deixado pelo Extra Hiper virou espaço também aos concorrentes. Na última semana, o Assaí inaugurou a loja na região do Anhanguera, na capital paulista. Unidade mais bem-sucedida do Extra, as projeções são de que, agora como atacarejo, a loja venda R$ 500 milhões por ano, contra a média de R$ 400 milhões em lojas comparáveis da rede. De forma geral, a expectativa é que as conversões tripliquem o faturamento, com um tíquete médio de vendas maior. A média da empresa é de R$ 4,5 mil em venda bruta por metro quadrado, subindo para R$ 5,3 mil nas capitais e grandes cidades. O sortimento de produtos do novo modelo de loja também cresce. São 10,5 mil itens, sendo a média de 8,5 mil.
Até o final deste ano o Assaí pretende concluir a conversão de 40 lojas dos hipermercados, em um processo iniciado em junho. Apenas na cidade de São Paulo, 20 novas unidades do atacarejo serão inauguradas. Das 70 compradas, 61 já estão confirmadas, as outras ainda estão em negociação com o proprietário ou pendentes de aquisição de licenças. A expectativa é que até o segundo trimestre de 2023 todas já estejam em funcionamento. Além das unidades do Extra, o Assaí segue com a expansão orgânica, com dez novas lojas em 2022, totalizando 50 aberturas no ano. Essa expansão já representou 20% das vendas da empresa no segundo trimestre de 2022 e são a aposta para que alcance o faturamento de R$ 100 bilhões em 2024.
PÃO DE AÇÚCAR PREVÊ 100 NOVAS LOJAS ATÉ 2024
Após a cisão com o Assaí e o encerramento do Extra Hiper, o Grupo Pão de Açúcar continua passando por mudanças. Com foco nas classes A e B e no mercado de proximidade, as lojas da marca são transformadas para se adequar ao modelo G7 — que inclui maior integração digital, melhoria nos espaços, novo layout e maior oferta de produtos premium. Além disso, após quatro anos sem inaugurações, o plano de expansão é retomado, com a previsão de 100 novas lojas até 2024 e a conversão de 14 unidades do Extra Hiper em supermercados Pão de Açúcar.
Seguindo a estratégia, no final de agosto a marca inaugurou sua primeira unidade com atendimento 100% automatizado, localizada na Avenida Paulista, em São Paulo. Integrante da rede Minuto, de mercado de proximidade, ela possui um sortimento com mais de 5 mil produtos e oito postos de check-out. Também complementa a estratégia investimento na digitalização e no e-commerce.
Com toda a movimentação do grupo, no segundo trimestre, as vendas líquidas cresceram 9,9% ano a ano, mas com prejuízo líquido de R$ 124 milhões. “Nossas prioridades estratégicas nos permitem focar no ‘básico bem feito’, para uma oferta adequada às necessidades dos nossos clientes e uma entrega gradativa de resultados”, afirmou o diretor-presidente do GPA, Marcelo Pimentel, no relatório de resultados.
Fonte: IstoÉ Dinheiro