As grandes marcas gastam centenas de milhões de dólares todos os anos num esforço para descobrir o que desejam os consumidores. Agora, a Alibaba — gigante chinesa de e-commerce — está oferecendo uma ajudinha: ela vasculha os dados obtidos junto a legião de clientes que compra, faz buscas e compartilhamentos por meio de suas várias plataformas e entrega essas informações a companhias interessadas em criar produtos que vão refletir a demanda do consumidor da China.
Nos últimos meses, a Alibaba ajudou a fabricante de chocolate Mars a desenvolver um novo produto e forneceu à Unilever informação valiosa para criação de uma nova linha de cosméticos que combatem os efeitos da poluição. Depois, a empresa de comércio eletrônico ainda deu consultoria às companhias sobre como comercializar esses lançamentos.
Essas ações integram nova estratégia batizada como “Nova Indústria” do empresário Jack Ma, presidente da Alibaba, que espera ajudar a definir o futuro da economia chinesa e consolidar sua posição nele.
— Ninguém mais tem esse ecossistema em que apenas um grupo detém todas as peças juntas e pode montar um perfil único para você — diz Ken Leaver, especialista no setor de e-commerce. — Com esse potencial, a Alibaba pode usar sua base de vendas para criar esses produtos, o que seria uma espécie de cálice sagrado nesse segmento.
Ajuda a pensar que o Grupo Alibaba funciona como Google, Netflix e Amazon combinadas em uma só empresa, incluindo outras mais. A chinesa opera a maior plataforma de comércio eletrônico do mundo, com 600 milhões de usuários mensais ativos, além de ser também o maior negócio de publicidade digital no país e contar com a Alipay, plataforma de transações financeiras.
A Alibaba controla ainda a Youku, a versão chinesa do Youtube e do Netflix, e uma rede de supermercados e de franquia de lojas de departamento. A liderança do Alipay em sistema de pagamentos móvel e o software de varejo da Alibaba também ajudam a rastrear o comportamento do consumidor mesmo off-line e em lojas físicas.
Baixa preocupação com privacidade digital
O braço de pesquisa de mercado da Alibaba, a Tmall Innovation Center, pode processar os dados e mostrar às companhias o que o consumidor chinês está procurando e não encontra.
— Conseguimos enxergar onde há lacunas e demandas não atendidas no mercado — conta Duan Ling, diretor de marketing de marca da Tmall.
A Alibaba pode ainda testar produtos nos murais de seus clientes e por meio dos resultados de buscas, com base nos perfis dos usuários e no comportamento de compras em tempo real. Na prática, funciona como o maior grupo de pesquisa do mundo.
Por ora, a Alibaba tem a capacidade de coletar dados de seus usuários com relativa imunidade porque a privacidade não é assunto sob ênfase na China. Como os dados são anônimos, os usuários não têm a opção de desistir desse rastreamento se querem usar as plataformas da companhia chinesa e concordar com termos e condições, como acontece com quem usa Facebook e Amazon, por exemplo. Ainda assim, os consumidores chineses começam a despertar — e mesmo lamentar — a onipresença da Alibaba.
— O boom da internet chegou à China com atraso, mas o consumidor chinês abraçou esse fenômeno em um ritmo mais rápido que em qualquer outro país — pontua Pedro Yip, especialista em varejo da consultoria Oliver Wyman. — Isso significa que a preocupação com problemas ligados à privacidade digital só agora está começando a crescer.
O domínio da Alibaba também está acendendo um alerta em empresas voltadas para bens de consumo. No início do ano, a agência Associated Press reportou queixas de cinco grandes marcas argumentando que a gigante chinesa tornou a busca por seus produtos mais difícil depois que se recusaram a assinar parcerias exclusivas com a Alibaba. Unilever e Mars afirmam que a empresa de Jack Ma não insistiu para que elas encerrassem a parceria que mantêm com a rival JD.com. Um prota-voz da Alibaba disse que a companhia garante às marcas “total autonomia” na escolha de suas plataformas de distribuição.
Também no primeiro semestre, os pesquisadores de dados da Alibaba perceberam uma demanda crescente por produtos de higiene pessoal que combatem os efeitos da poluição e promovem limpeza profunda da pele. Algumas marcas que atuam no segmento premium já atuavam atendiam a essa demanda, para a qual, no entanto, não havia opções de produtos de preço mediano.
A Unilever abraçou essa oportunidade e lançou uma linha de preço acessível de produtos que combatem os efeitos da poluição, começando por um para limpeza da pele. Os pesquisadores e designers da multinacional desenvolveram 48 diferentes protótipos de produtos em diversas faixas de preço. Eles foram apresentados a consumidores como jovens mães, na Taobao e na Tmall, lojas on-line da Alibaba. Quando um cliente tentava comprar um desses protótipos, uma mensagem na tela surgia avisando que ele estava participando de um teste de produto, oferecendo ao usuário um cupom de compras em retribuição a sua participação.
Mês passado, a Unilever lançou a linha Purifi, escolhida com base na decisão de compra de dezenas de milhares dessas jovens mães a quem os produtos foram expostos. Um gel de banho, lenços umedecidos e máscaras faciais virão na sequência. Com a ajuda da Alibaba, a Unilever não levou mais do que seis meses para concluir todo o processo de concepção, desenho e testagem, bem menos que a média de 18 a 24 meses para colocar um novo produto no mercado, explica Susan Ren, diretora de dados e desenvolvimento digital da companhia.
— A Alibaba nos oferece um ambiente real para testar novos produtos. Como o consumidor não faz ideia de que está participando de uma pesquisa ou estudo, suas reações e decisões de compra são reais. Assim, a resposta é real, o que é uma imensa vantagem em uma indústria em que a inovação é essencial, mas também cara e de risco — disse a executiva da Unilever.
Os dados da Alibaba também trouxeram novidades para a Mars, ao mostrar que as mesmas pessoas que compram muito chocolate também gostam de petiscos temperados. Esta informação impulsionou a creação do Spicy Snickers, que utiliza pimenta de Sichuan, fonte do sabor chinês picante chamado “mala”. Em geral, a Mars leva de dois a três anos para desenvolver um novo produto. O Spicy Snickers, contudo, saiu em menos de um. Mais que isso: o lançamento ajudou a divisão da fabricante de chocolate na China a cumprir a meta de ter novos produtos responsáveis por 10% do faturamento, destacou Ian Burton, presidente da Mars Wrigley Confectionary no país.
— A experiência mostra que 90% das inovações falham. E isso nos ajuda a reduzir essa taxa — disse Burton.
Fonte: O Globo