Por Adriana Mattos
Por dois dias seguidos, Abilio Diniz e parte da equipe da Península Participações, segunda maior acionista do Carrefour, fizeram algo até então inédito nos quase dez anos de sociedade na empresa. O time da holding de investimentos e Abilio se reuniram com de analistas e gestoras, por cerca de duas horas, nos dias 4 e 5 de julho, para ouvir e falar de assuntos como a varejista no Brasil, apurou o Valor.
O encontro, no formato de almoço, foi estruturado de maneira que os presentes falassem da visão “macro” — como juros e inflação, inicialmente — e depois da visão sobre o varejo e o Carrefour no país com aproximadamente uma dezena de participantes por dia. Cerca de metade do tempo coube a cada tema. Eduardo Rossi e Flavia de Almeida, ambos diretores da confiança de Abilio, estavam nas conversas, além de outros três executivos da holding.
Vice-presidente do conselho de administração do Carrefour no país, Abilio e a holding são donos de 7,3% das ações na bolsa local e de outros 8,4% do capital na França. Lá fora, após saída de antigos acionista, a participação deles só é menor do que a da família Moulin, com 13,7% do capital.
Com o convite visto como inusitado por fontes — não é comum sócios ou conselheiros promoverem encontros com parte do mercado, algo que ocorre em “investor day” pré-agendado e aberto —, Abilio queria mais ouvir do que falar, mas o empresário passou uma ideia geral do que pensa. A própria aproximação, segundo aqueles que foram, sinalizou que há arestas a aparar na empresa controlada pelos franceses.
Foram chamados analistas e gestoras “buy side” e analistas “sell side”, que trabalham para bancos e corretoras. O CEO do Carrefour Brasil, Stephane Maquaire, esteve em férias na Europa neste mês e voltou essa semana para apresentar os resultados do segundo trimestre na quarta-feira (26). “Ele [Abilio] queria ouvir para ‘endereçar’ melhor algumas coisas, e ouvir ‘sem filtro'”, diz uma fonte a par do encontro.
“Foi falado sobre como melhorar comunicação e transparência com mercado, algo que o Carrefour muitas vezes não vai tão bem, e [sobre] os pontos mais negativos que levantavam sobre o negócio, a Península buscava entender e contornar”, completa ele.
“Acho que ficou claro a todos que Abilio quer ter uma influência maior e ser mais ativo”, afirma uma segunda fonte. “Como ele mesmo lembrou no encontro, eles [Abilio e Península] tiveram participação na indicação do vice-presidente de finanças brasileiro, que vem fazendo um trabalho de aproximação com mercado e tentando mudar a percepção atual sobre a empresa”, afirma uma segunda fonte.
Eric Alencar ocupa o cargo desde março e foi o primeiro financeiro local desde a abertura de capital, em 2017, e trata-se de uma posição que a matriz nunca abriu mão, ao lado do CEO. Alencar entrou no lugar de David Murciano, francês e ex-Carrefour Espanha.
Abilio tem uma boa relação com o CEO local, criou proximidade com os últimos diretores financeiros no país, e não é incomum contatos deles com fundos, normalmente em encontros individuais.
“Não é natural esses encontros maiores, tanto que ninguém que estava lá já participou dessas conversas com eles. Normalmente é algo ‘one-one’ com a Península, mas para o analista é ótimo”, afirma uma outra fonte.
Para uma fonte próxima da holding, os contatos são normais, dentro de uma ideia de troca de impressões mais gerais, sobre o país e a economia. E tratou-se basicamente de um bate-papo, dentro de uma rotina, sem foco específico no Carrefour, afirma essa fonte — reforçando que foi tratado de temas como reforma tributária, regras do Carf e arcabouço fiscal, e outros.
Para alguns participantes, a percepção que ficou foi de que a Península tem seu peso na base de acionistas, mas menos voz do que gostaria.
No Brasil, são duas cadeiras no conselho no país (além de Abilio, está Eduardo Rossi) de um total de 12 conselheiros. Na França, também tem uma cadeira, de Flavia de Almeida, dentre as 14 posições. Abilio tem o mesmo número de membros que os representantes de empregados tem no “board”, segundo determinação da lei francesa.
Supermercados e GPA
No almoço, Abilio disse que falta uma presença mais forte do Carrefour em supermercados, e o discurso foi mais num caminho de crescer internamente do que por meio de aquisições — quem cuida de varejo no Carrefour é o francês Daniel Mora, ex-diretor de Big, que veio para o Carrefour após a compra. Ele não falou de GPA, dona do Pão de Açúcar, fundada por sua família, e que o controlador Casino admitiu que pode vender para sair das dívidas.
Mas, dias depois dos encontros, começaram a surgir informações no mercado de que no contato, Abilio teria sinalizado aos investidores e analistas um interesse em seguir outro caminho fora de Carrefour.
