Gigantes globais costumam levantar, com orgulho, bandeiras de responsabilidade ambiental. Mas há exceções, e a Amazon é uma delas. Com seus centros de dados, armazéns e caminhões de entrega ao redor do mundo, a gigante da tecnologia e varejo tornou-se uma das maiores consumidoras de energia. Quanto exatamente e quais as fontes desse recurso — se renovável ou fóssil e poluente — é difícil saber, afinal, a empresa nunca quis revelar esses dados. Mas isso vai mudar.
Em um post publicado na segunda-feira em seu blog oficial, a rainha do comércio online dá sinais de despertar para o lado verde da força, prometendo transparência sobre seu consumo de energia e maiores esforços de combate às mudanças climáticas. Para isso, a Amazon fixou o objetivo de longo prazo de usar 100% de energia renovável em sua infraestrutura global, com uma meta de médio prazo (10 anos) de tornar metade de suas remessas de produtos neutras em emissões de dióxido de carbono (CO2), como parte de um programa batizado de “Shipment Zero”.
A mudança é impulsionada pelas revoluções nas vias de transportes e novos combustíveis. “Com melhorias em veículos elétricos, biocombustíveis para aviação, embalagens reutilizáveis e energia renovável, pela primeira vez podemos ver um caminho para a entregas carbono zero aos clientes, e estamos estabelecendo uma meta ambiciosa para garantir que 50% de todos os embarques da Amazon.com sejam zero carbono até 2030″, diz a empresa no texto.
Os detalhes, datas e processos para atingir essas metas ainda não foram esclarecidos, mas deverão constar no relatório sobre emissões de carbono que a varejista norte-americana promete publicar pela primeira vez no final deste ano. Ao tornar pública sua pegada de carbono, a empresa de Jeff Bezos dará um grande e aguardado passo — não só para melhorar sua gestão ambiental (“Se você não pode medir, não pode gerenciar“, dizia o famoso guru da administração Peter Drucker), mas para agradar os investidores e tentar se igualar a outras empresas de tecnologia que largaram na frente nessa corrida.
Largada tardia
Enquanto a maioria das gigantes americanas listadas no Standard & Poor’s 500 (S&P500), carteira teórica das 500 ações mais representativas e negociadas na NYSE (Bolsa de Nova Iorque) e na NASDAQ, reportam suas pegadas de carbono à organização internacional Carbon Disclosure Project, a Amazon sempre se esquivou de participar da plataforma. O CDP atua na mitigação das mudanças climáticas e representa investidores institucionais com um valor combinado de US$ 100 trilhões em ativos.
A empresa está muito distante de outras gigantes, como Google e Microsoft, que receberam nota “A” nos relatórios do CDP, que classifica as empresas por quão bem elas divulgam suas emissões e reduzem sua pegada de carbono. A Amazon se negou a participar da pesquisa do ano passado, e tem se esquivado de fazê-lo desde 2011, quando um investidor propôs que a empresa participasse do questionário anual.
Na ocasião, o “board” de diretores da Amazon teria incentivado os acionistas a votar contra a proposta, sob argumento de “não acreditar que a preparação de um relatório ad hoc sobre mudanças climáticas seja um uso eficiente de tempo e recursos”, conforme consta em ata de reunião dos acionistas da Amazon vazada no site Quora.
Com um império de varejo em franca expansão e lucro recorde em 2018 (US$ 10,1 bilhões, em alta de 237% na comparação com 2017), cedo ou tarde a empresa cederia ao escrutínio público e pressões de grupos ambientalistas.
No comunicado publicado em seu blog, a Amazon não menciona o CDP, mas sinaliza que seu relatório será fruto de “um extenso projeto [realizado] nos últimos dois anos para desenvolver um modelo científico avançado para mapear cuidadosamente a pegada de carbono e fornecer às nossas equipes de negócios informações detalhadas, ajudando-as a identificar maneiras de reduzir o carbono”. Destaca, ainda, que os os clientes sempre vão querer mais qualidade, rapidez na entrega e custos mais baixos.
Para tornar suas operações mais verdes, a Amazon tem um desafio complexo à frente: reduzir o número de intermediários entre o clique do mouse dos consumidores nos marketplaces da marca e a casa deles. Atualmente, a empresa usa muitos fornecedores e terceirizados, o que dificulta traçar um “raio-x” da sua pegada de carbono e torna ainda mais significativa a divulgação do relatório prometido para o fim do ano.
A depender dos dados apresentados, a sustentabilidade pode finalmente virar um filão para a gigante do varejo, colocando-a em sintonia com um movimento de mercado sem volta, e onde ninguém quer ficar para trás. No ano passado um grupo de 21 empresas de tecnologia, incluindo Salesforce, Bloomberg, Uber e HP, anunciou uma aliança para aproveitar o poder de tecnologias emergentes e combater as emissões de gases de efeito estufa em todos os setores econômicos até 2020.
Em uma frente da corrida, a gigante do varejo leva vantagem — entregas por transportes elétricos. Segundo Adam Jonas, analista do Morgan Stanley, reconhecido em Wall Street como um dos primeiros a prever o crescimento da Tesla e o impacto dos veículos elétricos na indústria automobilística, a decisão da Amazon de ter 50% de suas viagens em 2030 neutras em emissões de carbono “implica um grande impulso para as caminhonetes elétricas e outros veículos de entrega”, com influência sobre todo o setor de logística.
Isso não significa que, em alguns anos, seu pedido da Amazon chegará via caminhões e navios elétricos ou em aviões neutros em carbono. É provável que a transição aconteça de diferentes modos e leve algum tempo. Mas é uma investida que “pode penetrar nos mercados de gerenciamento e logística de megafrotas mais rapidamente do que os modelos de propriedade de veículos individuais”, prevê o analista, para quem a promessa da gigante do varejo levará a tecnologia “para o próximo nível”. Quem sabe essa bandeira a Amazon logo possa hastear.
Fonte: Exame