Por Adriana Mattos | Com a homologação do plano de recuperação judicial da Americanas ontem pela Justiça do Rio de Janeiro, há uma expectativa que sejam “destravados” os próximos passos do processo de reconstrução da rede – com R$ 43 bilhões em dívidas concursais e prejuízo acumulado de R$ 4,6 bilhões de janeiro a setembro.
O tempo começa a correr e, nesse cenário, será preciso seguir um cronograma de pagamentos a credores já em março, além de ter de executar medidas para voltar a gerar caixa operacional no ano que vem, uma das promessas da rede.
O comando ontem, em teleconferência, tratou de reforçar ações nesse sentido, mas ao final do dia, investidores ainda mantiveram posição de cautela, e a ação fechou em queda 3,85%, valendo R$ 0,50.
Pelo plano aprovado, a própria cadeia terá de sustentar a operação no curto prazo, já que a capitalização de R$ 12 bilhões, anunciada pelos sócios de referência como parte do plano de recuperação, irá para pagamento de dívidas.
Até 28 de março, tem de ocorrer os pagamentos remanescentes de créditos trabalhistas e a micro e pequenas empresas com até R$ 12 mil a receber. Até fim de abril, ainda haverá o pagamento da primeira parcela a credores fornecedores e colaboradores, que apoiaram o plano, e outros desembolsos ainda estão previstos para maio e junho.
Como a injeção da capital pelos sócios só será concluída em junho, está programada a entrada de R$ 3,5 bilhões como espécie de antecipação desse recursos, por meio de um financiamento (DIP, ou “debtor-in-possession”). Já entraram R$ 1,5 bilhão dessa linha DIP em 2023, e esse valor foi diretamente para a operação – o único aporte no negócio até hoje.
Segundo balanço de janeiro a setembro, publicado ontem – no mesmo dia da homologação do plano pela Justiça – a empresa teve prejuízo antes de juros, impostos, amortização e depreciação de R$ 1,5 bilhão, 21% superior ao ano anterior.
Ao se considerar os gastos com a recuperação judicial e com alugueis (regra do IFRS 16), a perda sobe para R$ 2,3 bilhões.
Dois terços de nossos resultados são de períodos muito conturbados”
Ao descontar os desembolsos com a recuperação, houve perda operacional de R$ 2,1 bilhões de janeiro a setembro, alta de 27%. Ocorre que, para 2025, a meta já anunciada é “virar” esse número e alcançar lucro operacional de, no mínimo, R$ 1,5 bilhão.
A relação entre dívida líquida e Ebitda prometida é de 0,75 vez. Hoje, esse indicador nem é calculado dado o Ebitda negativo. Além disso, pelo balanço até setembro, adívida bruta atingiu R$ 38 bilhões, incluindo a ferramenta de risco sacado, modelo de financiamento fraudado pela antiga gestão. E a meta é fechar 2025 com dívida bruta de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão.
Como há somas negociadas no plano de recuperação, com conversão de débitos em ações por credores, os deságios, a rede entende ser viável a previsão.
Pelos dados publicados, com a dívida alta pressionando o patrimônio líquido, esse montante permaneceu negativo, crescendo quase 17%, para R$ 31,2 bilhões.
Sobre as vendas, houve recuo na receita líquida digital e física, de cerca de 79% e 19%, respectivamente. O grupo vendeu R$ 10,3 bilhões de janeiro a setembro, queda de 45%. Se considerar que varejistas, historicamente, vendem no quarto trimestre 30% acima da média trimestral, a rede fecharia o ano com R$ 13 bilhões a R$ 13,5 bilhões em receita. Isso a tiraria do ranking “top 10” do setor, com vendas abaixo da Havan e Renner.
Na operação da Lojas Americanas em “mesmas lojas” (que exclui os 99 pontos fechados até setembro), a venda caiu quase 3% frente ao ano anterior.
Considerando que o valor é nominal e há reajustes de tabela de preços, é um indício que deve ter ocorrido queda em volume – a rede não confirma perda. Para Leonardo Coelho, CEO da empresa, apesar desse recuo, a loja manteve sua força. “Acreditamos que foi um ano positivo considerando esse contexto de crise, e a incerteza se dissipou um pouco”, disse a analistas.
“Não dá para dar cavalo de pau em transatlântico, mas [dá] para recuperar confiança
e voltar a gerar lucro”.
Na visão da diretora financeira, Camille Faria, dois terços dos resultados do grupo até setembro “são de períodos muito conturbados”, diz. “Foi só após o terceiro trimestre que avançamos mesmo na reorganização, e de julho a setembro, as vendas mesmas lojas subiram 3,6%”.
Para chegar numa operação mais equilibrada daqui para frente, a direção citou ontem, em teleconferência com analistas, medidas já em andamento, e o início desse impacto no ano passado.
Por exemplo, de janeiro a setembro, o prejuízo líquido foi de R$ 4,6 bilhões, recuo de 23,5% versus ano anterior, ainda afetado pela forte queda nas vendas e peso das despesas financeiras. Porém, a queda no valor reflete os “primeiros resultados de uma nova estratégia”, disse Coelho.
Essas ações passam por aumento de rentabilidade, após a decisão, já implementada, de reduzir a venda própria de itens de baixa margem e pouco lucrativos, migrando essas categorias para a venda por meio de lojistas, no “marketplace”. Após as mudanças, a margem bruta subiu 11 pontos, para 27,7%.
Olhando para frente, ainda será preciso contabilizar efeitos positivos nas contas de cortes de pessoal, de lojas e de centros de distribuição, que acabam comprometidos pelas despesas com a reorganização. Isso pode ajudar a melhora o Ebitda da rede no ano.
Soma-se a isso, ainda medidas de revisão de “mix” de produtos e de políticas de definição de preços de forma mais local, variando de loja a loja, que tendem a elevar tráfego e trazer vendas (leia matéria na página B2). Até o ano passado, os preços eram os mesmos nacionalmente.
Na visão de Coelho, há três fases nesse processo: estancar a crise, voltar a gerar caixa operacional e criar novas formas de crescimento. A primeira fase foi resolvida – ele entende que as duas seguintes podem caminhar de forma paralela.
Sobre as contas da empresa após a homologação do plano, há o aumento de capital de R$ 12 bilhões dos sócios, sendo que R$ 5 bilhões referem-se a financiamentos “DIP”. Então, sobram R$ 7 bilhões.
Desta soma restante, R$ 2 bilhões irão para um leilão reverso (vencem os que oferecem os menores preços) da dívida de credores, e R$ 6,7 bilhões para recomprar dívidas com desconto.
Ou seja, no final são R$ 8,7 bilhões, acima dos R$ 7 bilhões disponíveis. A diferença
deve vir, ao longo dos meses, da recomposição do capital de giro nas negociações
com fornecedores – em parte, por isso, o foco do mercado na execução do projeto de
retomada da rede.
Fonte: Valor Econômico