Por Ivan Ryngelblum | A Americanas está em pé de guerra com o seu ex-CEO, Miguel Gutierrez, desde que ele decidiu contar que os acionistas de referência da companhia, o trio formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, tinham influência e conhecimento sobre os reais números da companhia.
Em comunicado à imprensa divulgado na segunda-feira, dia 11 de setembro, a Americanas refutou argumentos de Gutierrez apresentados em ação movida pelo Bradesco contra a companhia, em que o banco questiona o papel dos acionistas de referência da rede varejista. A empresa informou ter encontrado novas evidências apontando Gutierrez, que esteve na companhia por 30 anos, como o responsável direto pela fraude contábil revelada em janeiro.
Uma dessas provas, segundo a companhia, seria um arquivo digitalizado com anotações de próprio punho do executivo apontando a existência de duas versões dos demonstrativos da Americanas: uma de uso interno da antiga diretoria e outra destinada ao conselho de administração.
A Americanas cita ainda ter encontrado um e-mail enviado por Gutierrez a ex-diretores com orientações para que não fossem levadas em reunião com Sérgio Rial (CEO que assumiu em 2 de janeiro deste ano e revelou o rombo contábil) “respostas a dúvidas sensíveis em relação ao quarto trimestre de 2022 e endividamento da companhia”.
Outro e-mail citado pela empresa, supostamente enviado pelo ex-CEO a ex-diretores acusados de envolvimento na fraude, mostra Gutierrez reclamando do “mar de comentários” dos membros do comitê de auditoria, em relação aos números da companhia.
A Americanas aproveitou também para refutar pontos que Gutierrez levantou em carta enviada, na semana passada, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o caso. A empresa afirmou que essa carta possui “várias contradições e mentiras”.
Uma delas seria a respeito das dificuldades financeiras que a companhia passava no segundo semestre do ano passado. O ex-CEO afirmou que seria preciso um aporte de capital de R$ 8 bilhões e que todos os órgãos da administração tinham ciência desse fato.
Segundo a Americanas, documentos apontam “de forma inequívoca” que a antiga diretoria apresentou aos conselheiros a visão de que a Americanas geraria R$ 500 milhões de caixa no quarto trimestre e “continuaria gerando caixa nos anos subsequentes, mantendo índice de endividamento financeiro saudável”.
Outro ponto que a empresa refuta é que os órgãos sociais “deliberavam sobre questões estratégicas da Americanas sem conhecimento e participação do ex-CEO”. A companhia diz que essa alegação cai por terra diante de mensagem sobre ações do comitê financeiro, assim como de agendas de reuniões do conselho, que mostram que Gutierrez “era ativo na gestão da companhia, como é de se esperar de qualquer presidente de empresa”.
Gutierrez contra-ataca
A carta vem no momento em que os pontos da defesa de Gutierrez começaram a emergir. Depois de passar os últimos oito meses em silêncio sobre o caso, vivendo em Madri onde estaria sendo submetido a um tratamento médico, segundo seus advogados, Gutierrez virou as acusações contra os controladores.
Na manifestação que encaminhou à CPI, ele afirma ter se tornado um “conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”.
Gutierrez diz também que o trio de referência participava ativamente da gestão, e isso ocorria não apenas por meio da presença dos controladores, ou de pessoas diretamente ligadas a eles, mas também através de uma holding chamada LTS, “cujos funcionários, ainda que não tivessem cargos oficiais na companhia, participavam de sua gestão e de seus acompanhamentos”.
“Na área financeira, essa participação era ainda mais presente, em razão da notória expertise da 3G Capital naquela seara”, diz trecho da carta. “Não apenas, todas as decisões estratégicas na história do grupo, inclusive nos últimos anos, foram tomadas pelos controladores.”
Ele diz ainda que não era seu papel tratar de questões contábeis e que nunca participou, autorizou ou tomou “qualquer ato tendente a manipular a contabilidade da companhia ou a viabilizar qualquer tipo de fraude”.
Antes dessa manifestação à CPI, Gutierrez prestou um depoimento à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Polícia Federal (PF). Segundo reportagem do portal UOL, que teve acesso à fala do executivo à autarquia que regula e supervisiona o mercado de capitais, ele adiantou que o trio de acionistas estava ciente de todas decisões estratégicas, em especial Beto Sicupira.
Enquanto Gutierrez e Americanas se acusam, a companhia segue em recuperação judicial, com os termos do plano ainda em discussão com os credores. Com uma dívida de R$ 40 bilhões, a empresa propõe um aporte de cerca de R$ 10 bilhões, mas as negociações estão travadas pela falta dos balanços auditados de 2021 e 2022, além de dados relativos a 2023.
Desde que o caso foi revelado, em 11 de janeiro, as ações da Americanas despencaram 92%, levando o valor de mercado para R$ 857,4 milhões.
Fonte: Neofeed