Ações mostram resiliência em meio à retração da economia
Com queda na confiança, falta de investimentos, inflação e juros altos, a economia brasileira enfrenta um forte período de retração. Ao todo, já são oito trimestres consecutivos de desempenho negativo do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda assim, nesse período, algumas empresas conseguiram se destacar na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o que mostra que, mesmo em períodos de alta volatilidade, é possível ter ganhos em renda variável. No entanto, analistas lembram que ganhos passados não são garantia de rentabilidade futura. Por isso, a escolha de ações deve levar em conta não apenas a economia brasileira, mas os pontos fortes e fracos de cada empresa.
Das ações que fazem parte do Ibovespa e que tiveram alta expressiva nos últimos dois anos, estão Suzano, Klabin e Fibria. As três atuam na área de papel e celulose e são exportadoras. Elas foram beneficiadas pela alta da cotação do dólar e, além disso, o preço desse produto não sofreu uma forte depreciação no mercado externo. Isso contribuiu para que esses papéis, em um período de dois anos, tivessem ganhos de, respectivamente, 60,74%, 48,81% e 23,46%. O Ibovespa, no período entre 1º de abril de 2014 e a última sexta-feira, acumula alta de 0,69%.
Mas algumas empresas ligadas ao consumo, que sofreu nos últimos trimestres, também tiveram bom desempenho. A justificativa de analistas é que, embora a recessão seja aguda, com uma forte retração do poder de compra do trabalhador, essas companhias têm boa administração e fizeram ajustes precisos, elevando os ganhos apesar do cenário econômico adverso. Os principais destaque são os papéis da Hypermarcas, que tiveram valorização de 78,37%; os das Lojas Renner, que subiram 71,68%; e os da Raia Drogasil, que avançaram 58,31%.
— A Hypermarcas fez uma reestruturação, com a venda de ativos para ficar focada na área farmacêutica. No caso das Lojas Renner, é uma empresa que sempre mostrou muita resiliência, em função da gestão de qualidade, então o mercado paga um prêmio por isso — explica Roberto Indech, analista da Rico Corretora.
EXPECTATIVA SOBRE JUROS
Indech considera que, caso não haja novas mudanças políticas, o investidor pode trabalhar com um cenário de queda gradual dos juros, que irá durar até 2017. Esse espaço para corte da Taxa Selic, hoje em 14,25% ao ano, deve aumentar à medida que o ajuste fiscal se concretize.
— O setor varejista ganha espaço com isso. Além de Renner, Lojas Americanas e Pão de Açúcar podem se beneficiar desse estímulo. Já no caso das administradoras de shopping, BRMalls e Multiplan também ficam em uma situação mais favorável, uma vez que a dívida dessas companhias é atrelada aos juros e, com a queda, elas terão uma despesa menor — diz Indech.
Já para Raphael Figueredo, analista da Clear Corretora, além das empresas ligadas ao setor de consumo, nas quais ele inclui a Natura, a médio prazo as companhias ligadas ao setor de concessões ou que possam receber investimentos da iniciativa privada também devem se beneficiar. Ele cita como exemplos CCR e Ecorodovias.
— Quando tivermos uma sinalização mais clara sobre concessões ou privatizações, as ações irão refletir esse movimento. O mercado está em fase de transformação, e os investidores estão em busca de papéis que possam criar valor. A especulação perde força — afirma Figueredo, acrescentando que, se por um lado os volumes negociados caem, por outro a volatilidade também tende a ser menor.
Outro setor que deve ter ganhos a curto e médio prazos é o financeiro. A Cetip e a BM&F já estão entre os papéis que acumularam valorização elevada nos últimos dois anos — 53,66% e 47,91%, respectivamente. As empresas desse segmento devem continuar a ter forte procura entre os investidores.
— O movimento de compra está ganhando força, e a volatilidade tende a ficar menor. Os investidores estrangeiros também estão voltando, vendo uma perspectiva de recuperação da economia. Nesse cenário, vê-se que o setor financeiro é interessante. Além de Cetip e BM&F, Bradesco e Itaú também podem se destacar a curto prazo — avalia Alexandre Wolwacz, diretor da Escola de Investimentos Leandro & Stormer.
AJUSTE FISCAL PRECISA AVANÇAR
Para quem tem um horizonte de médio prazo, Wolwacz destaca o setor varejista, lembrando que no quarto trimestre, caso a economia dê sinais de recuperação, esses papéis podem subir, devido à expectativa com as vendas de fim de ano. Companhias que buscam diversificar seus mercados, como BRF e JBS, também devem ficar no radar dos investidores.
Por outro lado, papéis que sempre foram visto como defensivos ficaram em segundo plano, como as empresas de energia. Pelas mudanças de regras feitas nos últimos anos, essas companhias passaram a enfrentar problemas de caixa e deixaram de ser vistas como boas pagadoras de dividendos.
— Esse setor só voltará a ser atraente se o governo reconquistar a confiança dos investidores nesse mercado — diz Wolwacz.
Para Maurício Pedrosa, sócio da Queluz Investimentos, os bancos enfrentam um momento desafiador devido ao aumento da inadimplência. No entanto, a redução dos juros é favorável às grandes instituições financeiras, porque irá estimular a demanda por crédito para consumo e projetos. Ele ressalta, porém, que esse cenário só será concretizado com o avanço das medidas de ajuste no Congresso:
— É importante que o Banco Central reduza os juros, mas isso só será consistente se for feito a reboque de uma melhora na dinâmica das contas públicas. Se houver disciplina fiscal e o governo conseguir encaminhar e aprovar as reformas, a curva de juros irá responder mais rápido, o que beneficia a economia.