Gigante do varejo brasileiro avança em programa de aceleração de startups. Entre as investidas está a Já Vendeu, especializada no comércio de produtos de segunda mão
Por Beto Silva
Números astronômicos colocam a Via entre as quatro maiores redes varejistas do Brasil: R$ 44,6 bilhões de faturamento em 2021, 28 milhões de clientes ativos, 46 mil colaboradores e 1,1 mil lojas espalhadas pelo País. Em uma analogia oceânica, seria um transatlântico navegando pelo mercado brasileiro. No meio desse mar, a startup Já Vendeu, criada em 2020, faturou seu primeiro milhão no ano passado. É, digamos, um jetski — para ser bem generoso — especializado em compra e venda pela internet de produtos usados. Ela é uma das empresas do Retail Scale, programa de aceleração criado pela Darwin Startups e Distrito, com investimento da Via — e da Cia. Hering. Essa pequenina e ágio embarcação tem se ancorado no poderoso navio para escalar. Mas é ela que tem ensinado mais do que aprendido. “O legal é essa mistura. Com planejamento bem feito, podemos conviver”, disse Helisson Lemos, o comandante de inovação e marketplace do transatlântico… ops, da Via.
Antes de continuar a descrever essa parceria, é preciso deixar claro: a Via — dona de Casas Bahia, Ponto e Extra.com.br — não quer entrar no mercado de economia circular. Ao menos no curto prazo. Por enquanto, tem absorvido alguns processos e metodologias que podem servir para o core da companhia, de venda direta de eletrodomésticos, eletrônicos, móveis e outros produtos novos. A Já Vendeu faz essencialmente e-commerce C2C de bens usados. A empresa, criada em São Carlos, no interior de São Paulo, busca a mercadoria na casa da pessoa, fotografa, precifica, vende, entrega ao comprador e paga ao vendedor. Desburocratiza o processo de vendas e promove sustentabilidade. A Via está interessada em aprender com essa jornada. “Temos muito a absorver, seja em catálogo, atendimento personalizado, precificação”, disse Lemos. Na realidade da gigante do varejo, a expertise da startup pode auxiliar, por exemplo, a lidar melhor com os produtos devolvidos. O reverse, seja por defeitos ou outros problemas com os itens, significa recursos parados. E recursos parados significa perda de oportunidade de venda.
Da jornada da Já Vendeu, a Via pode tirar outros ensinamentos e — aí sim — gerar novos negócios a médio e longo prazos. Uma das maiores dificuldades da startup é espaço para armazenagem — possui apenas um armazém, inaugurado em 2021 em São Paulo. E isso a gigante do varejo tem de sobra. São mais de 1 milhão de metros quadrados em 30 centros de distribuição, sem contar as lojas. Absorver o estoque da Já Vendeu talvez não seja o propósito. Mas as possibilidades são inúmeras a partir desse conceito. Uma delas é funcionar como o Zé Delivery, aplicativo de entrega de bebidas da Ambev. Nele, há desconexão de onde sai o pedido e de onde está o produto, que pode ser um armazém da marca ou um boteco na esquina próximo da casa do cliente.
É uma leitura de estoque de hiperlocalidade, em que qualquer parceiro pode assumir o pedido. Com 1,1 mil pontos de venda físico no País, a Via se tornaria facilmente hóspede de produtos para entregas de última milha. Seria um outro negócio, de potencialização logística a multicategorias, a clientes variados ainda que não sejam clientes da Via. Um ganha-ganha que está sendo pensado por quem tem 130 mil sellers em seu marketplace. “Tudo está conectado a potencialidades da Via”, disse Lemos. Lucas Navarro, piloto do jetski, ou melhor, CEO da Já Vendeu, afirmou que ser escolhido para receber investimento “é mais uma confirmação do potencial do negócio”.
ACELERAÇÃO A Já Vendeu é uma das cinco startups escolhidas pela Via para serem aceleradas a partir do programa Retail Scale, da Darwin e do Distrito. As outras — selecionadas entre 220 empresas — são Hubii (marketplace-enabler), Idid Tecnologia (solução de pagamentos para e-commerce), Manfing (dados e IA ara o varejo) e Yapoli (solução para distribuição de ativos digitais). Esse investimento em startups faz parte de projeto de inovação que começou há quase três anos a partir de uma reformulação da mentalidade digital da companhia. Nesse nicho, já foram aplicados R$ 2 milhões para desenvolver novas empresas. Pouco para a bilionária do varejo. Mas muito tem acrescentado para se posicionar melhor no mercado. Segundo Helisson Lemos, o timoneiro de inovação da Via, “todos esses projetos estão conectados à tendência de consumo, pensando no cliente”. E contribuem para esse transatlântico fazer a travessia da experiência do consumidor em águas mais tranquilas.
Fonte: IstoÉ Dinheiro