Uma das maiores empresas de comércio eletrônico do País nunca deu lucro. Mesmo assim, está ampliando suas operações. Entenda qual é a fórmula da companhia e até quando terá fôlego para continuar no vermelho
Maior ícone do comércio eletrônico mundial, a americana Amazon é também o principal símbolo de um dilema comum no setor. Com ações negociadas na Nasdaq desde 1997, a empresa se acostumou a divulgar resultados nos quais os crescimentos exponenciais de receita dividiam espaço com prejuízos que não passavam despercebidos aos olhos de investidores e acionistas. Isso ficou no passado. Hoje, a companhia de Jeff Bezos é lucrativa. Embora ainda esteja longe dos escrutínios do mercado de capitais e dos números da gigante do varejo, a brasileira Netshoes tem pela frente um desafio semelhante.
Apesar de saltos expressivos de receita e de já ter atraído mais de R$ 600 milhões de fundos de investimento, a empresa, fundada em 2000 e uma das pioneiras do varejo virtual no País, nunca deu lucro. Nesse cenário, uma questão volta e meia vem à tona: até onde vai o fôlego da Netshoes? “Ninguém aqui quer construir uma empresa que não para em pé”, diz o fundador e CEO Márcio Kumruian. “Uma companhia só é reconhecida quando consegue provar que se tornou sustentável”.
Há cerca de três anos, a Netshoes vem equacionando suas estratégias agressivas de expansão com a busca por rentabilidade. “Estamos perseguindo um crescimento com controle e responsabilidade.” Diversas medidas sinalizam essa postura. A Netshoes renegociou prazos e condições comerciais com seus fornecedores, em acordos de longa duração. E mudou sua política de fretes gratuitos. Caso queira receber o item na data da compra, o consumidor paga pelo serviço. Diariamente, a companhia despacha 30 mil produtos. “Nos últimos quatro anos, reduzimos nossos custos com logística em 80%”, diz Leonardo Dib, diretor financeiro da Netshoes.
“Muitas lojas virtuais têm dificuldade em dizer não ao consumidor no momento da venda”, diz Ana Paula Tozzi, CEO da consultoria GS&AGR. “A Netshoes está no caminho certo.” Em 2015, a empresa reduziu seu prejuízo líquido em 32,4%, para R$ 63,2 milhões. A receita cresceu 32,8%, para R$ 1,54 bilhão. No ano, o comércio eletrônico movimentou R$ 41,3 bilhões no País, alta de 15,3%, segundo a consultoria e-Bit. “Eles estão estancando o sangramento”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.
“E estão criando outras formas de rentabilizar sua plataforma.” A Netshoes quer aproveitar ativos como tráfego e infraestrutura de logística para abrir novas fontes de receita. Há uma série de projetos em curso. No fim de 2015, a empresa lançou um cartão de crédito em parceria com o Itaú Unibanco e prevê outros produtos financeiros. Em fevereiro, estreou seus marketplaces, como são chamados os sites que reúnem as ofertas de diversos varejistas e que cobram taxas pela exposição nesse espaço.
Dois meses depois, a Netshoes assinou um acordo para gerenciar a logística de distribuição da fabricante de suplementos alimentares Midway Labs no Brasil. “Da concepção ao lançamento, nada passa de seis meses aqui dentro”, diz Kumruian. É o caso da Zattini, loja virtual de moda. Após quatro meses de estruturação, a operação chegou ao mercado em dezembro de 2014. Em 2015, faturou R$ 100 milhões. O próximo passo é acrescentar produtos de beleza às ofertas da loja. Boa parte das apostas reside, no entanto, na Shoestock.
A tradicional varejista de calçados, bolsas e acessórios foi comprada em dezembro e será a primeira marca própria da Zattini. Os planos passam ainda por um retorno da Shoestock às lojas físicas. “Mas não será de uma maneira tradicional”, afirma. “O mercado vai ver a primeira experiência multicanal, de fato, em prática.” Esses movimentos têm sido bem recebidos pelos investidores da empresa. “A Netshoes tem seguidamente atingido ou ultrapassado as nossas expectativas”, afirma Sean Peterson, executivo sênior da IFC, braço de investimentos do Banco Mundial.
“A empresa tem um caminho sustentável e um time muito capaz para executá-lo.” Nicolas Szekasy, sócio-diretor da Kaszek Ventures, reforça que a velocidade está de acordo com os planos traçados pelos fundos envolvidos. “Todos têm a consciência de que o e-commerce tem um tempo diferente”, diz. “A companhia tem um negócio principal muito sólido, capaz de financiar a criação de ativos fortes e rentáveis num futuro bem próximo.”