Apesar de ainda desvalorizadas em relação a anos anteriores, por causa da liquidação de ativos que empurrou para baixo o preço dos papeis de empresas brasileiras, as companhias de varejo já não são mais uma pechincha na bolsa. Expectativas de redução de taxa de juros e queda da inflação, somadas ao retorno de investidores estrangeiros para a BM&FBovespa, dentro da percepção de que, pelo menos, a economia parou de piorar, ajudaram a puxar o valor dos papéis, com altas de mais de 130%.
O valor de mercado das 21 empresas de varejo e de shopping centers de capital aberto voltou ao patamar do fim de 2014, antes do auge da crise do setor. Ontem, essas companhias valiam R$ 120,5 bilhões, versus R$ 120,7 bilhões no último pregão de 2014. O atual valor dessas companhias é quase 35% superior ao apurado no último pregão de 2015, segundo levantamento do Valor Data.
Um total de 14 das 21 empresas do setor inverteram tendência de queda de suas ações verificada em 2015 e acumulam alta neste ano, até ontem. E 15 dos 21 papéis crescem em 2016 acima do Ibovespa, índice que mede retorno das ações mais negociadas na bolsa.
A fraca base de comparação do ano passado, com os papéis perdendo valor com a fuga de investidores em 2015, e a piora do ambiente econômico, acaba se refletindo na recuperação atual. Mas analistas dizem que, neste movimento inicial de reação, há peso considerável das estimativas de queda nos juros e inflação mais comportada. Nesse cenário, o principal setor beneficiado é o de consumo. A elevação de indicadores de confiança do consumidor também ajuda a melhorar um pouco o humor do investidor – segundo a FGV, o índice em junho foi o melhor nos últimos 12 meses.
“Não dá para dissociar a relação entre base fraca e recuperação nos preços, mas é fato que esse movimento também não ocorreria sem uma percepção futura mais positiva”, diz André Gordon, fundador e gestor da GTI Administração de Recursos. “Se em março do ano passado a ‘liquidação’ começou, a gente pode dizer que agora, mais de um ano depois, nem tudo está tão em promoção como antes”.
Na avaliação de Luiz Cesta, analista da Votorantim Corretora, dentro da expectativa de juros menores, as empresas se beneficiam de uma redução nas despesas financeiras, que podem melhorar resultados a curto prazo. “Em 2015, como não era esperada uma queda em receita tão grande como a que ocorreu, as empresas ficaram mais alavancadas do que se imaginava. Juros menores vão amortecer mais essa despesa financeira e isso entra nas estimativas do mercado.”
Bom exemplo da demanda pelos papéis do setor foi a movimentação envolvendo a empresa israelense Gazit-Globe, que chegou a ter 5% das ações da BRMalls, e na semana passada reduziu para 4,5% sua participação, para investir os ganhos na compra do edifício do Top Center, em São Paulo. A Gazit vendeu cerca de R$ 160 milhões em papéis em duas semanas, com demanda intensa de compradores nos períodos de negociação. Relatório do BTG Pactual de maio calculou que o lucro da BR Malls aumentaria em 10% a cada um ponto percentual de corte na taxa Selic.
Há fatores ligados aos negócios que ainda impedem um “destravamento” maior dos preços, lembra Gordon. No caso do Grupo Pão de Açúcar (GPA), dúvidas em relação à capacidade da gestão atual de recuperar resultados, especialmente em hipermercados, afetam os papéis. As ações preferenciais do GPA se valorizaram 18% neste ano, enquanto o Ibovespa subiu 24,5%.
Na Lojas Americanas, diz Cesta, a necessidade de um novo aporte na sua controlada B2W, um ano e meio após outra capitalização, foi algo “não muito bem recebido pelo mercado”. As ações preferenciais subiram 11% no ano, com potencial de valorização na casa de dois dígitos, em 20%, no segundo semestre, calcula a Eleven Financial. “Ainda há uma expectativa de que a rede tenha dificuldade para atingir previsão de 800 aberturas de lojas em cinco anos, até 2018. Então essas questões tiveram seu peso na avaliação nos primeiros meses do ano”, diz Cesta.
Considerando a cotação de ontem, 13 das 21 empresas fecharam o pregão com cotações em patamar acima do verificado no início do ano de 2015 (média de preços de janeiro). Portanto, com preços acima do período anterior à maior fuga de investidores de papéis relacionados a consumo, algo que cresceu após fevereiro.
Especialistas têm sido cautelosos e reforçado que ainda não há sinais claros de um processo de recuperação nas vendas do setor. Portanto, não é uma recuperação de preços gerada pela melhor situação operacional das empresas. Há grupos com vendas em queda (Via Varejo, Marisa, Hering) e redes que entraram no prejuízo e ainda não saíram dele. Mas ações estratégicas de algumas redes também ajudam a entender recentes valorizações.
O foco maior do Magazine Luiza em ampliar vendas em sua operação digital, por exemplo, tem sido analisado positivamente. As ações da rede, que caíram fortemente em 2015, se valorizaram 136% neste ano, até ontem. Renner e Raia Drogasil seguem numa escalada de preços, e como opção pela segurança e previsibilidade em termos de resultados aos investidores.