Sem acordo com BR Malls, que se unirá a Aliansce, Ancar diz que competidores tê digestão a fazer
Por Adriana Mattos
Quando as empresas de shopping center Ancar Ivanhoe e BR Malls começaram a negociar um acordo, em fevereiro, que poderia ser um entrave aos planos de a Aliansce Sonae se juntar à BR Malls, o mercado passou a considerar a possibilidade de a Ancar dar novo rumo aos seus negócios.
Discreta em suas movimentações e de capital fechado, a Ancar desenhava uma fusão parcial com a BR Malls, algo que traria ao grupo maior grau de visibilidade. A conversa acabou não dando certo, em parte por ser uma operação societária complexa, com diferentes sócios em vários ativos. Já a Aliansce, sob o risco de ter seu negócio “atravessado” por qualquer outro competidor, teria acelerado a negociação com a BR Malls. O acordo entre Aliansce e BR Malls acabou aprovado pelos acionistas no começo de junho e o caso está sob análise do Cade, órgão antitruste.
Pelo menos, até agora, sem um projeto de fusão mais robusto na mesa, a Ancar fica mais distante da empresa combinada entre Aliansce e BR Malls. O grupo, fundado pela família Carvalho, tem 25 empreendimentos (16 como sócio e o restante sob sua gestão) e seus 4,5 mil lojistas vendem ao ano R$ 17 bilhões. Na liderança, Aliansce e BR Malls têm 69 shoppings na carteira e R$ 38 bilhões em vendas ao ano. São estimadas sinergias anuais de R$ 210 milhões e uma escala que envolve contratos com mais de 13 mil lojas.
Ao comentar essas últimas movimentações pela primeira vez, Marcelo Carvalho, da segunda geração da família fundadora, fala das dificuldades que os concorrentes terão após a fusão e discorda da percepção de que a Ancar vem demorando a se articular no mercado. Ancar e BR Malls até tentaram um acordo de fusão parcial no fim de 2020, como admitiram publicamente na época, mas não houve avanços sobre os ativos que formariam essa nova empresa, diz uma fonte. Um ano depois, a Aliansce saiu na frente e decidiu fazer a oferta à BR Malls.
“Tem o desafio deles de integração e não sou só eu que falo isso, o ‘doutor Peres’ [Isaac Peres, da Multiplan] e o Carlos Jereissati [da Iguatemi] já disseram também. Ter 69 shoppings pode ser muito bom ou não significar nada porque tem o desafio de integração, de equipes, processos e cultura […]. Eles têm uma digestão a fazer, e na digestão você não pode comer mais. E não estou desmerecendo o acordo, acho que será positivo a eles. Estou dizendo que isso já está acontecendo”, afirmou ele, em entrevista durante o evento Exposhopping, promovido na semana passada pela Abrasce, entidade do setor, em São Paulo.
Na visão dele, empresas concorrentes, como a Ancar, devem avançar em certas frentes – como a avaliação de novos ativos para aquisição – que BR Malls e Aliansce não poderão se envolver pois estarão ocupadas com a integração. A BR Malls já definiu neste mês um novo pacote de remuneração à diretoria para evitar perda de executivos, algo que já estaria acontecendo, como o Valor noticiou em junho.
“Você olha um potencial negócio que o outro não [irá olhar], e você já aprendeu ao longo de todo esse processo, então podemos acelerar para o lado de cá porque há espaço para isso”, diz ele.
Um caminho possível de análise de aquisições, como disse Carvalho, é algo que a Ancar tem se envolvido nos últimos anos nos bastidores, mas, na prática, sem fechar novas compras. A Ancar acabou vendendo, em setembro de 2021, fatia minoritária em quatro shoppings ao fundo da gestora Vinci por R$ 670 milhões (parte em cotas do próprio fundo). O grupo nega que tenha elevado alavancagem recentemente. Nos últimos dez anos, fontes afirmam que o comando teria participado de conversas para aquisição de ativos da carteira da Brookfield e de fatias do shopping Higienópolis (São Paulo), por exemplo, sem avanços.
Carvalho diz que a Ancar tem “relevância e obrigação fiduciária de estar aberta” a avaliações, em parte pelas suas relações – a empresa tem como sócio a Ivanhoe Cambridge, do fundo canadense CDPQ. Este, inclusive, teria considerado sair ou reduzir sua posição na Ancar para focar em outros ativos, apurou o Valor, e estaria analisando formas de buscar liquidez.
Questionada sobre o interesse em dois ativos que, segundo fontes, a Brookfield colou à venda no começo do ano – fatia no Pátio Paulista (São Paulo) e RioSul (Rio de Janeiro) – o empresário diz que é o representante fiduciário do fundo da Brookfield no país, e a Ancar administra parte de seus shoppings, por isso, prefere não falar nada a respeito. “Não sou [empresa] aberta, não tenho que falar”. Segundo fontes do setor, com a alta nos juros, o que reduz interesse em ativos imobiliários, a Brookfield suspendeu as negociações.
Carvalho descarta a percepção de certos especialistas de que a empresa estaria menos ativa que seus rivais diretos. Em três anos, a Sonae aliou-se à Aliansce, e esta, com a BR Malls, e Iguatemi fez meses atrás uma reestruturação de olho em novas compras. “Nós temos capacidade de nos relacionarmos com o mercado e não estamos parados, temos parceiros como a Ivanhoe [acordo fechado em 2006] e a Brookfield. A gente olha o que faz sentido e o que não faz”, diz. “ A Ancar pode ser uma noiva, ou seja, ela pode não querer casar se não fizer sentido. Somos uma empresa com vida própria e vamos continuar a fechar algo se fizer sentido”.
Uma das últimas aquisições da Ancar tem cerca de dez anos e a última abertura de empreendimento aconteceu em 2016 – todo o mercado parou inaugurações desde a última recessão do governo Dilma Rousseff (PT). O empresário não projeta retorno de novas inaugurações até 2023 ou 2024, e prevê a consolidação do setor por meio de compra e venda de ativos.
Carvalho acha que há uma demanda reprimida no consumo – a empresa tem portfólio mais voltado à classe média B e C – e se mantém otimista para o segundo semestre. Diz que há forte crescimento nas operações de gastronomia, e tem levado iniciativas nessa área, do Shopping Nova América, no Rio, a outros empreendimentos. Uma segunda iniciativa é a instalação de lojas da Kavak, de compra e venda de carros usados, em cinco shoppings. Torres comerciais também estão em estudo.
Carvalho diz que a empresa é sócia no Iguatemi de Porto Alegre (RS) de uma torre comercial 100% locada e tem terreno disponível e aprovação para uma segunda torre. “A questão é o ciclo escolher o momento certo [para o investimento”. A Iguatemi é sócia também com 42,5% da torre atual.
“Há um rearranjo do modelo de shoppings no país e uma das confirmações é sua força como centro de entretenimento lazer e gastronomia […]”, diz Carvalho, que acha razoável projetar 25% a 30% de expansão em vendas neste ano em relação a 2019.
Fonte: Valor Econômico