Por Talita Moreira | A capitalização da Americanas, aprovada ontem em assembleia, faz da empresa uma das varejistas menos endividadas do país apenas um ano e quatro meses depois de ter protagonizado o maior escândalo corporativo do país. Para quem estava tecnicamente quebrada, é um “plot twist” e tanto.
Com o aporte de R$ 12 bilhões dos acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), outros R$ 12 bilhões em dívida convertida e outros pagamentos com desconto, a Americanas ficará com dívida bruta de apenas R$ 1,875 bilhão. O endividamento havia superado R$ 42 bilhões após o reconhecimento de valores que estavam indevidamente contabilizados. Para se ter uma ideia, Casas Bahia e Magalu fecharam o primeiro trimestre deste ano com R$ 4 bilhões e R$ 6,7 bilhões, respectivamente em dívida.
A Americanas sai da crise menor do que entrou, o que é natural numa recuperação judicial. A rede de lojas físicas se segurou razoavelmente, mas o e-commerce – que queimava caixa – foi sacrificado. A redução do digital se deu em parte porque a empresa perdeu credibilidade entre clientes e vendedores, mas também porque precisava fazer escolhas. É uma estratégia arriscada, já que os campeões do varejo hoje são digitais, mas ajuda a estancar a sangria no curto prazo.
A capitalização é resultado de quase um ano de negociações e acomodação de interesses, principalmente entre o trio de acionistas e os grandes bancos. Para injetar os R$ 12 bilhões na varejista, Lemann, Telles e Sicupira estabeleceram uma condição bem clara: a não litigância. Ou seja, o fim da briga judicial entre as partes que firmaram o acordo, que em alguns momentos atingiu decibéis muito elevados.
Essa é uma exigência que muitos no mercado consideram “justa”, já que o trio não deixou a empresa quebrar, como podia ter feito. Outros, no entanto, veem a cláusula como um “rolo compressor” usado para pressionar os credores, ávidos por recuperar um naco do prejuízo.
O aporte encerra um capítulo importante para a empresa. Da porta para fora, no entanto, o caos instalado pela revelação da fraude continua. As investigações da Polícia Federal, do Ministério Público e da Comissão de Valores Mobiliários sobre a fraude e como ela foi praticada continuam sem um desfecho. A versão que prevalece até agora foi apresentada pela própria Americanas, que acusou nominalmente ex-diretores de terem armado o esquema sozinhos, sem que o conselho de administração soubesse. São acusações graves, que precisam ser comprovadas pelas autoridades para que ou os ex-executivos sejam punidos ou se esclareça o que de fato aconteceu.
Fonte: Valor Econômico