Em meio à quarentena, grupo lançou marketplace, que oferece produtos de outras marcas, e comprou a rede de roupas Reserva; ação da empresa já vale mais do que antes da pandemia
Em meio à quarentena, que afundou várias varejistas, o grupo Arezzo&Co fez, possivelmente, a maior transformação de sua história. Deixou de ser uma empresa de sapatos para ser uma companhia de vestuário superdigital ao lançar um marketplace que reúne marcas que não fazem parte do grupo, comprar um brechó online e também o grupo Reserva, especializado em moda masculina. A metamorfose foi bem recebida pelos investidores – que antes viam uma limitação para a empresa continuar crescendo – e as ações da companhia já estão 11,6% acima do registrado antes da pandemia.
Apesar de o grupo ter tido um prejuízo de R$ 3,2 milhões nos nove primeiros meses do ano passado, a avaliação dos analistas é que a Arezzo atravessou bem a crise, tendo inclusive ampliado sua participação no mercado para 30,9% enquanto as concorrentes perdiam força. “Eles foram capazes de se adaptar muito rápido. Já tinham um online forte e conseguiram torná-lo ainda mais relevante. Bem mais do que a gente imaginava. Conseguiram adaptar também a produção e acompanhar mais de perto as mudanças do gosto do consumidor (passar a lançar novos produtos a cada 15 dias). Tudo isso atrelado a uma equipe de vendas que ficou muito focada em ajudar o cliente”, diz Helena Villares, analista do Itaú BBA.
Tanto o Itaú como o BTG Pactual veem que as ações da empresa têm potencial para alcançar R$ 80 – hoje estão cotadas a R$ 73. Desde o início de abril do ano passado, quando os papéis afundaram e chegaram a R$ 33 em decorrência da crise do coronavírus, eles já subiram 121%.“Há anos a Arezzo é vista como uma empresa premium no varejo brasileiro, com execução superior na gestão da marca e na operação bem-sucedida de seu modelo de franquias, justificando seu valor de mercado. Vemos uma nova via de crescimento para a empresa nos próximos poucos anos”, afirmaram em relatório os analistas Luiz Guanais e Gabriel Savi, do BTG.
Uma das alavancas para esse crescimento é a Reserva, que, ao ser incorporada, ampliou o mercado alvo do grupo de R$ 11,6 bilhões para R$ 40 bilhões. Antes dessa compra, os investidores achavam que a empresa tinha um potencial de crescimento limitado, dado que já detinha uma participação alta em seu mercado, de quase 25%. Agora, poderá crescer com roupas masculina, feminina e infantil, segmentos em que a Reserva está.
A aquisição, um negócio de R$ 715 milhões, foi possível porque o grupo tinha uma situação financeira confortável antes da chegada do coronavírus, com mais recursos em caixa do que o total de suas dívidas. Mesmo após a operação, a condição financeira da companhia ainda é considerada sólida.
Apesar de ser vista como uma operação de potencial, a compra da Reserva traz para o grupo um desafio. Essa é a primeira empresa de grande porte adquirida pela Arezzo, que terá de desenvolver expertise para integrar os negócios. No ano passado, a companhia assumiu a licença no Brasil da marca de tênis Vans. Não foi uma compra, mas houve um processo de integração bem sucedido da marca ao portfólio. Esse trabalho, porém, não se compara ao porte do que será preciso fazer com a Reserva, dizem analistas.
Além da Reserva, a Arezzo pretende fazer novas aquisições. “Continuamos olhando ativos de vestuário, mas não estamos olhando só para marcas. Também estudamos (empresas de) tecnologias que possam viabilizar o ecossistema que queremos construir. Para muitos desses ativos, criamos o ZZ Ventures. Assim, eles não serão totalmente engolidos pela cultura de uma empresa grande”, diz a diretora de estratégia e relações com o investidor, Aline Penna.
Criado em novembro, o ZZ Ventures é o braço da Arezzo para investimento em startups. Quando o grupo anunciou a iniciativa, comunicou também a aquisição de 75% da Troc, um brechó online. A Troc se assemelha ao Enjoei.com, empresa que reúne, na internet, compradores e vendedores de peças usadas e que levantou R$ 1,1 bilhão em sua abertura de capital na Bolsa no ano passado. A diferença entre as iniciativas é que a Troc fica com um porcentual maior (50%) do valor das roupas vendidas, mas também faz curadoria e precificação dos produtos.
A intenção da Arezzo é inserir a Troc no ZZ Mall, marketplace lançado em setembro e que hoje reúne 50 marcas. Antes da pandemia, o projeto previa a entrada de marcas que não fossem do grupo apenas em 2022. O crescimento do comércio online durante a quarentena, porém, acelerou o projeto. “Com a pandemia, percebemos que o momento era oportuno para construir essa plataforma, para que marcas menores sem presença digital pudessem ganhar uma vitrine”, diz o diretor de transformação digital, Maurício Bastos.
Neste ano, o grupo pretende ampliar o marketplace, adicionando conteúdo e informações sobre moda, cursos abertos ao público que ensinem, por exemplo, como criar uma coleção, e também um programa de fidelidade. Por meio desse programa, o consumidor poderá vender peças na Troc, adquirir pontos e trocar por outros produtos do marketplace ou por convites para desfiles. “Queremos trazer experiências e prioridade para quem faz parte do grupo”, acrescenta Bastos.
Também em 2021, a companhia planeja acelerar a operação americana, que parou de dar prejuízo apenas no ano passado. O grupo havia iniciado a atuação nos EUA em 2012 com uma loja e chegou a ter nove unidades lá. No início da pandemia, fechou quatro desses pontos. A empresa também diminuiu o preço médio dos produtos, elevando as vendas, e, principalmente, cortou custos. “A única coisa que a pandemia trouxe de bom foi a possibilidade de gestão remota. Construímos uma estrutura no Brasil para atender o mercado americano. Alocamos só pessoas estratégicas nos EUA e todo pessoal de back office voltou para o Brasil. Isso trouxe uma eficiência grande”, diz a diretora global das marcas Alexandre Birman e Schutz, Milena Penteado.
A estratégia a partir de agora para os EUA é avançar como no ano passado: apostando no e-commerce próprio e nas lojas de departamento. A Arezzo tem hoje todo seu estoque americano disponível para as vendas online dessas lojas parceiras. Isso permite uma oferta maior de produto por elas, sem que precisem comprar antecipadamente as mercadorias.
“Agora que a operação dos EUA atingiu o ponto de equilíbrio, prevemos um crescimento contínuo e melhores níveis de lucratividade”, afirmaram, em dezembro, analistas do Itaú BBA em relatório.
Com várias iniciativas simultâneas, no entanto, os investidores devem passar a olhar com mais cuidado na integração de todos esses negócios. “Eles têm muita coisa para fazer. Integrar a Reserva, iniciar uma operação feminina (a Reserva tem a marca Eva, que ainda é tímida), começar mais forte com calçados masculinos. Como são muitas iniciativas e todas relevantes, a preocupação é se eles vão dar conta de tudo, apesar de estarem sempre muito preparados”, diz Helena Villares, do Itaú BBA.
Fonte: Estadão