Por Natalia Viri | Maior empresa de capital privado de shoppings centers do país, a Ancar Ivanhoe acredita que o mercado está prestes a entrar num ponto de inflexão. Com a indústria recuperada após o baque da pandemia e de sustos pontuais com fechamentos de grandes varejistas no primeiro semestre deste ano, as taxas de vacância dos empreendimentos em grandes cidades voltaram a ficar baixas, abrindo caminho para um aguardado movimento de expansão.
“Hoje eu vejo um movimento de retomada. Se tudo continuar bem, e tomara que continue, eu diria que é hora de os ‘shopeiros’ tirarem seus projetos da gaveta”, afirma o copresidente da companhia, Marcelo Carvalho, da segunda geração da família fundadora.
O movimento deve passar longe da euforia que marcou os anos de 2012 a 2014, quando houve o último ciclo de crescimento do setor, com o lançamento de uma série de empreendimentos, que acabaram demorando para maturar em meio ao derretimento do PIB nos anos do governo Dilma. Quando a economia ensaiava uma retomada, o coronavírus esvaziou os pontos físicos.
Agora, o cenário é outro. “Tirando, obviamente, shoppings com dificuldades estruturais, os bons shoppings brasileiros estão perto de 100% locados”, diz.
Dona ou gestora de 27 shoppings em 14 cidades, que geram quase R$ 20 bilhões de vendas ao ano, a Ancar é conhecida pelo perfil discreto. De capital fechado, os executivos raramente dão entrevistas. Do portfólio total, 17 são shoppings próprios – incluindo o Shopping Interlagos, em São Paulo, e o Botafogo Praia Shopping, no Rio — e 10 são empreendimentos em que atua como gestora, caso do carioca Downtown e do paulistano Pátio Paulista.
Carvalho não dá muitos detalhes sobre os números da empresa, mas diz que está “sempre atento às oportunidades de mercado”. Ao fim de 2022, último dado disponível, a taxa de ocupação dos empreendimentos da Ancar estava em 95%, 0,9 ponto percentual acima de 2019, ano pré-pandemia.
De acordo com o executivo, o balanço está “confortável” tanto para expansão orgânica quanto inorgânica. No ano passado, a empresa vendeu o shopping Maracanaú, em Fortaleza, e mais uma fatia em três empreendimentos (Pantanal Shopping, Porto Velho Shopping e Shopping Boulevard) para um fundo gerido pela Vinci Partners por R$ 660 milhões, na maior transação do setor de shoppings desde o início da pandemia. Agora, a mesma gestora fez uma oferta de R$ 280 milhões por fatias no Shopping Conjunto Nacional, em Brasília, o Natal Shopping e Via Sul, em Fortaleza, que está em fase de conclusão.
“Nesse momento de queda da taxa de juros, todos os fundos imobiliários voltaram a se posicionar para crescimento de portfólio”, diz. “E daqui a pouco a gente vai comprar alguns ativos, provavelmente.”
Em 2020, a Ancar chegou a negociar uma fusão parcial com a BR Malls, que depois acabou se fundindo com a Alliansce, criando a maior empresa do setor, a Allos, com 69 empreendimentos que geram faturamento de quase R$ 40 bilhões.
Num ano complicado para o varejo, com a debacle da Americanas e grandes varejistas como Marisa, Casas Bahia, Polishop fechando lojas, os shoppings sofreram um baque no primeiro semestre. Mas, segundo Carvalho, ele foi pontual, sem grande impacto sobre a taxa de vacância.
“Houve fechamento de uma ou outra loja, mas na medida do possível, sentamos com esses operadores e encontramos uma forma de equacionar as dificuldades”, diz.
Em alguns casos, esses fechamentos abriram espaço para áreas de lazer a gastronomia, uma tendência que tomou conta dos shoppings com força no pós-pandemia. Outra tendência pós-covid foi de criar mais espaços abertos, com áreas pets, quiosques e restaurantes voltados para a área externa.
“Tivemos um bom primeiro semestre, em linha com a indústria. E o segundo semestre, historicamente, costuma ser melhor.”
Plano ESG
Pioneira no setor, a Ancar começou sua trajetória na década de 1970, quando ingressou na indústria como uma das responsáveis pelo desenvolvimento do segundo shopping construído no Brasil: o Conjunto Nacional de Brasília. Em 2006, associou-se à canadense Ivanhoe Cambrige, empresa global de serviços imobiliários.
Com 50 anos completos no ano passado, a empresa estruturou uma área ESG, para concentrar as iniciativas ambientais, sociais e de governança e acaba de lançar um plano para avançar nesses pontos até 2030.
“Passamos a monitorar as iniciativas que a gente já faz e criamos indicadores e um comitê de ESG, numa agenda não só de gestão de risco como de criação de valor”, diz Carvalho. “Isso é um ponto muito bom de ter um sócio estrangeiro grande, que nos alimenta de informações para elevar a barra. Hoje a gente discute com a Ivanhoe usar recursos que eles têm para investimentos green no Brasil.”
Com 19 metas distribuídas nas três letras que formam o acrônimo ESG, a Ancar quer, por exemplo, alcançar um total de 30% de resíduos compostados até 2030, tendo como base o ano de 2022. Sob administração da Ancar por 15 anos, o Shopping Eldorado, em São Paulo, tem hoje o maior “telhado verde” da América Latina. O shopping destina resíduos orgânicos gerados por lojas e restaurantes para compostagem, que alimentar hortas voltadas aos funcionários. Hoje, 17 empreendimentos já realizam compostagem.
Ainda na esfera ambiental, há metas de redução de consumo de energia e reuso de água. A Ancar está se comprometendo também a implantar processos de due diligence em ESG para todos seus fornecedores.
Há o compromisso também de impactar 10 mil jovens por meio de iniciativas de inclusão social, capacitação profissional e acesso à empregabilidade. Desde 1993, a Ancar tem o Plantando Amanhã, projeto social premiado, com creche comunitária, escola de esportes e contraturno na escola junto ao Shopping Nova América, no Rio Janeiro.
“Uma coisa que meu pai [o fundador Sérgio Carvalho] deixou muito marcado é que, em tudo que acontece no entorno do shopping, ele precisa estar envolvido. Para qualquer ação social ou de impacto há uma orientação estratégica para o shopping colaborar, prestigiar, ajudar a levantar recursos”, diz.
Fonte: Exame