“Ele nunca disse isso, foi uma boataria, ele parece muito comprometido com o Carrefour. A questão é que ele investiu bilhões, muito dinheiro mesmo na posição lá fora e aqui, mas tem participação menor nas decisões do que gostaria. De anos para cá, ele passou a adotar uma linha mais de conselheiro nos ‘boards’ e com os executivos de quem é mais próximo aqui. Só que ele está vendo que o papel não reage aqui, e essa posição mais ativa pode vir disso”, afirma uma pessoa a par do tema.
No começo de maio, o papel do Carrefour atingiu o seu menor preço (R$ 8,82) desde o IPO no país, em 2017, após publicar o seu primeiro prejuízo trimestral depois da abertura de capital. Ali, o mercado já estava a par, por meio de informações da imprensa em abril e maio, das trocas de executivos na empresa da linha de frente, o chamado “Comex”, e do passivo de R$ 2 bilhões identificados no Big, após a compra.
Ainda vinha precificando eventuais riscos de execução na complexa integração de Big e Carrefour. Depois disso, as perspectivas pouco animadoras com o “macro” (deflação afetando receita do Atacadão e do Carrefour) e a questão de endividamento a ser resolvida ajudaram a acender o sinal amarelo. No ano, a ação ON da rede cai 24%, enquanto a do Assaí recua 35% e a do GPA sobe 34%.
Durante os encontros, Abilio ouviu que não havia clareza das sinergias identificadas pelo comando na compra de Big (ex-Walmart) e que os resultados estavam muito “poluídos” e difíceis de enxergar claramente pelo mercado. Em determinado momento, uma pessoa disse que havia uma sensação de que haviam “enfeitado a noiva” [o Big] antes de vendê-la.
Ou seja, de que o ativo foi vendido ao Carrefour como algo melhor do que efetivamente está. O Big anda puxando as margens do Carrefour para baixo, e há um trabalho hoje para tentar melhorar isso.
A equipe da Península sinalizou apoio ao atual direcionamento da rede. Mencionou que as sinergias estão sendo obtidas e que os efeitos de custos e despesas com esse processo já estavam em grande parte nos resultados dos últimos trimestres, o que tende a favorecer a rentabilidade.
Saída de diretores e integração
Por trás disso, há um ambiente tenso no novo “campus” da empresa, como a direção chama a nova sede, inaugurada nesse ano, onde ficava o Big, e que teria recebido investimentos de R$ 40 milhões, apurou o Valor com executivos atuais e ex-diretores, que pedem sigilo de seus nomes.
As conversões de 129 lojas de Big em unidades do grupo Carrefour foram concluídas, como a empresa anunciou ao mercado no fim de junho, mas ainda faltam etapas, como o processo de integração de sistemas das lojas.
A intenção era avançar na migração de pontos do Big para varejo e atacado, com Atacadão, e tentar “limpar” o balanço de efeitos negativos dessa integração a partir do terceiro trimestre.
O atual comando tende a ser mais pressionado para entregar melhores números no segundo semestre, mas continua a existir um cenário de efeito de deflação e despesas da integração ainda devem ser sentidas no terceiro trimestre, apurou o Valor.
Além disso, é preciso reorganizar a estrutura de comando abaixo do Comex, o comitê executivo. Maquaire vem reduzindo o quadro de pessoal que responde ao primeiro escalão do Comex. Esse grupo de diretores soma cerca de 70 pessoas, após a integração de Big e Carrefour. Esse ambiente tem criado um clima de maior instabilidade, dizem diferentes fontes ouvidas de dentro e de fora do grupo.
O Valor apurou que, na visão do alto comando, porém, o que tem incomodado é o fato de executivos do Big estarem ocupando as cadeiras de executivos do Carrefour, com anos de casa, após a compra da empresa.
“As coisas mudaram e tem gente que não aceita que nem sempre aquele que é do Carrefour vai ficar na função. Fica aquele mais adequado ao cargo e ao momento da empresa e da área em si”, resume um diretor.
O que se tem hoje, nas palavras de um outro executivo ligado ao grupo, é uma estrutura hierárquica num desenho retangular, ou seja, muitas pessoas nos níveis hierárquicos. A ideia é implementar um desenho mais triangular, com menos diretores na ponta.
Só que isso ainda não foi totalmente finalizado e era uma das prioridades que a rede teria que tratar logo após a compra do Big, até pela duplicação de estruturas, o que acaba gerando algum ruído num momento de busca de resultados.
O Valor apurou que pelo menos quatro diretores, logo abaixo do Comex, foram demitidos ou pediram para sair do Carrefour de maio para cá.
Entre eles estão Ney Santos, executivo da área de tecnologia, referência nesse setor no varejo; Chatal Pillet, diretora de compliance; Jérôme Mairet, chefe da área de riscos e Michael Montgomery, CFO do Carrefour Property.
A empresa não comunicou ao mercado a saída desses executivos. Ainda há expectativa que outras mudanças ocorram dizem fontes a par do assunto.
Procurados, a Península não se manifestou e o Carrefour não comentou.
Fonte: Valor Econômico