Por Nelson Niero | As incorreções contábeis do Magazine Luiza não são as inconsistências contábeis da Americanas, parece ter sido a interpretação dos investidores no fim da terça-feira, depois da surpresa inicial e os receios de uma nova crise no varejo. A ação, que abriu em queda de quase 10% em reação à notícia de reapresentação de dados, fechou em alta de 1,7%.
Dos R$ 830 milhões a mais nos últimos anos, que serão subtraídos do patrimônio líquido, R$ 696 milhões vêm de resultados anteriores a 2022 e, o restante, entre janeiro de 2022 e junho de 2023.
O que transpareceu depois da leitura das demonstrações financeiras e do que se ouviu dos executivos na teleconferência de resultados é que, em resumo — se é possível resumir meandros da contabilidade financeira —, o dinheiro do Magazine continua lá, só foi alocado em contas e em momentos errados. Na Americanas, bilhões simplesmente desapareceram no ar.
Apesar das diferenças, não há como ignorar que de, novo, o problema são as bonificações em acordos comerciais com fornecedores. Não por acaso um dos “trending topics” no site do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), segundo o Google, é a receita de contrato com cliente, o famoso, no mundo contábil, CPC 47.
O pronunciamento, que é citado pela empresa nas notas do balanço como referência para a correção, “consiste em que a entidade deve reconhecer receitas para descrever a transferência de bens ou serviços prometidos a clientes no valor que reflita a contraprestação à qual a entidade espera ter direito em troca desses bens ou serviços”.
A investigação forense feita pela consultoria PwC e pelo TozziniFreire Advogados, a pedido do conselho de administração para apurar uma denúncia anônima — não confirmada —, descobriu as incorreções relacionadas ao reconhecimento contábil das bonificações.
O principal aspecto identificado, diz a empresa, refere-se à utilização de determinadas “notas de débito”, que são documentos emitidos pela companhia e assinados pelos fornecedores para o reconhecimento contábil das receitas de bonificações, “sem observar com precisão o cumprimento das obrigações de desempenho — promessa de entregar bens ou serviços a um cliente em momento específico no tempo, o que, à luz do CPC 47, seria a forma adequada para o reconhecimento da receita de bonificação”.
A administração do Magazine diz ter determinado “alterações e melhorias nos controles internos”, entre elas a “revisão das matrizes de riscos, políticas, diretrizes e controles internos do processo de negociação comercial”.
Uma busca nos documentos regulatórios mais recentes da companhia, de maio, mostra outra semelhança com Americanas no ítem “Política de gerenciamento de riscos internos”: a utilização de um conceito conhecido como “três linhas de defesa”, que talvez precise ser reavaliado. E também falta entender por que o auditor externo anterior considerou aceitável o que agora foi classificado como erro. Podemos estar diante de uma atitude mais rigorosa dos controles externos depois da crise da Americanas?
O auditor atual, a EY, que assumiu no lugar da KPMG por causa do rodízio obrigatório de auditores, fez uma ressalva no seu relatório — um alerta grave de possível erro nos números. Para a EY, será preciso fazer outros procedimentos de auditoria “para concluir sobre a adequação dos valores decorrentes da correção de erros”.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), regulador do mercado de capitais, que não gosta de ressalvas, abriu uma investigação para entender por que empresa e auditor tiveram divergências nessa questão.
Os analistas também não relevaram. “Ainda que a denúncia tenha sido considerada improcedente, a necessidade de reapresentação de lançamentos contábeis e de implantação de medidas visando aprimorar os mecanismos de controles internos gera incertezas quanto à existência de outras inconsistências”, disse o BB Investimentos Para o Santander, os erros contábeis são “um golpe na confiança do investidor”.
Fonte: Valor Econômico