Por Maria Luiza Filgueiras
A Americanas deve recorrer mais uma vez a um empréstimo dos acionistas para tocar suas operações até a votação do plano de recuperação judicial na assembleia de credores. Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que já emprestaram R$ 1 bilhão na modalidade DIP, podem adicionar mais R$ 500 milhões. Esse capital seria subtraído do total de R$ 10 bilhões que o trio se dispõe a aportar, disse a diretora financeira Camille Faria, ao Pipeline, site de negócios do Valor.
Faria já esteve dos dois lados da mesa. Foi executiva de bancos como Morgan Stanley, Bradesco BBI e Bank of American, e diretora financeira de companhias como Terna, Multiner, TIM e a complicada Oi. Numa maratona de 48 dias como CFO da Americanas, colocou de pé um plano de recuperação judicial muito mais estruturado (e complexo) do que a média nesses processos, cumprindo o prazo de protocolá-lo à Justiça.
A reputação a precede na conversa com os credores – não há um banco que não cite sua competência -, mas Faria sabe bem que o jogo é pesado. A Americanas tem 90 dias para convencer credores em cólera diante de uma dívida de R$ 40 bilhões e do que parece ter sido uma fraude contábil a aprovarem o plano. Não exatamente como ele é hoje, já que os credores querem discutir cifras, deságios e prazos, mas com a mesma espinha dorsal.
“É um cabo de guerra”, reconhece, em sua primeira entrevista desde que assumiu a diretoria financeira e de relações com investidores da Americanas.
A cifra de aporte do trio é o cerne para o acordo com credores financeiros – o que depende dos acionistas, mas a companhia atua como mediadora.
“Segue uma diferença nesse aspecto. Quanto mais dinheiro os acionistas de referência aportarem, maior a recuperação dos bancos porque maior seria a recompra antecipada de dívida”, diz Faria, lembrando que, por outro lado, o compromisso do trio com o aporte só sobrevive hoje no contexto de um plano em que os credores financeiros façam uma conversão de dívida em ações de igual montante. “A empresa tenta agir como um facilitador para fazer com que as duas visões se aproximem e eventualmente convirjam, num resultado que torne a companhia viável. É óbvio que existe um gap”.
A executiva pondera que o plano está sujeito a alterações, mas que já contemplou as interações com os principais credores. Ela ajuda a destrinchar a estrutura.
Do capital do trio, R$ 5 bilhões serão utilizados em duas modalidades de recompra de dívida financeira, R$ 3,5 bilhões vão para o pagamento de fornecedores, além dos R$ 1,5 bilhão que já terão sido antecipados para a operação do dia a dia da companhia.
O desenho conta basicamente com três opções para os credores financeiros. A primeira é participar do leilão reverso, com desconto mínimo de 70% – como a Americanas vai dispor R$ 2,5 bilhões para isso, alguns credores, mesmo aderindo, terão que combiná-la com uma segunda solução.
Essa segunda etapa tem diferentes componentes, buscando a conversão de dívida em ações na mesma proporção do aporte do trio de acionistas, de R$ 10 bilhões. Com a conversão, a companhia destina mais R$ 2,5 bilhões para recompra de dívida com desconto fixo de 60%. Para o saldo remanescente, a companhia emite até R$ 5,9 bilhões em novas debêntures, com prazo de cinco anos e juros de mercado. Cada R$ 1 de dívida será trocado por R$ 0,587 de debênture.
“É um pacote. Criamos alternativas porque tem credor que, por estratégia de investimento ou política do fundo, não pode ter equity da empresa. Por outro lado, como o objetivo é que ela tenha uma estrutura de capital resultante saudável, não comportaria emitir mais dívida a mercado”, diz Faria.
As conversas iniciais apontavam leilão reverso de R$ 12 bilhões em valor de face, o que foi reduzido no plano para até R$ 8 bilhões, considerando o deságio mínimo. A CFO diz que houve uma redistribuição dos recursos. “O plano praticamente dividiu o leilão em dois, para incluir o repagamento de dívida com desconto fixo porque identificamos credores com naturezas diferentes querendo liquidez”, diz.
“Há credores que vêm comprando bonds mais recentemente, num preço já bem deteriorado, e outros que carregam a dívida desde o início e querem uma solução mais ampla, com a capitalização da companhia, e continuando com uma nova dívida ou equity, mas monetizando uma parte. Para este, é justo um desconto menor do que aquele de quem não está ficando no risco e mantendo um relacionamento com a companhia.”
Há um terceiro formato, com uma dívida subordinada conversível, “de muito longo prazo e característica quase de equity, com juros abaixo de mercado, e valor presente de 40% do valor de face”. Quem não se enquadrar em nenhuma delas, no entanto, diante da continuidade de brigas judiciais, por exemplo, receberá em 2043 com deságio de 80% – claramente um empurrão à negociação.
Com essas recompras, ações e conversões, o grupo chegaria a uma dívida bruta de R$ 5,87 bilhões. “O primeiro bilhão de venda de ativos vai ser usado para recomprar debêntures a mercado (o segundo grupo). Assim, chegaríamos à dívida bruta de R$ 4,85 bilhões.”
Mas os credores ainda querem principalmente aumento no aporte dos acionistas e parecem pouco dispostos a abrir mão dos litígios.
Fonte: Pipeline Valor